sábado, 16 de outubro de 2010

ENTRE A LOUCURA E A LUCIDEZ


"Entre um rosto e um retrato, o real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez,
Entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês"


Já falei aqui sobre a Organização do Trabalho e como ela deveria fazer o sujeito enlouquecer e, como Dejours diz, o trabalhador surpreendentemente não se acomete da loucura por desenvolver alguns comportamentos que o autor denominou estratégias defensivas, algo muito próximo e baseado nos mecanismos de defesa freudiano. Em alguns momentos, sem conseguir suportar, o sujeito toma atitudes ou tem comportamentos que o aproximam de uma loucura temporária.

Pois bem. Tenho pensado muito nisso, do limiar entre a loucura e a lucidez. Mas não apenas no ambiente de trabalho. Concordo plenamente com o autor e sua teoria e com certeza muitos outros pensadores já devem ter pensado no que estou escrevendo. Quem realmente é louco? Qual o conceito de loucura? O que é normal?

Como Dejours, penso que no mundo em que vivemos, o normal seria enlouquecer. Quem em sã consciência quer ter até sua alma explorada para em troca receber uma remuneração que, ao contrário do que pensamos, serve apenas para alimentar o sistema, pois somos induzidos pela mídia e pelo marketing a comprar coisas fúteis e que muitas vezes não são necessárias para nossa sobrevivência? Quem seria capaz, em sã consciência, de ficar a maior parte do tempo de vigilia do dia em função de uma atividade desgastante como é o trabalho? Quem não enlouqueceria com o ritmo de vida que levamos, com a violência, com as drogas, com a miséria, com a política e com tantos outros problemas de nossos dias?

Acredito que o louco somos nós, que conseguimos nos adaptar a tudo isso. Aquele que enlouquece, esse é o normal. O normal é afogarmos nossas mágoas nas drogas, na bebida, na loucura. Aquele que 'pira', que não consegue viver nessa nossa sociedade que premia o cara que não tem carater, o que passa os outros para trás, que valoriza o sujeito pelo que ele tem e não pelo que é e representa para a sociedade... isso seria o normal, não aceitarmos isso de braços cruzados.

Às vezes tenho meus pensamentos pessimistas. Isso nunca vai mudar. O sistema é totalitário. O sistema permite algumas saídas para não se auto destruir, são as suas transmutações para continuar existindo. Na década passada eu trocava cartas com meu amigo já citado tantas vezes aqui, o sumido José Renato. Eu dizia que o mundo é um eterno retorno ao passado, as coisas são um revival de outras e o moderno não passa de uma releitura do antigo. Ele, com sua sabedoria e conhecimento, me dizia que, ao contrário do que eu havia dito, o mundo não andava em círculos, mas em espirais, porque a cada revival havia um elemento novo, que conduzia a um final diferente e assim nada se fechava, como em um círculo. Não só concordei, como faz sentido no que diz respeito às mutações do sistema, pois se ele se fechasse, simplesmente acabaria, seria engolido por ele mesmo.

Certa vez, quando fazia minha primeira pós, em Psicologia do Trabalho, em uma discussão de sala de aula, lembro que levantei o questionamento sobre alguns acontecimentos, que pareciam ser um respiro contra o sistema, uma espécie de resistência, se isso não seria o que o sistema permite existir, uma forma de dar vazão à algumas vozes e sufocar uma revolta maior, para sobreviver. Ou seja, os mecanismos de defesa, as estratégias defensivas que o sistema desenvolvia para se manter intacto. Doesse a quem doesse (o status quo não tem coração). Assim, algumas vozes, alguns movimentos, algumas revoltas são aceitas, mas até um certo limite, e em contrapartida, outros movimentos mais profundos e realmente revolucionários seriam ridicularizados, esvaziados ou mesmo exterminados.

Por isso que tantos revolucionários e idealistas são comprados pelo sistema e se calam, porque entendem que o sistema é totalitário e lutar contra ele parece ser algo impossível. Minar aos poucos? Não acredito, porque uma vez na máquina, para sempre na máquina e fazendo ela rodar para não ser triturado. Resistir é enlouquecer, ficar à margem, ser ridicularizado, ser rotulado. Enfim, ser isolado. E a loucura, é triste meu caro, muito triste...

Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada... toda forma de poder é uma forma de morrer por nada. Eu me sinto um estrangeiro, um estranho no meio de tantos pensamentos iguais, à mesmice, um estranho que aceita essas normas estabelecidas por mero comodismo.

Jim Morrisson cantava há algumas décadas (um louco à frente do seu tempo - isso é um pleonasmo):

"People are strange, when you're a stranger...
... When you're strange, no one remembers your name..."


Hay que endurecer pero sin perder la ternura jamas... ????? Será?

2 comentários:

  1. Queria saber de quem é a autoria da imagem logo mais acima, pra eu buscar maiores informações! Obrigado pelo trabalho e espaço. (Pacato PsicoCidadão..)(..

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    1. Antonio, é uma obra de Agnolo Bronzino, um pintor italiano, do século XVI. A obra se chama Alegoria do Triunfo de Vênus.
      Grande abraço

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