domingo, 25 de agosto de 2013

FIRST OF THE GANG TO DIE

Depois de uma semana inteira de overdose de Morrissey (e não acabou, pois ainda estou assistindo ao DVD Who Put The M In Manchester, de 2005), finalmente estou de volta ao meu cantinho virtual. Depois de um longo e tenebroso inverno da pequena londres, literalmente falando, porque tivemos um inverno forte esse ano, finalmente, essa vida no trópico de Capricórnio e ao sul da linha do Equador, quente á beça (como diz uma voz no início da canção que dá nome a esse post - Los Angeles, você é quente demais - bem poderia ser Londrina, você é quente demais) cansa demais.

Quando passávamos noites de sábado entediantes no muro da rua São Paulo, esquina com Joaquim Lacerda ou as tardes de domingo zanzando pelas ruas do Gonzaga, em Santos, sempre discutíamos ou jogávamos conversa fora, para amenizar a inquietação dos nossos corações, nos longínquos anos 80. Mas também passávamos noites e madrugadas de sábado para domingo trocando idéias ou fitas cassete gravadas em algum show totalmente underground, lá na Caneleira; a volta sempre era uma viagem, depois de passar em algum boteco para beber um goró e aquecer nossas almas, antes das famigeradas manhãs de domingo

"Nas manhãs de domingo
Parece que todos olham pra você
Atravessando as tuas, sem olhar os faróis
Nas manhãs de domingo, parece que a noite
Valeu à pena..."

Na verdade quase nunca valia à pena. Em se tratando daquele bando formado pelos punks de final de década dos anos 80, da baixada santista, o lado mais podre dos punks, pois tinham os que andavam com as gurias, que tinham carro e que eram mais velhos que nós, os pirralhos menores de idade. Éramos a escória dos punks, os punks da periferia, como cantava o odiado Gilberto Gil. Havia sim uma segregação entre os punks, os mais velhos e com mais 'moral' e os excluídos. Mas de alguma forma, como eram mais velhos, já estavam entrando no sistema e desistindo da luta. Faziam parte dessa galera mais velha o China, o Branquinho, Nair (esse nos entendia, até foi a um show do Cólera conosco em Sampa) dentre outros. Nosso grupo era formado por eu, Zé Renato, Branco, Ronaldo, Fábio HC, Paul Cook, Fernando, Pipa, Barrigiuinha... tinha duas doidas que vez por outra andavam conosco, que não me recordo os nomes. Mas uma era louca pelo Smiths, como eu. 

Talvez o que mais incomodava os caras era que a era deles estava terminando e que nós seríamos os seus sucessores. 

E nessa época, nossa maior nóia era arrumar uma namorada. Quem seria o primeira da gangue a arrumar uma namorada? Quem seria o primeiro da gangue a morrer? Morrer, no sentido figurado, claro. A morte era entrar para o sistema, andar de roupa social, gravata, casar, ter filhos, enfim ter uma vida comum.

"Somos escravos do sistema, 
obedecemos as leis da vida
Nascer, crescer e se fuder, 
somos escravos do sistema"

escrevi em um rompante daqueles dias, para o Mayday.

Pois bem, éramos contra as instituições, família, igreja, casamento, isso tudo. Portanto, casar era o que menos queríamos. Embora eu sempre tenha gostado de criança, sabia que teria um filho logo, mas não pensava que casaria tão cedo. Apesar de andarmos rasgados e sujos, pela periferia da cidade, quando mais nos sentíamos carentes e sozinhos, íamos onde a galera se encontrava, no Gonzaga, área mais In de Santos. E lá as coisas rolavam, A timidez era deixada de lado e lá íamos nós, de fora em fora. E nosso lema era: depois da meia noite, o que viesse era lucro. Em noites ruins, nossas caças davam resultados ruins e depois da meia noite ficar sozinho nunca. Mas na temporada sempre dava para tirar o atraso e ser mais exigente, escolher melhor. Ser nativo era um atrativo. Ser roqueiro era outro. Ser punk não ajudava muito, mas o discurso politicamente correto já nos anos 80 impressionava a mulherada. E quando dava certo, com um pouquinho de sorte, era a temporada inteira com uma namorada de verão. Bonita e descolada. Nas férias todos são descolados. Depois as pessoas voltam a ser o que são e a carruagem volta a ser abóbora.

Paul Cook, apelido dado pela semelhança com o baterista do Sex Pistols, foi estudar história na Usp; eu fui para Assis estudar Psicologia e conhecer a Juliana e ter os meus dois filhos (justamente aquela vida que sempre quis fugir), Zé Renato bateu cabeça, mas foi estudar jornalismo, fazer, mestrado, doutorado. Fernando, que vivia apanhando quando encontrávamos uns caras que achavam que ele era o chefe da gangue, não sei o que virou. Fábio HC tive algumas notícias, que se perderam no tempo. O Branco casou, teve 3 filhos (por enquanto) e continua fanático pelo Santos. O Ronaldo virou Hare Krishna, tem outro nome, casou com uma militar - logo ele, que vivia apanhando da polícia quando tomávamos geral; o barriguinha não sei dele, assim como do Pipa, que bebia e desmaiava na calçada no final da noite, depois de vomitar muito. O que será que pensava quando acordava de dia e se via sozinho? Mas sempre voltava no sábado posterior. Teve um cara que se matou, enforcado, foi encontrado no quarto, em casa, mas não lembro quem foi. Provavelmente depois de ouvir muito Joy Division. Foi o primeiro da gangue a morrer. Mas no sentido figurativo, eu fui o primeiro da gangue a morrer. Casei aos 21 anos e logo tive o primeiro filho. E depois de 20 anos, nossas vidas continuam separadas pelo tempo e destino, que, implacáveis, nos separaram para sempre. 

"Você nunca esteve apaixonado
Até que tenha visto a luz do sol
Refletida nos ossos humanos esmagados"

A morbidez romântica do Morrissey. À morbidez romântica do Morrissey, às saudades daqueles tempos malucos.