domingo, 26 de fevereiro de 2012

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN

Como se constrói/ produz um monstro? O filme Precisamos Falar com o Kevin (We Need To Talk About Kevin, 2011) da diretora Lynne Ramsay dá o passo a passo. Junte uma pitada de gravidez ao acaso, uma porção de rejeição na gestação, muito descaso descaso e mais um tanto de falta de atenção; misture tudo na criação do bebê fruto do relacionamento que gerou um casamento indesejável; não esqueça de mais um ingrediente importantíssimo: uma mãe inábil para ser... mãe. Outro ingrediente que não pode faltar: ao longo da primeira infância a falta de limite, fruto do sentimento de culta de uma mãe que não consegue amar o filho (- eu era feliz antes de você nascer). Pronto, produz-se um monstro totalmente sem habilidade para viver em sociedade, incapaz de amar ou de saber o que é certo ou errado, de ceder aos limites que a vida em sociedade nos impoe.

Pois essa é a base para a história do filme supra citado. O enredo do filme se mistura, ora no passado, ora no presente e para um espectador desavisado ou desatento, beira a confusão. Mas aos poucos o filme desvenda os mistérios iniciais. Esse recurso do roteiro que a diretora utiliza-se está virando clichê, mas funciona muito bem. Não li o livro para saber se é escrito através de flashback, mas pelo que li por aí, o filme é uma cópia fiel do romance homônimo da escritora Lionel Shriver.

A história começa apresentando uma mulher devastada por algo que ao longo do filme se desvenda através do flashback. Eva (Tilda Swinton) é rejeitada por todos, se colocando bem nesse papel, como se quisesse pagar por algum crime, se sentido culpada. Por meio de flashes do passado o espectador percebe como tudo levou àquele trágico presente de sofrimento, dor, autopiedade e principalmente autopunição. Uma relação casual, uma gravidez no momento inadequado e um casamento forçado. E finalmente o nascimento da criança.

Todo esse ingrediente faz com que a mãe não consiga lidar com o recém nascido. Exemplo disso quando a mãe, cansada com o choro constante da criança e totalmente inábil para lidar com isso, demonstrando mais raiva do que carinho, amor ou no mínimo compaixão, fica parada ao lado de uma britadeira para abafar o choro histérico da criança; o que demonstra-se uma atitude inútil, uma vez que o choro, desesperador para a mãe, se sobrepoe ao barulho ensurdecedor da britadeira. Essa rejeição inapropriada que a mãe sente leva a um mecanismo de defesa que a psicanálise freudiana chama de Formação Reativa: adoção de uma atitude ou demonstração de um sentimento de sentido oposto a um desejo que tenha sido recalcado, sendo assim uma reação contra ele. A mãe odeia aquele filho, mas a sociedade jamais aceitará uma mãe que nutra tal sentimento para com o próprio rebento. Então ela luta contra esse sentimento, buscando sempre a autopunição por não amá-lo.

O pai (Franklin, personagem de John C. Reilly), muito ausente, tem papel fundamental nesse caso, uma vez que, ao contrário dessa mãe, dá total atenção ao filho, mas sempre dando razão a este, contrariando a mãe e principalmente contribuindo muito com a falta de limite do pequeno monstro que vai crescendo sem limites e se tornando o pequeno ditador, demonstrando também sua falta de habilidade no papel paterno. O controle que Kevin (Rock Duer - na primeira infância, Jasper Newell - na infância e Ezra Miller na adolescência, destaque para a excelente performance de Jasper e Ezra) tem no seio familiar é demonstrado em diversos momentos, e principalmente no mais ilustrado pela psicanálise: a fase anal. O menino usa fraldas mesmo em idade avançada e toda vez que quer punir a mãe, faz cocô, para que ela tenha que trocá-lo demonstrando claramente que tem o controle sobre o esfincter e através deste controla todo o ambiente. Outra passagem que demonstra uma fase anal atrasada, inapropriada para a idade avançada, é quando, enciumado pela atenção (e carinho) que a mãe dá ao trabalho, ele lambuza com tinta toda a produção da mãe.

O nascimento da irmã, outra gravidez com que Eva não conseguiu lidar e o pai ausente e distraído só percebeu quando Kevin aponta, fazendo um comentário sobre como a mãe estaria gorda, ilustra o distanciamento de Franklin em relação não só à esposa, como também ao filho e à família. O nascimento da pequena Célia (Ashley Gerasimovich), como não poderia ser diferente, agrava a situação de revolta de Kevin, que se sente ainda mais isolado e abandonado. Soma-se a isso o incentivo que Franklin faz ao filho de praticar um esporte que o principal instrumento é uma arma: arco e flecha. Como vovó já dizia: unir a fome com a vontade de comer.

E Kevin utiliza-se da única arma (com trocadilho e tudo) para chamar a atenção e demonstrar o quanto sofria pelo abandono sentimental e emocional da mãe e consequente isolamento: violência. É a forma de pedir socorro, que demonstra ser inútil.

O desfecho da película é perturbador. E amarra tudo o que foi dito aqui. Uma mãe devastada pela idéia de odiar o filho e um filho capaz de tudo para chamar a atenção dessa mãe, de fazê-la notá-lo e quem sabe um dia amá-lo de verdade. Na realidade o filme todo é perturbador. Uma antítese do clássico camusniano O Estrangeiro, quando o filho é condenado por não chorar ou demonstrar qualquer sentimento no enterro da mãe, aqui a mãe se deixa levar pelo sentimento de culpa e remorso, para evitar o julgamento da sociedade, mas não se furta ao próprio julgamento.



Ficha Técnica:
Precisamos Falar Sobre o Kevin - 110 min
Reino Unido/ EUA - 2011
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Elenco: Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly, Siobhan Fallon, Ursula Parker, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich, Erin Maya Darke, Lauren Fox.
Adaptado da Obra de Lionel Shriver.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A QUESTÃO DE GÊNERO: CROSSDRESSER'S, BANHEIRO MASCULINO E FEMININO, HOMOSSEXUALISMO, ETC


Ontem estava assistindo ao programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, com o Laerte. O cartunista de 61 anos surpreendeu a todos, inclusive seu companheiro de tantos anos (profissionalmente falando) Angeli: decidiu começar a vestir-se de mulher, usar maquiagem e assumir sua homossexualidade; é o que modernamente (não consigo acompanhar essas coisas, sou um ultra conservador, que triste fim...) se chama de Crossdresser. Porém, pesquisando na rede, percebe-se que o crossdressing, aquele que se veste com objetos do sexo oposto, não necessariamente é homo ou bissexual. Pode ocorrer com heterossexual, embora eu, na minha ignorância e todo conservadorismo que me é peculiar nesse assunto, não consiga entender porque um heterossexual se vestiria de mulher, a não ser por motivos de trabalho, mas daí a sair travestido pela rua tem quilometros de distância.

Bem, mas voltando ao tema, muito se discutiu, na entrevista do cartunista, no campo intelectual e até mesmo da psicanálise, a questão homossexual. E o que está em voga neste momento, o assunto da crista da onda agora é discutir se os banheiros em locais públicos devem ou não serem divididos por sexo. Na minha opinião um discussão fútil, que talvez deixe de lado questões mais profundas e importantes quando se reflete um assunto tão idiota. Aqui em Londrina, uma escola está sofrendo por ter criado o banheiro do terceiro sexo, pois na tentativa de resolver um problema, criou um enorme para si mesmo. Os homossexuais da escola se sentiam incomodados de frequentar o banheiro destinado ao seu sexo. E a criação do banheiro do terceiro sexo soou como discriminatório.

No alto do meu ultra-conservadorismo (como isso me incomoda, sempre me achei moderno. É que na minha formação, conservador é igual a um adjetivo pejorativo) acredito que estão procurando pêlo em ovo - expressão mais apropriada que achei nesse momento para demonstrar que isso é um assunto sem propósito. Ora, a divisão dos banheiros públicos não dizem respeito à opção sexual, mas sim ao gênero masculino e feminino. Discordo da solução da escola de Londrina, porque realmente é como criar um gueto, o banheiro frequentado pelas 'aberrações', o banheiro maldito. Mas a discussão termina simplesmente (para os intelectuais soluções simples é quase um crime) com a seguinte explicação: banheiro masculino, para pessoas do sexo masculino e óbviamente, banheiro feminino para pessoas do sexo feminino. Então, viadinhos (com todo respeito) o banheiro de vocês é o masculino, queiram ou não.
Tudo isso me fez lembrar no começo da faculdade, lá nos idos dos 90's, quando comecei a namorar a Juliana, que eu frequentava o banheiro feminino. Nós utilizávamos o mesmo banheiro na faculdade. Isso porque na Universidade Estadual Paulista, Câmpus Assis, no início da última década do século passado os cursos eram de Psicologia, Letras, História e Biologia (este o mais conservador) então lá tudo podia, havia um clima de liberalização total, um clima revolucionário. Era realmente libertador, mas havia respeito. Ninguém era obrigado a fazer o que não queria, mesmo os alunos mais conservadores (algumas gurias de Letras e principalmente o pessoal da Biologia, que não se misturava muito). Quando utilizávamos o banheiro do prédio de Letras sempre havia comentários e remungos, mas no prédio da Psico, onde ficava também o curso de História ninguém reclamava e via até com bons olhos. Esse clima todo me dava liberdade para utilizar o banheiro feminino, mas somente quando eu estava com a Juliana. Havia um quê de revolução, um ar de rebeldia que exalava dos prédios e do bosque dentro do câmpus. Vivíamos uma revolução que não sabíamos da dimensão. Tanto que, talvez não tenha levado a nada, apenas a formar pessoas contestadoras e inquietas socialmente. O que já é muito, venhamos e convenhamos.

Larte Coutinho não tem trejeitos femininos ou força o lado feminino como a maioria dos gays que conhecemos. Ele não precisa. Já é chocante vê-lo vestido de mulher; é bizarro; é feio, incomoda olhar para ele. Não tem necessidade de ser mais chamativo. Vestir-se de mulher aos 61 não é para qualquer um. E só não deve ser mais achincalhado do que é (provavelmente os locais frequentados por ele sejam de pessoas bem resolvidas) por ser um cara descolado e bem sucedido. Se fosse um anônimo qualquer não seria tão fácil assim.

Finalizo com um pensamento reflexo do meu ultra conservadorismo, que pode soar preconceituoso, mas não é: daqui uns 50 anos, heterossexual sera algo tão bizarro que apanharemos na rua. Sempre pensei que o homossexualismo fosse a salvação contra o conservadorismo, um novo modo de vida, novos valores, etc, mas eles querem a mesma coisa que os heterossexuais, casar, formar famílias e ter filhos. Durante a faculdade eu pensava que os homossexuais fundariam uma nova sociedade. Ledo engano. Se é para ser tudo como está instituído, para quê tanta luta então?

sábado, 18 de fevereiro de 2012

LIARS – THE OTHER SIDE OF MT. HEART ATTACK

Essa canção toca no momento mais comovente do filme 50 - 50.



O Outro Lado do Ataque Cardíaco

Ah...

Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.

Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.

Ah...

Se você precisar de mim,
Se você precisar de mim,
Se você precisar de mim,

Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.

Ah...

Se você quer que eu fique,
Se você quer que eu fique,
Se você quer que eu fique,

Vou ficar ao seu lado.
Vou ficar ao seu lado.
Vou ficar ao seu lado.

Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.

Eu sempre poderei ser encontrado.
Vou ficar ao seu lado,
E eu quero que você me encontre,
então eu vou ficar ao seu lado.

Ah...

Se você precisar de mim,
Se você precisar de mim,
Se você precisar de mim,

Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.

Ah...

Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.
Eu não vou correr para longe.

Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.
Eu sempre poderei ser encontrado.

50 - 50

Adam (Joseph Gordon-Levitt) é um jovem pacato e boa praça, conciliador, que aguenta a namorada ausente (Rachael - Bryce Dallas Howard) e o amigo bonachão Kyle (Seth Rogen), que só quer se dar bem com as garotas e que odeia as namoradas do amigo. Provavelmente medo de perder o amigo inseparável. Tudo muda em sua vida quando, aos 27 anos, descobre ter câncer e não entende o porquê, mesmo com a vida tranquila e sem vícios que leva.

Cenas cômicas e tristes são o cardápio do filme, que demonstra a sensibilidade de Adam, aguentando tudo de forma positiva, mesmo quando todos ao redor querem vê-lo com o estereótipo de quem tem uma doença que pode levá-lo à morte, ou seja, sofrendo e triste. Até mesmo a inexperiente terapeuta Katherine (Anna Kendrick) direciona a terapia para que ele se abra e fale sobre o sofrimento de um paciente terminal, sem perceber que Adam não é exatamente o que ela estava esperando.

O diretor Johnathan Levine consegue amarrar uma história que é baseada em fatos reais, confundindo drama com comédia e vice versa.

Isso engana o espectador, uma vez que este espera uma comédia e leva para casa um drama ou vice versa. Foi isso que aconteceu com o Gui, que baixou este filme quando o Tety pediu para assistirem algo que o fizessem dar boas risadas.

Belo filme para se assistir no carnaval. Filme é sempre uma alternativa boa para quem não curte o reinado de momo.

Destaque para a belíssima trilha sonora, que conta dentre outros Pearl Jam, Roy Orbison, Radiohead.



Ficha Técnica:
50% - (50/50)
EUA - 2011
Direção: Jonathan Levine
Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Hoeard, Angelica Houston.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A CHAVE DE SARAH

1942, a França colaboracionista com o 3º Reich faz um arrastão na cidade de Paris e prende todos os franceses judeus de Paris para deportarem para os campos de concentração nazistas. A família de Sarah, como todas as demais famílias judias francesas, é surpreendida com tal atitude das autoridades militares do país, que passa a prender também crianças e mulheres; em um fatídico dia de julho de 1942 são surpreendidos com batidas violentas na porta no início da noite; Sarah (Mélusine Mayance em excelente e elogiadíssima atuação) e o pequeno Michel estão brincando na cama antes de dormir, a mãe, na sala, se assusta; o pai está fugido, pois os rumores são grandes de que estão prendendo e deportantdo homens judeus. Diante do susto, a pequena Sarah tem um insight e prende o irmão no armário e o informa que é uma brincadeira, para ele não sair de forma alguma, apenas quando voltar para buscá-lo, raciocinando no seu pequeno mundo infantil que logo estará de volta. Presos, são separados e Sarah segue sua saga para liberar o irmão do armário e guarda consigo a chave de onde ele ficou escondido (daí o nome do filme).

A Chave de Sarah é um lindo filme, emocionante, sensível, feito para chorar, para emocionar o espectador, baseado no Best-Seller de Tatiana Rosnay. Ao longo da película de 111 minutos (que passam voando, tal o interesse que o desenrolar prende) o espectador se pergunta como é que o ser humano pode chegar ao ponto que chegou e agir tão violentamente contra crianças que invariavelmente não sabem o que está acontecendo, que passam fome e diversas privações, inclusive emocionais.

O diretor Gilles Paquet-Brenner desenrola o filme em dois momentos, em 1942 e 2002, quando uma jornalista resolve escrever sobre o tabu dos franceses colaboracionistas com os nazistas e descobre coisas da família do marido que de alguma forma os envolve ao episódio de julho de 1942. E o filme belíssimo ora narrando o drama de Sarah, ora narrando os conflitos de Julia (Kristin Scott Thomas - de O Garoto de Liverpoo, em mais uma excelente interpretação) segue emocionando, amarrando as duas histórias de uma forma inteligente.

A questão do nazismo mexe mesmo com os sentimentos de todos. Os filmes sobre o assunto, mesmo depois de quase 70 anos do fim da segunda Guerra Mundial são emocionantes sem serem piegas ou clichês. A Chave de Sarah é um belo exemplo, mesmo tratando de um tema batido já foi contado de diversas maneiras e formas, não soa repetitivo. Serve para refletirmos o quão ignorantes e cruéis podemos chegar quando nossa psiquê doente nos diminui a tal ponto de termos que comprovar antes de tudo a nós mesmos que não somos tão insignificantes e pequenos quanto nos julgamos com a mente perturbada. E para isso, o indivíduo pode chegar a uma barbárie como foi o ideal nazista de achar que uma raça é melhor ou superior que a outra, brincando de Deus.

Por tocar em um assunto tão catártico é que filmes como esses emocionam. Muito interessante tentar entender o por quê! Imperdível, o melhor filme do ano até aqui (dos que assisti esse ano). Tente não chorar.



A Chave de Sarah (Elle s'apelait Sarah) - 111 min
França - 2010
Direção: Gilles Paquet-Brenner
Roteiro: Gilles Paquet-Brenner, Serge Joncour, Tatiana De Rosnay
Elenco: Krinstin Scott Thomas, Mélusine Mayance, Niels Arestrup, Frédéric Pierrot, Aidan Quinn, James Gerard.