Como se constrói/ produz um monstro? O filme Precisamos Falar com o Kevin (We Need To Talk About Kevin, 2011) da diretora Lynne Ramsay dá o passo a passo. Junte uma pitada de gravidez ao acaso, uma porção de rejeição na gestação, muito descaso descaso e mais um tanto de falta de atenção; misture tudo na criação do bebê fruto do relacionamento que gerou um casamento indesejável; não esqueça de mais um ingrediente importantíssimo: uma mãe inábil para ser... mãe. Outro ingrediente que não pode faltar: ao longo da primeira infância a falta de limite, fruto do sentimento de culta de uma mãe que não consegue amar o filho (- eu era feliz antes de você nascer). Pronto, produz-se um monstro totalmente sem habilidade para viver em sociedade, incapaz de amar ou de saber o que é certo ou errado, de ceder aos limites que a vida em sociedade nos impoe.
Pois essa é a base para a história do filme supra citado. O enredo do filme se mistura, ora no passado, ora no presente e para um espectador desavisado ou desatento, beira a confusão. Mas aos poucos o filme desvenda os mistérios iniciais. Esse recurso do roteiro que a diretora utiliza-se está virando clichê, mas funciona muito bem. Não li o livro para saber se é escrito através de flashback, mas pelo que li por aí, o filme é uma cópia fiel do romance homônimo da escritora Lionel Shriver.
A história começa apresentando uma mulher devastada por algo que ao longo do filme se desvenda através do flashback. Eva (Tilda Swinton) é rejeitada por todos, se colocando bem nesse papel, como se quisesse pagar por algum crime, se sentido culpada. Por meio de flashes do passado o espectador percebe como tudo levou àquele trágico presente de sofrimento, dor, autopiedade e principalmente autopunição. Uma relação casual, uma gravidez no momento inadequado e um casamento forçado. E finalmente o nascimento da criança.
Todo esse ingrediente faz com que a mãe não consiga lidar com o recém nascido. Exemplo disso quando a mãe, cansada com o choro constante da criança e totalmente inábil para lidar com isso, demonstrando mais raiva do que carinho, amor ou no mínimo compaixão, fica parada ao lado de uma britadeira para abafar o choro histérico da criança; o que demonstra-se uma atitude inútil, uma vez que o choro, desesperador para a mãe, se sobrepoe ao barulho ensurdecedor da britadeira. Essa rejeição inapropriada que a mãe sente leva a um mecanismo de defesa que a psicanálise freudiana chama de Formação Reativa: adoção de uma atitude ou demonstração de um sentimento de sentido oposto a um desejo que tenha sido recalcado, sendo assim uma reação contra ele. A mãe odeia aquele filho, mas a sociedade jamais aceitará uma mãe que nutra tal sentimento para com o próprio rebento. Então ela luta contra esse sentimento, buscando sempre a autopunição por não amá-lo.
O pai (Franklin, personagem de John C. Reilly), muito ausente, tem papel fundamental nesse caso, uma vez que, ao contrário dessa mãe, dá total atenção ao filho, mas sempre dando razão a este, contrariando a mãe e principalmente contribuindo muito com a falta de limite do pequeno monstro que vai crescendo sem limites e se tornando o pequeno ditador, demonstrando também sua falta de habilidade no papel paterno. O controle que Kevin (Rock Duer - na primeira infância, Jasper Newell - na infância e Ezra Miller na adolescência, destaque para a excelente performance de Jasper e Ezra) tem no seio familiar é demonstrado em diversos momentos, e principalmente no mais ilustrado pela psicanálise: a fase anal. O menino usa fraldas mesmo em idade avançada e toda vez que quer punir a mãe, faz cocô, para que ela tenha que trocá-lo demonstrando claramente que tem o controle sobre o esfincter e através deste controla todo o ambiente. Outra passagem que demonstra uma fase anal atrasada, inapropriada para a idade avançada, é quando, enciumado pela atenção (e carinho) que a mãe dá ao trabalho, ele lambuza com tinta toda a produção da mãe.
O nascimento da irmã, outra gravidez com que Eva não conseguiu lidar e o pai ausente e distraído só percebeu quando Kevin aponta, fazendo um comentário sobre como a mãe estaria gorda, ilustra o distanciamento de Franklin em relação não só à esposa, como também ao filho e à família. O nascimento da pequena Célia (Ashley Gerasimovich), como não poderia ser diferente, agrava a situação de revolta de Kevin, que se sente ainda mais isolado e abandonado. Soma-se a isso o incentivo que Franklin faz ao filho de praticar um esporte que o principal instrumento é uma arma: arco e flecha. Como vovó já dizia: unir a fome com a vontade de comer.
E Kevin utiliza-se da única arma (com trocadilho e tudo) para chamar a atenção e demonstrar o quanto sofria pelo abandono sentimental e emocional da mãe e consequente isolamento: violência. É a forma de pedir socorro, que demonstra ser inútil.
O desfecho da película é perturbador. E amarra tudo o que foi dito aqui. Uma mãe devastada pela idéia de odiar o filho e um filho capaz de tudo para chamar a atenção dessa mãe, de fazê-la notá-lo e quem sabe um dia amá-lo de verdade. Na realidade o filme todo é perturbador. Uma antítese do clássico camusniano O Estrangeiro, quando o filho é condenado por não chorar ou demonstrar qualquer sentimento no enterro da mãe, aqui a mãe se deixa levar pelo sentimento de culpa e remorso, para evitar o julgamento da sociedade, mas não se furta ao próprio julgamento.
Ficha Técnica:
Pois essa é a base para a história do filme supra citado. O enredo do filme se mistura, ora no passado, ora no presente e para um espectador desavisado ou desatento, beira a confusão. Mas aos poucos o filme desvenda os mistérios iniciais. Esse recurso do roteiro que a diretora utiliza-se está virando clichê, mas funciona muito bem. Não li o livro para saber se é escrito através de flashback, mas pelo que li por aí, o filme é uma cópia fiel do romance homônimo da escritora Lionel Shriver.
A história começa apresentando uma mulher devastada por algo que ao longo do filme se desvenda através do flashback. Eva (Tilda Swinton) é rejeitada por todos, se colocando bem nesse papel, como se quisesse pagar por algum crime, se sentido culpada. Por meio de flashes do passado o espectador percebe como tudo levou àquele trágico presente de sofrimento, dor, autopiedade e principalmente autopunição. Uma relação casual, uma gravidez no momento inadequado e um casamento forçado. E finalmente o nascimento da criança.
Todo esse ingrediente faz com que a mãe não consiga lidar com o recém nascido. Exemplo disso quando a mãe, cansada com o choro constante da criança e totalmente inábil para lidar com isso, demonstrando mais raiva do que carinho, amor ou no mínimo compaixão, fica parada ao lado de uma britadeira para abafar o choro histérico da criança; o que demonstra-se uma atitude inútil, uma vez que o choro, desesperador para a mãe, se sobrepoe ao barulho ensurdecedor da britadeira. Essa rejeição inapropriada que a mãe sente leva a um mecanismo de defesa que a psicanálise freudiana chama de Formação Reativa: adoção de uma atitude ou demonstração de um sentimento de sentido oposto a um desejo que tenha sido recalcado, sendo assim uma reação contra ele. A mãe odeia aquele filho, mas a sociedade jamais aceitará uma mãe que nutra tal sentimento para com o próprio rebento. Então ela luta contra esse sentimento, buscando sempre a autopunição por não amá-lo.
O pai (Franklin, personagem de John C. Reilly), muito ausente, tem papel fundamental nesse caso, uma vez que, ao contrário dessa mãe, dá total atenção ao filho, mas sempre dando razão a este, contrariando a mãe e principalmente contribuindo muito com a falta de limite do pequeno monstro que vai crescendo sem limites e se tornando o pequeno ditador, demonstrando também sua falta de habilidade no papel paterno. O controle que Kevin (Rock Duer - na primeira infância, Jasper Newell - na infância e Ezra Miller na adolescência, destaque para a excelente performance de Jasper e Ezra) tem no seio familiar é demonstrado em diversos momentos, e principalmente no mais ilustrado pela psicanálise: a fase anal. O menino usa fraldas mesmo em idade avançada e toda vez que quer punir a mãe, faz cocô, para que ela tenha que trocá-lo demonstrando claramente que tem o controle sobre o esfincter e através deste controla todo o ambiente. Outra passagem que demonstra uma fase anal atrasada, inapropriada para a idade avançada, é quando, enciumado pela atenção (e carinho) que a mãe dá ao trabalho, ele lambuza com tinta toda a produção da mãe.
O nascimento da irmã, outra gravidez com que Eva não conseguiu lidar e o pai ausente e distraído só percebeu quando Kevin aponta, fazendo um comentário sobre como a mãe estaria gorda, ilustra o distanciamento de Franklin em relação não só à esposa, como também ao filho e à família. O nascimento da pequena Célia (Ashley Gerasimovich), como não poderia ser diferente, agrava a situação de revolta de Kevin, que se sente ainda mais isolado e abandonado. Soma-se a isso o incentivo que Franklin faz ao filho de praticar um esporte que o principal instrumento é uma arma: arco e flecha. Como vovó já dizia: unir a fome com a vontade de comer.
E Kevin utiliza-se da única arma (com trocadilho e tudo) para chamar a atenção e demonstrar o quanto sofria pelo abandono sentimental e emocional da mãe e consequente isolamento: violência. É a forma de pedir socorro, que demonstra ser inútil.
O desfecho da película é perturbador. E amarra tudo o que foi dito aqui. Uma mãe devastada pela idéia de odiar o filho e um filho capaz de tudo para chamar a atenção dessa mãe, de fazê-la notá-lo e quem sabe um dia amá-lo de verdade. Na realidade o filme todo é perturbador. Uma antítese do clássico camusniano O Estrangeiro, quando o filho é condenado por não chorar ou demonstrar qualquer sentimento no enterro da mãe, aqui a mãe se deixa levar pelo sentimento de culpa e remorso, para evitar o julgamento da sociedade, mas não se furta ao próprio julgamento.
Ficha Técnica:
Precisamos Falar Sobre o Kevin - 110 min
Reino Unido/ EUA - 2011
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Elenco: Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly, Siobhan Fallon, Ursula Parker, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich, Erin Maya Darke, Lauren Fox.
Adaptado da Obra de Lionel Shriver.
Reino Unido/ EUA - 2011
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Elenco: Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly, Siobhan Fallon, Ursula Parker, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich, Erin Maya Darke, Lauren Fox.
Adaptado da Obra de Lionel Shriver.