sábado, 26 de abril de 2014

QUARENTENÁRIO - HISTÓRIAS SOBRE INSÔNIA, LOUCURA E NADA


Como diz no meu perfil do Twiiter, do blog, aí embaixo à direita, sou Psicólogo, formado pela Universidade Estadual de Londrina e quem acompanha meu blog, sabe que comecei a estudar na Unesp de Assis em 1991. E, se tem algum coisa da qual me arrependo, foi de não ter terminado a faculdade lá, ter transferido para a Uel. Claro que Londrina é muito mais desenvolvida que Assis, não tem comparação; e não estou falando mal de Assis. Mas o fato é que se compararmos a Unesp com Uel, esta está anos luz atrás em qualidade e estrutura. Principalmente no curso de Psicologia, que posso avaliar comparativamente a realidade, por ter estudado nas duas universidades.

Não me arrependo de muita coisa que fiz na vida; aliás, não lembro de me arrepender de nada. Mas isso é algo que, se poderia voltar atrás, teria terminado o curso na Unesp mesmo. Do resto, do que fiz certo ou errado, não me arrependo, faria tudo de novo, da mesma forma que fiz. Minhas escolhas foram pautadas no momento que estava vivendo, não teria como seguir outro caminho. Por isso sempre repito o que é um clichê: me arrependo das coisas que deixei de fazer, não do que fiz.

Me apresento como Gremista, Gaúcho, Psicólogo e Roqueiro, sem preferência ou importância. Ano retrasado, fui ao cinema assistir ao documentário Rock Brasília, Era de Ouro. Foi uma sessão particular, pois estávamos apenas eu e a Juliana. E um dos entrevistados se apresentava como jornalista e roqueiro. Achei muito interessante e resolvi utilizar as minhas alcunhas, coisas que me apresentam na essência: sou gremista desde que nasci, costumo dizer que é o DNA da família; sou gaúcho de Porto Alegre, lugar que amo como a capital da minha pátria; sou Psicólogo e finalmente, roqueiro inveterado, daqueles chatos e conservadores, que não gosta de outro tipo de som.

Há uma década e meia, desde que me formei, trabalho com RH e destes 14 anos, 8 são como gerente da área. Aprendi muita coisa, principalmente que trabalhar com pessoas é muito, muito difícil; satisfazer o ser humano é impossível e agradar a todos e principalmente, que os desejos e anseios das pessoas, as levam à beira do insuportável. Melhor seria estudar o comportamento dos animais do que do ser humano.

Há seis anos trabalho com EaD, Ensino à Distância. É uma modalidade inovadora, e na minha opinião, mesmo diante dos mais críticos, e da minha própria crítica em relação à qualidade, substituirá o ensino convencional, esse de sala de aula, que o professor fala, fala e fala e o aluno dorme, sonha e acordo em outro planeta. Mas isso levará umas boas décadas. As pessoas ainda não estão preparadas para tanta autonomia. Mas o futuro da educação, queiram ou não, está no Ensino à Distância.

Numa dessas noites de trabalho no EaD, há uns 2 ou 3 anos atrás, tive um surto criativo e escrevi desmesuradamente algumas letras de música. Havia conversado dias depois, com o Emerson, para ele musicar as letras, porque não tenho mais aquela motivação para fazer a música, pegar o violão, juntar uns acordes, uma batida e então fazer a canção completa. E também queria ver como ficava uma letra minha com um compositor diferente.

Na Mayday tive a experiência de musicar algumas letras do Zé Renato. Mas eram outros tempos. Formávamos a dupla de compositores, uma espécie de Morrissey/ Marr; Johnny/ Márcio era uma dupla promissora, infelizmente seguimos rumos diferentes e a vida nos separou.

Depois de terminar a leitura da biografia do Barão Vermelho esta semana e escutar toda discografia da banda e ter passado praticamente a noite inteira acordado, estava fuçando nos arquivos do meu notebook e encontrei essas dezenas de letras, escritas em algumas horas de trabalho.

Ontem, aliás, foi um retorno ao passado. Terminei minha leitura por volta das 22 horas. Virei de lado e dormi. Acordei por volta das 2 e meia da madrugada do sábado. Assisti a uns programas no youtube e fuçando na pasta dos meus documentos, deu vontade de ler o livro do Vampeta, jogador de futebol conhecido pela sua irreverência, posou nu para uma revista voltada aos homossexuais e que inventou o apelido de ‘bambi’ para os são paulinos. Em menos de 12 horas li o livro de 160 páginas; uma leitura fácil e leve. Dei boas risadas das suas ‘resenhas’. Tudo isso ao som da Fernandinha Takai, o novo disco dela, Na Medida do Impossível.

A volta ao passado se deu porque por muitos anos, durante a faculdade, eu dormia até certa hora da madrugada, acordava no meio da noite, estudava e depois dormia até o horário de ir para a faculdade. Hoje, dormi por volta das 6 da manhã, depois de dar umas boas risadas e levar uns chega prá lá da Juliana, por incomodar o seu sono.

Conforme já disse, nunca fui de dormir muito. Agora, com meus 40 anos é que durmo mais. Apesar que tenho uma vida atribulada, acordo muito cedo e vou dormir tarde, ando de bike, faço academia, muay thai. Jogo futsal aos domingos. Só não voltei a correr depois da lesão que tive no joelho em fevereiro. Que horas levanto? O primeiro despertar é às 5 e 38. 15 minutos depois eu levanto e só vou descansar próximo das 23 horas.

Gosto de contar para os amigos e para meus filhos, certa vez, na adolescência, que acordei na sexta feira para trabalhar, às 7 horas, como de costume, trabalhei o dia inteiro, cumprindo meu expediente de serviço, depois fui para o Primo Ferreira, estudar. Saindo de lá, direto para a rua São Paulo, encontrar a galera, ficar até altas horas no muro, conversando, dando risadas, enfim, vivendo nossa adolescência. Fui para casa e continuei acordado, assistindo TV, torcendo para passar um filme bom, porque naquela época tínhamos que contar com a sorte, não tinha toda essa interatividade que vemos hoje com a internet. Como passei a noite em claro, provavelmente a programação estava boa, no Corujão. Naquela época não tinha esse monte de programa religioso que assola a programação da madrugada de quase todos os canais abertos. E TV a cabo só nos filmes americanos.

Como eu trabalhava aos sábados, cumpri meu compromisso, voltei para casa na hora do almoço, fui bater uma bola na praia com o Quinda, Marcus Wander, Márcio Ateu, Raimundo, Cleber, Alexandre e todos os demais, programa sagrado de todos os sábados à tarde, naquela época. À noite sai com a galera punk, Caneleira, muito som, bebedeira, andanças pela zona e novamente filme na televisão. E chegou o domingo.

Praia; como sempre, eu, Zé Renato, Branco, André Rosa, meu irmão Renato, Wagner e mais sei lá quem; barraca do banco Real, no Gonzaga, próximo ao canal 3, banco que o pai do Zé Renato trabalhava e que tinha um baiano (baiano é todo nordestino em Santos) que cuidava da barraca e sempre nos olhava enviesadamente, não simpatizando com nossa presença. Mas quando íamos com o Tãozinho (o nome do pai do Zé Renato é Sebastião) o Bahia nos tratava bem pra caralho. Não lembro da cara do Baiano, mas imagino que seja a cara do Baiano, personagem do ator Fábio Lago, de Tropa de Elite.

Costumo dizer que a galera que mora no litoral sempre tem o que fazer aos sábados e domingos de manhã. Nós, simples mortais moradores do interior nunca temos nada para fazer de proveitoso. 

Tem uma passagem muito cômica da praia e da barraca do banco Real. Acho que já contei aqui, não tenho certeza; se falei, vou repetir, se não, é uma boa história.

Ocorreu em um domingo nublado. Nós íamos por volta das 9 horas para a praia. Acordar o Zé Renato nunca foi fácil, mas eu sempre o fazia; ele ficava fudido comigo. Então lá fomos nós para a praia. Jogamos bola, ficamos na barraca do banco Real. Como não teve movimento naquele dia, sobrou groselha adoidado na barraca, que oferecia para todos os usuários, funcionários do banco em seu momento de lazer na praia. O Baiano resolveu nos presentear com toda aquela groselha, que seria jogada fora e provavelmente sobraria para ele alguma bronca.

E nós lá, jogando uma bolinha e bebendo groselha. Eu exagerei, confesso. Tomei altas doses de groselha. Então fomos embora. No meio do caminho comecei a sentir os efeitos da overdose de groselha; não conseguiria chegar em casa intacto; pressentindo isso, comecei a andar mais devagar. A galera me acompanhando, diminuía o ritmo; resolvi acelerar, mas a galera acelerou. Parecia que estavam prevendo o final dramaticamente ridículo. Seguíamos pela José Caballero, paralela à avenida Ana Costa, no Gonzaga. Até que chegamos em cruzamento, rua Luiz Suplicy com a Assis Correa, que é continuação da  José Caballero e não consegui segurar. Peguei uns jornais que estavam por perto, vi que a rua estava deserta mesmo àquela hora (próximo às 13 horas) e abaixei as calças e caguei ali mesmo. O jornal me foi útil naquele momento, não como leitura, mas para o óbvio.

A árvore permanece, mas o cenário mudou completamente, esse prédio era uma casa de muro grande.
Os caras ficaram indignados e enojados com aquilo. Meu irmão Renato sempre me leva naquela árvore fatídica, quando estou em Santos. Já mostrou para os meus filhos; segundo a lenda da gozação, aquela árvore morreu naquele dia, poluída; eu digo que dali para frente ela floriu com mais vida.

Voltando ao final de semana que não dormi na sexta e nem no sábado, fui para casa almoçar e domingo à tarde futebol na praia com a galera mais velha, amigos dos meus irmãos mais velhos, saudoso Quinda, Gordo, meus irmãos Beto e Fábio, Pada, Zé Maria, irmão do Quinho, Amaral, mais uma galera; sempre tinha alguma briga e como eu era pequeno, não me metia, mas rolava umas voadoras do Quinho, do Beto, o Amaral, que lutava judô; eu quieto, só olhava e admirava. Depois voltávamos na maior gargalhada. No outro domingo encontrávamos os caras das brigas e tudo tinha passado. Bons tempos, as brigas eram de socos e pontapés e depois sem mágoas. Hoje, se não matam na hora, buscam arma e voltam para matar.

À noite, Fantástico, algum filme de Domingo Maior e finalmente o sono sagrado. Foi a vez que fiquei mais tempo acordado na minha vida. Mais de 50 horas acordado; quase 3 dias sem dormir.

Embora tenha escrito tudo isso, não era esse meu objetivo. O principal era para lembrar esse surto criativo que tive numa noite anos atrás no trabalho. E lendo as letras essa tarde, após terminar de ler o livro do Vampeta, vi que minhas temáticas continuam as mesmas: escrevo sobre o nada e depois percebo que escrevi sobre tudo. Parece que estou psicografando e depois que paro percebo o conteúdo da obra. Ilustro abaixo uma dessas letras, que fala sobre loucura e minha fixação no passado:


SE EU ME PERDER

Se eu me perder
Sei onde encontrar o caminho de volta
Aquela mesma rua da infância
Os mesmos amigos de sempre
São eles que vão me levar
De volta à realidade dos meus sonhos

Se eu me perder
Quero esquecer que um dia terá futuro
Quero me perder no passado
Voltar na máquina do tempo e ficar por lá
Sonhando com a minha realidade
De volta à realidade dos meus sonhos

Eu não quero voltar
Eu não quero voltar
Quero ficar aqui, perdido para sempre
Naquilo que jamais viverei novamente

Se eu me perder
Quero enlouquecer para sempre
Ficar nesse mesmo lugar
Onde vivi a ilusão da felicidade
Não quero voltar à realidade dos meus sonhos

Se eu me perder
Quero enlouquecer um pouco,
Esquecer os dias que sonhei acordado
Não quero mais voltar à realidade dos meus sonhos
Quero esquecer que um dia terá futuro
Quero me perder no passado

Eu não quero voltar
Eu não quero voltar
Quero ficar aqui, perdido para sempre
Naquilo que jamais viverei novamente 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

THE SMITHS - I WON'T SHARE YOU

E como não poderia ser diferente, depois de muito sangue, suor e lágrimas, a inspiração de todas as linhas do post abaixo, a trilha sonora durante o dia todo. E, como em todas as viagens feitas naqueles anos de Unesp, para Assis, Santos, Floripa, Sampa, escutei o disco incessantemente, mesmo que com intervalo do Troy Tate Tapes.

Agora, ao descanso mais que merecido, ler um pouco da história do Barão Vermelho, ainda ao som do Smiths, até que minhas forças se esgotem e tire a sesta nessa quente tarde ensolarada londrinense, feriado de Tiradentes.

Também entra como parte da trilha sonora da minha vida.


QUARENTENÁRIO – O PRIMEIRO ANO DO COMEÇO DE NOSSAS VIDAS III

Por volta de 1988, 1989, até mesmo 1990, ia com muita freqüência para São Paulo, mesmo sendo menor de idade, costumava subir a serra, muitas vezes sem autorização do juizado de menores, que para variar, exigia esse documento expedido pelos pais ou responsáveis pelo menor em um órgão competente, mas que não fiscalizava de forma alguma. E nessas idas para São Paulo, meu porto segura era a casa do meu tio Luiz, que deixou muitas saudades entre nós e que morava na Vila Prudente, na Rua Fabiano Alves.

Numa dessas idas e vindas de Sampa, meu primo Luiz Otávio da Silva Silveira, mais conhecido como Pico, meu grande companheiro de traquinagens na infância me deu uma fita cassete do Smiths. Sabia que eu era superfã da banda, pela ‘fitografia’ que eu carregava e como tinha entre seus pertences a Strangeways,  Here We Come, de lado, porque não escutava, o último disco de estúdio da banda, me deu de presente. Eu já era possuidor do vinil, mas nessas minhas viagens e nas andanças por Santos como Oficce Boy, um dos meus companheiros inseparáveis era o walkman onde podia escutar minhas músicas prediletas nas minhas andanças solitárias e reflexivas. Escrevi muito andando, lendo, olhando para a praia enquanto o busão lotado atravessava toda a orla praiana. Alguns desses escritos nunca saíram da cabeça; outros viraram canções da Mayday; outros foram do papel para o lixo mesmo.

Capa do disco Strangeways, Here We Come

Desde Porto Alegre eu e o Pico éramos companheiros de bagunças. Anos mais tarde, em Santos, morávamos no mesmo prédio e vivíamos aprontando pelo prédio, tipo jogando areia no apartamento do zelador, por exemplo. Ele era terrível e eu entrava na dança. Certa feita nessa mesma Fabiano Alves, em Sampa, tinha uma árvore na frente da casa e em seu cume um formigueiro enorme. Resolvemos que colocaríamos fogo para acabar com ele. Foi o que fizemos. Como ficou muito sujo, lavamos antes que minha tia Noemi chegasse. Ela estranhou que estava tudo limpo, do nosso jeito, de uns guris de 10 anos para limpar um quintal, ou seja, bem mal feito, mas ficou lisonjeada com a ajuda que tínhamos dado. Porém, quando foi buscar o fósforo para fazer comida, descobriu a verdade . Quando meu tio chegou, a sova foi grande no Pico,eu levei uma bronca daquelas, mas com o Pico foi pior, uma surra daquelas.

Essa foi uma das nossas. Lembro dele pedir para a tia fazer pão com “açucras” e manteiga, uma das predileções dele.

Meu walkman era um desses (daqueles) amarelos, bem conhecidos na época, sem marca específica, dos mais baratos, sem a tecnologia de mudar de lado a fita automaticamente, coisa que só foram inventar na década seguinte. E a utilização desse aparelho que tocava fita cassete criou um comportamento diferente em muita gente, como eu, que era ter o disco original e gravar em uma fita virgem para escutar no walkman. Isso quando não encontrava uma promoção e comprava também a fita cassete original. Mas eu preferia o vinil e depois gravava uma fita para escutar no walkman, com uma trilha sonora daquelas.

Essa fita do Smiths se tornou minha companheira por anos a fio. Quando fui para Assis, na primeira das minhas idas e quando fui para valer, de vez, morar, foi escutando essa fita, a noite inteira, termina lado, vira fita, termina fita, coloca de novo e assim por diante, uma viagem de umas 8 horas. Uma fita que dura pouco mais de 30 minutos.

No mural do prédio da Psico eu escrevi uma frase de Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me, algo como “a noite passada sonhei que alguém me amava”. Ao menos era isso que eu tinha aprendido com a Bizz Letras Traduzidas.

E nas viagens que resolvia ir durante o dia e via aquele infinito campo verde por toda a Castelo Branco, escutando I Wont Share You, Paint a Vulgare Picture ou Girlfriend in a Coma, pensava em mil histórias e até mesmo em escrever um roteiro para clipe. Esse é um dos exemplos de coisas que nunca saíram da minha cabeça, não no sentido de fixação, mas no sentido de escrever aquilo que pensava, processar meus pensamentos criativos.

Quando numa terça feira de fevereiro de 1991 descobri que tinha passado no vestibular, após comprar o jornal O Estado de São Paulo para d. Elza, na manhã daquele expediente que se tornaria talvez o mais longo da minha vida, não tinha tanta idéia de quanto a minha vida mudaria. Alguém me dissera que a Unesp tinha mensalidade e se isso fosse realidade eu estava frito, porque não teria condições de estudar, sem trabalhar; e meu curso, pelo que constava, era integral. Outras conversas foram se juntando a esta, numa tentativa de me desanimar.

Havia ainda o fato de eu não estar habituado a estudar matérias de humanas, de não gostar, de preferir as ciências exatas, tipo matemática e física. Tinha a preocupação de não me adaptar a esse tipo de conhecimento. Mas logo me apaixonei pela sedutora Psicanálise.

Nas instruções do vestibular informava que eu tinha até o dia seguinte para fazer a matrícula, em Assis, uma cidade que eu nem sabia onde ficava e que até o vestibular eu jamais ouvira falar. O pai da minha namorada foi quem me esclareceu que Assis era perto de Prudente “opa, essa eu já ouvi falar, mas onde fica isso, só Deus sabe!” - era o meu pensamento - o que não me ajudou muito. Mas ele já me frustrou ao dizer que era mais quente que em Santos. Eu fugindo do calor, mas caindo em lugar pior. Era minha sina.

À noite, de jornal em punho (até pouco tempo atrás eu tinha essa página do jornal, que deve ter se perdido em uma dessas tantas mudanças que fiz na vida) fui até a rua São Paulo contar para a galera a novidade. Claro que eles me pegaram de surpresa e me rasparam a cabeça, até o último fio de cabelo, literalmente, passando a navalha na careca. No dia seguinte tinha a viagem marcada para Assis, passando por São Paulo, porque não tinha ônibus direto para lá de Santos. Ao menos eu não sabia.

Raspar a careca me ajudou quando começaram as aulas e a galera queria dar trote. Como não tinha cabelo, não tinha o que cortar, diferente do meu (novo) colega (por onde andas?) André Luis Masiero, que como já tinha crescido algum cabelo, ficou com um belo penteado cheio de furos na cabeça. Lembro que se recusou a cortar o cabelo e durante um tempo parecia uma bola de camurça gasta em alguns gomos.

Chegando na rodoviária do Tietê, tomei um susto; na verdade uma surpresa e um susto: a surpresa foi que teria um ônibus que sairia à zero hora. Isso era bom, porque viajaria a noite inteira e não teria que ficar enrolando em algum lugar até dar a hora, passar noite em algum hotel, o que seria uma economia; o susto foi o preço da passagem. Estava com uma grana no bolso. Nessa época não era comum ter dinheiro no banco, como hoje. E a passagem era mais da metade que eu tinha, então teria que voltar para Santos para pegar mais grana. Não perguntei para ninguém, havia visto o valor no guichê da empresa. A sorte que pus a cabeça para funcionar e resolvi comprar a passagem e depois ir para Santos pegar algum com a d. Sirlei. Foi então que tive uma grata surpresa: aquele valor que tinha visto no guichê era para ônibus leito. Para convencional eu tinha grana de sobra.

Mais aliviado, fui na casa do meu tio, totalmente careca, de boné, contar a novidade, pois telefone naquela época era só para as famílias mais abastadas e carta não chegaria tão rápido quanto eu, de um dia para outro, o que fazia com que meu tio e primos não soubessem que eu havia passado no vestibular. À tardinha, liguei para a Ana e a encotrei no Center Norte, shopping que fica em frente ao Terminal Rodoviário do Tietê. Ficamos até uma certa hora e eu ainda tinha mais um tempão para esperar aquele bendito busão, rumo ao oeste. Lá ia, com meus poucos pertences, carregado de sonhos, medos, dúvidas e, claro, com meu walkman na mochila. Algumas fitas também, que faziam um volume impensado na era da música de arquivo mp3. De qualquer forma, fiz a viagem sem dormir, de ponta a ponta escutando a mesma fita.

Não dormi. Era muita excitação para um guri de 18 anos, sair de casa e começar a viver com as próprias pernas. Uma loucura para alguns, uma aventura para outros. A vida, para mim.

Ao meu lado sentara uma senhora, que era de Assis, que me contou algumas coisas da cidade, claro que só as coisas boas. As coisas ruins, passou pela minha cabeça naquele momento, eu conheceria por conta própria. Não dormi aquela noite assim como não dormiria em qualquer outra noite de viagem Santos-Assis, Assis-Santos; por ansiedade, por insonia, por falta de necessidade, enfim, porque eu pouco dormia ou pouco dormi na adolescência.

Desci do ônibus e conheci a acanhada rodoviária de Assis, na avenida Getúlio Vargas. Como a senhora tinha me orientado, melhor era subir a avenida até o terminal e esperar a primeira ‘circular’ como eles
Rodoviária de Assis - SP
chamavam o busão. Me sentia como Cazuza, sem pódio de chegada ou beijo de namorada. Não tinha carona, não tinha nada. Apenas eu, Deus e The Smiths.

Não ter ninguém me esperando na rodoviária era uma constante das minhas viagens Assis – Santos e vice versa, nessa ponte rodoviária. Até porque, em Santos, nunca avisava que estaria chegando.

Sempre solitário, subi aquela avenida na companhia de Morrissey, Marr, Rourke e Joyce e suas brilhantes canções. Passei em frente a uma rádio, Antena Jovem, vi a freqüência e sintonizei no walkman para ver o que a galera de Assis escutava. Levei um susto! Mais um... estava tocando música sertaneja na rádio FM. Se hoje isso é normal, naqueles tempos era bizarro. Em Santos, jamais isso ocorria. Claro que rádio sempre foi um lixo, mas tocar sertanejo eu desconhecia. Hoje virou a meleca que é, mas naqueles tempos soava no mínimo estranho. Tempos depois, descobriria eu ser o estranho. People are strange, when you're a stranger... voltei logo para o meu mundo smithiano, isolado do resto.

O que aconteceu com as FM’s foi o mesmo que ocorreu com a música e que vem ocorrendo com a nossa sociedade: não se tem mais vergonha de ser brega, não se tem mais vergonha de ser de direita e reacionário, não se tem mais vergonha de defender a ditadura e de dizer que se não fosse esta, seríamos como Cuba; de dizer que a ditadura não torturou ninguém. As pessoas perderam o bom senso. De um lado uma galera radical defendendo o homossexualismo exageradamente, o politicamente correto ao extremo e tals e de outro aqueles que defendem com tal fervor e exagero o contrário. O radicalismo daqueles abriu caminho e justificativa para o desses. E o mundo virou essa merda toda. Sem bom senso e equilíbrio.

Fiz o vestibular em dezembro de 1990; o resultado saiu em fevereiro de 1991, antes do carnaval. E como todo carnaval tem seu fim, aquele foi meu último como morador de Santos. Puxando pela minha (fraca) memória o carnaval de 1991 foi no meio do mês e uma semana antes fui mala e cuia para Assis. 

Antes de partir, passei o carnaval daquele ano com a família da Ana, em um apartamento na Presidente Wilson, que foi um ex-presidente dos EUA, sabe Deus por que foi dado esse nome a uma das partes da longa orla praiana de Santos, de frente para o mar, próximo ao canal 2, avenida Bernardino de Campos, trocando idéias com a tia da Ana, mãe de outras 4 Anas: Ana Carolina, Ana Beatriz (a mais bonita das Anas), Ana Luiza e a Ana mais velha, que não me lembro o nome. E a Luiza era a minha Ana predileta, minha amiga, apesar de sua tenra idade (devia ter uns 12 anos), filosofando horas na praia naqueles quatro dias de carnaval, sobre a vida e suas agruras.

Tinha um primo babaca da Ana, que, claro, jamais gravaria o nome, que fazia Direito em Santos, uma carreira promissora para os santistas de final de século, me vendo careca, disse que chamaria a galera para me dar trote no início das aulas. Eu disse que tinha passado em Psico, ele disse que não tinha importância; na Unesp, em Assis, gargalhei por dentro com o seu desânimo visível. Coisas de família, casos de família, rá rá rá.

A namorada do irmão da Ana veio falar comigo sobre o porquê de eu ter escolhido Psicologia e se não me engano ela mesma era estudante na PUC de São Paulo, eu para não ficar por baixo disse que gostava, tentei falar alguma coisa inteligente, mas falei um monte de asneira que ela deve ter entendido que eu não entendia de porra alguma.

Prédio da Presidente Wilson em Santos
Namorei a Ana por 3 anos. O pai dela era gente fina, a mãe também. As tias dela que moravam em Santos, vizinhas do Branco e que propiciaram meu encontro com ela, também eram bem legais, me deixava com ela nos fundos, mesmo sem a presença dos pais dela; o irmão dela tive pouquíssimo contato, era um playboy filhinho de papai, mas não se metia comigo, apenas cumprimentava e nesses três anos trocamos pouquíssimas palavras, talvez em alguma roda de canastra que aquela família viciada jogava e me dava um banho, que deixava a Ana louca das minhas mancadas de péssimo jogador; a namorada dele idem, fora a conversa citada, nunca conversei. Não tinha afinidades com eles. Não lembro do nome de nenhum deles. Só das Anas.  

A Ana tinha uma prima bonitona, que o Branco se apaixonou e que andou saindo com ela e sua família na mesma época que comecei a namorar. Não acreditava que o Branco estava ‘pegando’ a guria. Mas logo ela deu um chega prá lá nele, dizendo que o que eles tinham era apenas amizade. Uma das grandes mancadas do Branco com ela foi pedir uma dit cuque (a pronúncia do Branco para Diet Cokie). Logo a bonitona arrumou um namorado em Santos, onde foi morar com a avó após os pais se separarem. E virou minha vizinha, ali da Campos Mello.  Não lembro do nome dela e muito menos do cara, que protagonizou uma das situações mais embaraçosas da minha vida, quando saímos os quatro, de casalzinho de amigos e eu não troquei uma palavra com o babaca a noite toda. Um dia encontrei o cara no busão na Afonso Pena, deveria ter saído da casa da namorada, conversando com um amigo sobre o disco do The Doors. Um cara chamar o Doors com o The, soava como alguém sem muita intimidade com a banda. É como ficar chamando Beatles de The Beatles.

Se encontrasse esse pessoal hoje, não saberia de quem se tratava. A Ana ainda cruzei uma vez pela avenida da praia, antes de me formar, mas passei reto, não quis falar com ela, que estava acompanhada com as primas Anas; ela, pelo jeito, pensou como eu e nunca mais nos falamos, nunca mais conversamos. A última vez que conversei com ela foi numa tarde chuvosa de domingo, que voltei para Santos, depois do meu aniversário de 1991, para desmanchar o namoro e pedir que não contasse nada para suas tias. Nunca mais soube qualquer coisa dela.

Minha memória me trai com frequência. Em outro post não lembrei o nome da professora de Desenho do Dino Bueno. O Quinda me lembrou no twitter que é Regina. Regina Helena, para ser mais completo e para ser mais completa a minha humilhação. Disse para ele que é problema da minha memória seletiva. É a seletivIDADE.

Escutar Smiths é minha vida. Me traz a tona todas essas lembranças (viu Quinda, é seletiva mesma essa minha memória, seletividade, kkkk) que ficam latentes no meu inconsciente, prontas para subirem para a consciência com um pequeno empurrão. E Smiths é o empurrão que sempre falta para as lembranças voltarem. De vez em quando essa nostalgia smithiana, de um tempo que foi magnífico mas que eu não tinha a dimensão toda, volta com tudo. E me dá uma louca vontade de escutar por horas a fio a banda mais importante da minha vida. Tipo escutar esse The Troy Tate Tapes. Por isso é importante viver com afinco cada momento da vida. Porque, cara, ela é muito fugaz. E muito fugaz é uma hipérbole!

domingo, 13 de abril de 2014

CAMPEONATO PARANAENSE 2014 – FINAL – LONDRINA & MARINGÁ


Hoje é um dia especial. Deixei propositalmente o post, que sai todo sábado, para o domingo; pensei em escrever após a final do Campeonato Paranaense, mas não teria graça. Daqui a poucas horas estaremos no Willie Davids, para assistir a uma peleia que pegará fogo. Se o Tubarão, apelido dado ao Londrina nos anos 70, em alusão ao filme de Spielberg, uma vez que no Campeonato Brasileiro de 1977, se não me engano, o time passou por todos os adversários e  chegou às semifinais. Foi passando um a um seus adversários. E pelo que consta da memória dos torcedores mais antigos, foram contra adversários de peso como Flamengo, Vasco, Corinthians e Santos, obtendo vitórias e mais vitórias, vencer hoje, será a maior glória desse século para o time e para os jogadores (já sondados por times de primeira grandeza do nosso futebol) que vestem o manto alviceleste.

Mas não foi nessa época dos anos de 1970 e bola que tive contato com Londrina ou que me interessei pelo Tubarão. Era pequeno demais e nesse mesmo ano estava mais preocupado com o jejum de títulos do Grêmio (que venceria o Gauchão com gol de André Catimba que depois deu o famoso mortal), time de Telê Santana. Anos mais tarde, 1994, foi quando aportei na bela Rodoviária de Londrina, para estudar Psicologia na Uel. Vinha de mala e cuia, eu, Juliana e o Victor, ainda nenê, com 3 meses. Era o dia 28 de fevereiro de 1994.

Logo tomei pé do time da cidade, onde jogava (à época o saudoso VGD de tantas batalhas e glórias), sua história e passei a acompanhar esse time que acabara de ser Campeão Estadual (1992).
Um desses dias de 1994 fui na minha primeira partida. Não tinha grana para ir muito ao estádio, bolso de estudante é foda, a grana é curta e ainda com família, imagina só. Mas meu irmão Renato estava em casa e queria assistir ao clássico Londrina e Curitiba. Time da capital, conhecido nacionalmente, Campeão Brasileiro de 1985.

Fomos ao VGD, que achamos acanhado demais, mas um caldeirão (termo que ainda era utilizado para designar estádios onde a torcida fica muito perto do campo). Ficamos no final da arquibancada, do lado direito de quem vê da Maternidade Lucilla Ballalai, lado oposto às cabines de imprensa. Para os mais antigos, no lugar onde ficava a Sangue Azul.

Pois foi lá que vimos pela primeira vez a força do Tubarão do Norte do Paraná, que despachou o time da capital por 4 a 0, uma lavada que me fez virar torcedor. Finalmente havia conhecido um time da cidade onde estava morando que simpatizei e poderia torcer. Isso porque vinha de Santos, cidade portuária do litoral Paulista, cujo time sempre odiei e me recusava a torcer para o Peixe. Se não gostava do Peixe, do Tubarão seria diferente. E o sofrimento seria grande ano após ano.

Vi o Londrina quase (eu disse quase) subir para a primeira divisão do brasileiro; vi o Londrina quase campeão estadual em 1994 e vi a decadência do Tubarão, cair para a Série C, D, ser rebaixado do paranaense;  no final do anos 1990, início de 2000, quando comecei a acompanhar mais de perto o Tubarão e ir frequentemente ao estádio, com meu amigo Ricardo Sales, íamos às segundas à noite, às quartas, quintas, domingos; dia de jogo do Tubarão lá estava o Márcio e o Ricardo no VGD, não importava o adversário. Ficávamos na Sangue Azul; O Victor, pequeno, ia conosco. E vi um tal de Sorec de Cascavel. Nunca esqueci esse time, porque achava isso o ápice do amadorismo do Campeonato Parananense, com todo respeito ao pessoal de Cascavel. Acredito que nem exista mais esse time.

Outro momento marcante da minha história com o Tubarão (puxe pela memória aí galera) foi um jogo em que o Londrina ganhou de 8 a 0 e acabaram as plaquetas de números do placar do VGD e este parou no 6. Não tinha 7 e nem 8.

Mas vi também o Londrina ser Campeão. Do desprestigiado torneio Copa Paraná. Foi legal gritar “é campeão”. Mas não tem o peso de uma vitória no Campeonato Estadual.
Ano passado bateu na trave. Não fosse um roubo descarado aqui em Londrina no primeiro turno (maior público daquele paranaense) contra o Coritiba e teríamos vencido e ido para a final. Mas quis aquele desgraçado daquele juiz sem vergonha, filho da puta, vir aqui em Londrina e dar a vitória para nossos adversários. E isso não é rancor de torcedor, mas esse árbitro foi tão tendencioso e parcial para o lado do Coritiba que até o Globo Esporte (cujas imagens e o programa é gerado da capital para todo o estado) do dia seguinte teve que noticiar sobre os erros (intencionais) grotescos daquela arbitragem.

Depois de uma campanha irretocável, ficamos com o título do interior. Um consolo, pois nos deu direito à Série D do Brasileiro e consequentemente um calendário para o time no segundo semestre. Também deu direito à participação na Copa do Brasil desse ano (em que o Tubarão fez bonito e já despachou o Criciuma, time que disputará a Séria A do Brasileiro, passando para a próxima fase).

Esse ano foi diferente. Após uma campanha irregular em que quase ficou no torneio da morte, subiu de produção justamente quando pegou o mesmo Coritiba (desta feita sem ajuda da arbitragem) e venceu por 2 a 0 no Café. Dali para a frente o Tubarão engrenou e foi passando por seus adversários, sem dó, como em 1977. Na semifinal, após perder por 3 a 1 do Atlético e estar perdendo por 1 a 0 no Café, virou inacreditavelmente (até para o mais fanático torcedor) para 4 a 1 e se classificou para a final sem precisar dos pênaltis.

Na outra chave estavam o velho (e odiado) Coxa e o Maringá, time da vizinha cidade, que voltou a ter futebol profissional de qualidade depois de muitos anos. E o Maringá não tomou conhecimento da força do Coxa e venceu em casa para depois empatar e se classificar em pleno Couto Pereira. Sem a ajuda da arbitragem o Coxa é bem menos poderoso, perde força.

Final do interior. Final do Norte do Paraná. Da velha rivalidade do Café. No primeiro jogo, Estádio do Café cheio, com mais de 30 mil espectadores (embora oficialmente com pouco mais de 26 mil pagantes), mais uma vez maior público do paranaense, maior que a final no Maracanã entre Vasco e Flamengo. Foi tudo igual, em 2 a 2, embora o Maringá tenha jogado ligeiramente melhor, demonstrando maior preparo físico.

Hoje é a finalíssima. E daqui algumas horas estaremos na estrada para Maringá, 90 km e 90 minutos nos separam da glória de ver o Londrina no ápice; e assim, depois de tanta carne de pescoço, acompanharmos de perto o Tubarão, na certeza da vitória. E será o jogo da vida, tanto do Londrina como do Maringá.

Sendo assim, os jogadores devem entrar com o coração na ponta da chuteira e a vida dentro da camisa alviceleste. É o mínimo que esperamos. Não só os torcedores, mas a cidade inteira. Porque a cidade toda, mesmo os que não acompanham ou que torcem, estão de olho nessa final. A ponto da minha sogra, moradora de Maringá, domingo passado, perguntar para a Juliana se ela estava assistindo ao jogo na TV, pois ela estava empolgadíssima com a partida. Claro, torcendo pela sua cidade.

Pois hoje estarei no Willie Davids. Preparando o gogó para finalmente vociferar é campeão. Cabe ao torcedor fazer sua parte e empurrar o time a cada minuto dos 90 que nos separam da glória de sermos mais uma vez Campeões do Paraná. Dá-lhe Tuba! Regaça Tubarão! Vamo pra cima Tubarão!


E como em toda partida deve ser, não que vença o melhor, mas que vença o time do meu coração, o meu Tubarão!

P.S.: escrevi esse post hoje cedo e ficamos sem luz e até quando sai para a invasão de Maringá ainda não tinha voltado, por isso posto isso agora, depois de voltar da Cidade Canção, onde fomos campeões. Abaixo imagens da tarde de hoje no Willie Davids.






domingo, 6 de abril de 2014

JOSÉ WILKER - 20 DE AGOSTO DE 1946 - 5 DE ABRIL DE 2014


Com certo pesar hoje a tarde (na verdade ontem, pois o relógio acabou de transpor a barreira da zero hora) fiquei sabendo da morte de José Wilker, um dos maiores artistas desse país. Dentre tantos filmes que participou e dezenas de novelas, uma participação jamais esquecerei.

Em meados dos anos 1980 uma das atrações de Rede Record era o programa “Sala Especial”, passava às sextas feiras perto da meia noite. As atrações eram filmes brasileiros e todos os adolescentes onanistas de plantão (me incluo nesse rol) esperavam ardentemente por uma cena mais caliente de sexo implícito, pares de seio, nudismo parcial ou frontal feminino. Para nosso deleite, sempre apareciam essas cenas. Hoje soaria inocente demais perto do que passa em alguns canais de TV paga ou no Esporte Interativo depois da meia noite. Mas era o que tínhamos na era pré internet.

Um dos filmes clássicos que assisti e que nunca esqueci, baseado na obra de Nelson Rodrigues, tinha como protagonista Lucélia Santos (a bonitinha mas ordinária do título do filme) e José Wilker, um personagem humilde mas ambicioso. Edgar, a personagem de Wilker, recebeu a proposta de se casar com a filha do milionário dono da empresa onde ele trabalha. ela havia sido currada por 5 negões e perdera a virgindade, que para a época era um escândalo e dificilmente a adolescente conseguiria algum pretendente depois dessa violência. A cena que lembro até hoje e que marcou foi uma em que o pai da personagem de Lucélia Santos começa a humilhar a personagem Edgar, chamando-o de contínuo, ex-contínuo, por várias vezes gritando, praticamente um bullying. Percebendo o incômodo de Edgar, seu futuro sogro o humilha. Até que Edgar, levanta enfurecido gritando: "posso ser um ex-continuo, mas você é um filho da puta!" vocifera com a boca cheia e depois sai furiosamente da sala. Uma interpretação que beira a perfeição.



Uma cena inesquecível pela interpretação do ator. E é isso que guardarei para o resto da vida do grande ator que se foi esta manhã.

sábado, 5 de abril de 2014

UM INSTANTE: REFLEXÕES SOBRE O NADA OU NADA SOBRE REFLEXÕES?


A justiça é cega ou tarda mas não falha?
Vinte e oito anos. Esse foi o tempo que levei para ouvir um elogio sincero aos Engenheiros do Hawaii. Após ler o livro do Ricardo Alexandre, Dias de Luta, sobre o rock nacional dos ’80, o boom do qual ficamos esperando o estouro até o final da década e que não ocorreu. Todos os roqueiros que aprenderam a escutar as bandas nacionais nos anos 1980 tiveram essa impressão de que faltou alguma coisa no final da festa, de que alguém esqueceu de apagar as luzes, pois continuou a gerar expectativas. E de repente, nada aconteceu. E de repente, tudo ficou como era, ou pior, porque veio a onda dos sertanojos, do bregode, do axé e umas tantas outras porcarias que tentaram nos enfiar por goela abaixo. Os inteligentes não caíram nessa arapuca, claro.

Meu “relacionamento” com a banda Engenheiros do Hawaii começou no começo... em 1986 eu trabalhava em uma loja de calçados, meu primeiro emprego e por sorte estávamos numa fase de rock nacional em alta (posso esclarecer por ter vivenciado esse momento tão especial e como pode ser constatado no próprio livro citado) e o meu local de trabalho ficava ao lado de uma loja de discos, por mais bizarro que possa parecer aos dias de hoje, no século passado existiam lojas que vendiam discos, a Prodisc de Santos. E os caras tocavam o disco da Engenheiros, Longe Demais das Capitais todos os dias. Logo a canção Toda Forma de Poder foi parar na trilha sonora de uma novela global, como já contei aqui. Mas antes disso, comprei o disco e fui ao show da banda.

Sorte que não existem mais lojas de discos. Imagina ficar escutando Lepos Lepos, Luans Santanas, Gustavos Limas e todas essas drogas similares e extremamente nocivas para qualquer bom gosto ou para a cultura em geral, mesmo a popular. Eu pararia em qualquer UTI seguidas vezes por stress traumático e overdose. Ficaria como aquele episódio do desenho Pica Pau em que o Leôncio todas as vezes que escuta o Pica Pau bater na árvore com o bico ficava tremendo todo, tem o que o Chaves costumava chamar de ‘pirapaque’. Assim seria eu ao escutar os primeiros acordes de qualquer desses lixos. Não quero ser agressivo, mas essa merda toda me enoja, me dá vontade de vomitar. Tenho asco, nutro os sentimentos mais escrotos. Sempre foi assim. Nunca gostei de modinhas e de manipulação dos meus desejo e gostos, principalmente o musical. E tudo que ficava muito popular eu dirigia olhos desconfiados do que estava por trás, qual a armação.

Nessa época consumia tudo que acontecia no rock, principalmente o nacional. E começava a curtir o rock vindo da República Riograndense, Replicantes, DeFalla, TNT, Garotos da Rua, Nenhum de Nós, dentre outros. E tudo que vinha de lá era visto com olhos saudosos, emocionalmente desequilibrados e nostálgicos da minha parte, sempre muito orgulhoso pela minha nacionalidade riograndense. Uma bobagem que acontece até hoje. Todo gaúcho é mais gaúcho do que brasileiro. 

E como eu dizia, consumia tudo sobre rock, fã incondicional de Smiths e do rock inglês em geral, mas também gostava de escutar o rock cantado em português. Assim não era necessário ligar a tecla SAP (tecnologia que ainda não existia naqueles tempos de primórdios do controle remoto no Brasil) ou ter que ficar esperando ter a sorte de ver a tradução publicada da tua canção predileta na revista Bizz Letras Traduzidas, para saber o que os caras estavam cantando.

Por falar em revista Bizz, eu era assinante dela e acompanhava tudo de mais recente que acontecia no mundo da música, em especial do rock nacional. E não entendia porque os críticos detonavam as minhas bandas prediletas. E a banda mais odiada da crítica era a Engenheiros. Eles (os críticos de música) amavam odiar a banda, era quase que obrigatório e essa expressão “amavam odiar” virou chavão na mídia especializada . Claro que rolava aquele lance de serem músicos frustrados, embora por terem o aparato da mídia e por terem um emprego garantido para seus sustentos poderiam ser mais honestos aos seus ideais de rock. E embora tenham montado bandas totalmente desconhecidas para o público em geral, como Fellini, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, Voluntários da Pátria, foram importantíssimas para o rock nacional como um todo pela qualidade que tinham. Eram fracasso de público e sucesso de crítica, sendo eles mesmos, membros das bandas, os críticos. Por isso, nunca acreditei nessa história de músicos frustrados. Frustrados eram aqueles que se vendiam ao mainstream para se manter no auge, tipo aquelas bandas que entravam no esquema mafioso dos shows do Chacrinha para aparecer no programa e ficar na mídia. E isso, quase todas as bandas fizeram naquela época, uma vez que quem se recusava a fazer playback de graça em troca de aparições no programa, acabava queimado. As bandas mais sinceras e coerentes caíram no ostracismo. Mas não a Engenheiros do Hawaii.

Quando a Engenheiros gravou o segundo disco, A Revolta dos Dândis, houve boa vontade e a crítica foi leve e até elogiosa, não batendo muito. Principalmente a canção Terra de Gigantes, que estourou no Brasil inteiro. E mesmo com Infinita Highway, que foi sucesso total, ser acusada de plágio de Road to Nowhere do Talking Heads. Demorei um tempão para saber do que se tratava Road to Nowhere e ter minha opinião a respeito. Na verdade têm a mesma temática, mas havia uma certa maldade e má vontade para com os gaúchos. E a Engenheiros soava esnobe, pedante. Lembro de comentários dos meus amigos a respeito disso, dos versos sempre rimados de Humberto Gessinger. Como uns gaúchos lá do fim do mundo podiam subverter a lógica de mercado e ganhar o Brasil? No terceiro e no quarto disco (Ouça o que eu Digo e O Papa é Pop – este último eu tinha em K7, os três primeiros tenho até hoje os discos)as críticas destrutivas vieram piores e mais maldosas. Desde a estética das capas até o próprio som, que é o que interessa, tudo era motivo para falar mal.

A banda Engenheiros do Hawaii vendeu mais de 100 mil cópias de cada um de seus três primeiros LP’s. Antes do quarto disco de estúdio, rolou um ao vivo, Alívio Imediato, com os hits remodelados (característica da banda, que reinventa as canções quando cantadas ao vivo) e duas inéditas, além de algumas canções pouco tocadas nas rádios e não conhecidas do grande público, como A Verdade a Ver Navios, Longe Demais das Capitais e Tribos e Tribunais.

Uma loucura total. Uma atitude roquenrol, que anos mais tarde o Nirvana se vangloriaria ao gravar um unplugged MTV apenas com lados B, sem os maiores hits da banda. Pois em 1989, os gaúchos já tinham feito isso e continuaram fazendo em seus discos ao vivo, com alguns hits e muitos ‘lados B’. Pioneirismo de Humberto e cia.

Claro, sucesso total. E o estrelato chegou de vez! Tive a oportunidade e a felicidade de assistir a alguns shows da banda naquela década. E Alívio Imediato beirava a histeria coletiva. Bem diferente do primeiro show no Caiçara Music Hall, a primeira vez em Santos, que assisti, a turnê de Alívio Imediato foi uma loucura. No show em Santos, no Saldanha ou no Vasco, não lembro direito, clubes que ficavam na ponta da praia, em Santos, meu amigo Branco até passou mal, no meio da multidão. Era a banda mais cultuada pelo público no Brasil, naquele final de década e início dos ’90.

O Papa é Pop vendeu mais de 350 mil cópias (as fontes de vendagem são do livro Dias de Luta). A crítica batia e o público pouco se interessava no que diziam e dava de ombros. Quanto mais os ‘especializados’ e ‘entendidos’ de música odiavam a banda, mais a galera amava. Uma antítese no mínimo interessante. Demonstrava que os jornalistas escreviam para ninguém, para eles ver... para inglês ver, esse sim o mais apropriado a ser dito. Com trocadilho e tudo, propositalmente, já que cultuavam tudo que vinha da terra da Margaret Tatcher e da Rainha Elizabeth um número qualquer.

Com humildade e seguindo uma lógica, virando as costas à crítica, a banda arrebanhava fãs. E esse foi o segredo da Engenheiros do Hawaii: sinceridade, convicção, honestidade, fugir das tendências, coerência e crença no que estavam fazendo.

Essas tendências e falta de coerência são demonstradas entre as maiores bandas dos anos 1980, como Paralamas, que misturavam samba, axé, breguice e uma caralhada de coisas que os transformavam em qualquer coisa menos uma banda de rock, nos Titãs que ‘foram’ pops, new wave, punks, depois grunges, depois MPB, depois o caralho a quatro.

Como Carlos Eduardo Miranda, o Miranda, esse mesmo desses programas ‘ídolos’ ou sei lá qual, gaúcho como Humberto e cia, roqueiro da primeira leva do Rio Grande, um dos agitadores da cena roqueira portoalegrense e fundador da Urubu Rei, constatou nas páginas do livro: “... vi que eles (Engenheiros do Hawaii)... estavam se comunicando... com um público que precisava de uma letra toda enfeitada para sonhar e viver. Exatamente o que toda a geração do rock brasileiro dos anos 80 havia praticado até então”. E finaliza: “Eles não estavam errados.”

Quase 30 anos depois, me sinto justiçado.