sábado, 27 de dezembro de 2014

CANÇÕES DE VERÃO - BANDA DO MAR - VAMO EMBORA

Uma das coisas que sempre acontecem nos verões, além das tão merecidas férias, viagem para a praia (somos do tipo que não vivem sem praia, ao menos uma vez por ano) é uma canção que represente o verão. A maioria delas caem no esquecimento, não sei explicar por qual motivo, mas provavelmente pelo mesmo mecanismo que "vira" a canção do verão, ou seja, inconscientemente e sem querer, não é escolhida, mas nos escolhe. Por isso, não lembro qual foi a do verão passado e do retrasado ou do re-retrasado. Lembro que anos atrás, era uma canção do Gabriel o Pensador que ficou marcada, já foi da Los Hermanos, Último Romance, aliás a minha predileta, que está no terceiro disco da banda, também o meu predileto, dentre os quatro oficialmente lançados.

Esse ano não foi diferente. Escutei muito nos últimos meses a Banda do Mar, que tem entre os seus integrantes o casal formado pelo ex-integrante da Los Hermanos Marcelo Camelo e Malu Magalhães (ela mesma, aquela pirralha que se inspirou na Vanguart para começar a compor e cantar e que fez um sucesso estrondoso entre os adolescentes anos atrás). É um belo disco e só comecei a escutá-lo depois de ter assistido ao belo filme do cinema nacional, aliás um dos melhores que assisti esse ano que se vai, que leva o singelo (e muito criativo) nome de "Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu to Fazendo com a Minha Vida". Nesse filme está a belíssima canção do segundo disco solo do Marcelo Camelo chamada Vermelho. Tudo bem, para um GREMISTA é inusitado gostar de uma canção que leve esse nome. Mas tudo bem, a canção é maravilhosa e vale à pena essa heresia. 

Posto aqui a canção que colou no meu cérebro e que virou o símbolo dessas férias de verão. A canção chamada Vamo Embora fecha - com chave de ouro, diga-se de passagem - o primeiro disco da Banda do Mar. 

Mais um ano se finda e, como todos os demais, fecham um ciclo, para no dia seguinte outro se abrir. E desejo que o próximo seja melhor do que o que passou, em todos os sentidos, mas que o que passou não seja apenas uma lembrança do passado, mas uma aprendizado para quê consigamos fazer o novo ano melhor.

Esse é o último post do ano e gostaria de deixar a mensagem que a canção passa: vamo embora, bola prá frente e sigamos nossos destinos, transformando os dias sempre iguais em dias melhores do que os que passaram.

Feliz ano novo para todos e

divirtam-se! 

HASTA LA VISTA!


Vamo Embora

Vamo embora, morena, dança
Que a cidade não se cansa de te ver dormir
Não demora não
Que eu tenho o meu encontro
Feito com um mar de pérola

Vamo embora, morena, tarda
Mas eu não me canso de te ver dormir
Não demora não
Que eu tenho o meu encontro
Feito com um mar de pérola

Vai ver, é teu mar
E as coisas da civilização
Você gruda nesse corpo
Desculpa se eu ficar mudo, mas
O tempo que eu tenho é pra voar

sábado, 20 de dezembro de 2014

AS CANÇÕES DA MINHA VIDA - IRA! - TOLICES

Nos idos de 1986, meu irmão Rogério chega de viagem, uns dias de descanso da Marinha, para passar uns dias em casa. Na mala, na verdade era um saco azul que os marinheiros carregavam, que não lembro como chamavam, um punhado de roupas e principalmente discos e livros. Uma caralhada de discos! De todos os gostos, mas todos eram rock and roll, of course. Um deles era o The World Wont Listen, dos Smiths; outro era Quadro Vivo, do Kiko Zambianchi, com aquela capa inspiradora; e entre tantos, um deles que me chamou muito a atenção: Mudança de Comportamento, do Ira! 

Já conhecia a banda pelo Vivendo e Não Aprendendo, que era maravilhoso. Naquela época estava começando a ser contaminado pelo vírus do Punk Rock, mas ainda não estava completamente cego pelo vírus. Então me permitia escutar outras coisas que não a ditadura ideológica do punk. Foi assim que me apaixonei por Smiths. Foi assim que me apaixonei pelo Ira!

Nesse disco tem a canção mais famosa da banda, Núcleo Base, um hino ao jovem que não queria servir às forças armadas, esse o pavor de 10 entre 10 adolescentes dos anos da ditadura militar; além de Núcleo Base, mais algumas canções que fizeram (e fazem) a cabeça de muita gente. Uma fábrica de canções boas, que me fizeram por muito tempo eleger esse como o melhor disco de rock nacional. E quando falo em rock nacional estou apenas falando do mainstream, não estou falando da amplidão que significa esse rótulo, do que não tocava nas rádios e que pouco aparecia na mídia. E também é necessário entender que estávamos nos anos 1980, não tinha a facilidade de encontrar tudo na internet, estávamos em uma província que era Santos e não chegava tudo às nossas mãos, como as bandas undergrounds de São Paulo, de Porto Alegre e de todo o Brasil. Eram dias limitados... limitadíssimos eu diria.

Hoje eu classifico esse disco como um dos melhores discos de todos os tempos do rock nacional, talvez no top 10; em se tratando do rock dos anos 1980, o melhor.

Nesse disco tem uma bela canção, que pelo lembro, ficou esquecida pelas rádios (ao menos as comerciais), apesar do apelo pop da mesma e que a própria banda ignorava em seus shows, talvez por ser uma daquelas baladas arrasadoras, esquecida pela mídia em geral. mas que não passou desapercebida por um adolescente romântico, cheio de espinhas e sonhos.

A letra parecia resumir tudo o que eu vivia/ sentia. As tolices que eu pensava na vida, as tolices que eu sonhava com alguém que nem conhecia. Andava pelas ruas sonhando acordado com alguma guria que me tiraria daquela solidão que parecia sem fim, Ela simplesmente sintetizava a minha existência:

"... um olá talvez, mas pra mim de nada vale,
isso estragaria o meu faz de conta..."

Sim, essa canção é Tolices. Se a memória não me trai (e como tem me traído ao longo da vida) é a primeira canção que posto nesse quadro sobre as canções da minha vida. Fiquei em dúvida entre Tolices e Núcleo Base, esta uma canção bem mais conhecida e obrigatória em qualquer show do Ira!, do Nazi ou do Scandurra. Mas pelo que representa para a minha vida, fiquei com a primeira. 

Curtam! E como dizia os discos que comprava naqueles anos, Ouça no volume máximo. É uma boa maneira de sentir a essência da canção, de sentir a alma.


Tolices - Ira!

São tolices
Que penso sobre você
Você não pensa em mim
Por que andamos na mesma rua?
Vivo sonhando
Imaginando você
Imagino pegadas
E as vou seguindo

É tolice eu sei
Você não sente os meus passos
Mas eu imagino
Mas eu imagino

São tolices
O que penso sobre você
Você não pensa em mim
Por que andamos na mesma rua?
Vivo sonhando
Imaginando você
Imagino pegadas
E as vou seguindo

Um olá talvez
Mas para mim de nada vale
Isso estragaria
O meu "faz de conta"

É tolice eu sei
Você não sente os meus passos
Mas eu imagino
Mas eu imagino

domingo, 14 de dezembro de 2014

QUARENTENÁRIO - 20 ANOS NOS 80 ANOS DE LONDRINA


Cheguei em Londrina em fevereiro de 1994, aos 21 anos. Éramos eu, a Juliana com 20 anos e o Victor com seus 3 meses. Carregava na bagagem algumas parcas mudas de roupa e muitas bugigangas, como meus discos, pôsters e recorte de fotos, revistas, letras traduzidas de canções, das bandas que fizeram parte da minha vida, principalmente Smiths, que eu amava e amo até hoje. Um monte de porcaria que o tempo (e a Juliana) fez se perder; menos os discos que ainda tenho hoje. Ou seja, chegamos com pouca bagagem e carregado de sonhos de se estabelecer na terra vermelha. Como os pioneiros na terra vermelha do norte do Paraná. Transferi o curso de Psicologia da Unesp, campus de Assis, para a Uel e a Juliana, que fazia Letras na Unesp, onde nos conhecemos, fez o vestibular (e passou) em Serviço Social.

No começo foi muito difícil, com um bebê de colo e nós dois estudando. Algumas economias que dava para segurar a barra por alguns meses só estudando. Ficamos umas duas semanas na Casa do Estudante e não ficamos de vez por lá porque não era permitido estudante com filhos. Alugamos uma casa na Canudos, no número 141. Nossa primeira moradia, nosso primeiro lar como família.

Quando mudamos, tínhamos um fogão, um botijão de gás, alguns cobertores e só. A casa ficava vazia; dormimos 2 noites no chão forrado apenas com os cobertores; o Victor dormia "confortavelmente" em seu carrinho. Daí caiu em minhas mãos um encarte da Lojas Americanas, com promoção de colchonete; foi um grande avanço dormir no conforto daqueles colchonetes. Em seguida, na mesma Canudos, um pouco para frente, no sentido da JK, nos deparamos com um carinha que estava vendendo seus móveis pois estava de mudança para São Paulo. Compramos geladeira, mesa, uma poltrona, armário de cozinha, e sei la mais o quê. Pela geladeira, o cara levou o apelido carinhoso de "Geladeira". E, vizinhos, volta e meia cruzávamos com o Geladeira em nossas andanças ao supermercado Viscardi, açougue, farmácia, em todos os lugares do bairro, onde éramos conhecidíssimos. Muito pelo nosso estilo de vida tosco e privado de qualquer luxo, meio riponga, mais ainda pelo lindo filho que carregávamos para cima e para baixo, loirinho, com aqueles olhos azuis maravilhosos, e que parecia um bebê Johnson.

Victor Hugo com menos de 1 anos
Nessa época não tínhamos espelho em casa; tampouco relógio; televisão? Muito menos. Acompanhei a morte do Senna pelos jornais; a morte do Denner, aquele neguinho que jogava muita bola na Portuguesa de São Paulo e que teve uma passagem rápida pelo Grêmio, onde teve seu único título profissional na carreira, também acompanhei pelos jornais; a morte de Kurt Cobain idem. Nossa sorte é que meu irmão Fábio tinha assinatura da Folha de São Paulo. E isso nos deixava informados e por dentro do que acontecia no mundo. Para saber que horas eram eu saía na rua, ia até a Humaitá e perguntava as horas para algum transeunte. Cedo, calculávamos a hora de sair para pegar o ônibus ruma à Uel, pelo avião que passava, chegando de São Paulo. Eram 6 horas e 50 minutos. Hora de sair. Mas quando ocorria algum atraso no voo de chegada, também atrasávamos.

Depois do almoço era praxe eu fazer o Victor dormir andando até o cemitério, rodava com o carrinho por lá, aquele silêncio sepulcral do meio dia e eu cantando algumas canções do Chico Buarque, Lupicínio Rodrigues, Caetano Veloso, Legião e até Smiths. Via os túmulos e viajava na história daquelas pessoas que estavam nas fotos, vendo o ano de nascimento, de morte e pensando na vida que elas levaram. E quando percebia o Victor estava em sono profundo.

Essa vida "rústica" em pleno final do século XX foi uma opção. E pagamos o preço por essa opção de correr atrás do sonho de terminar a faculdade antes de trabalhar. 

Largamos uma vida mais tranquila em Assis, só estudando, para enfrentar o mundo e seguir nossos sonhos. 

Tal escolha teve um preço alto. Nos privamos de tudo. Claro que trabalhei, durante o curso, em tudo que aparecia, todo tipo de subemprego, trabalho precarizado. Mas nós dávamos um jeito e foi assim que vivemos os meus 5 anos de faculdade e os 4 da Juliana: fui garçon em lanchonete, em boteco de bêbado, lavei banheiro com vômito de bêbado, fizemos pesquisa eleitoral, pesquisa no sinal, fiscal de prova, trabalhamos em eventos, enfim, fizemos de tudo um pouco, nada ilícito, lógico. E isso foi a maior lição que tiramos daqueles árduos anos: a batalha pela sobrevivência. E nada pode ser mais bonito do que lutar pelo sonho e enfrentar as dificuldades.

O Victor, ainda sendo amamentado, ia para a faculdade conosco. Ônibus 305 ou 307 lotado, em uma época que ele descia pela Humaitá no sentido Uel e nós três entrando naquela verdadeira caixa de sardinhas, onde nós, o povo, éramos as sardinhas, a Juliana com o Victor no colo e eu carregando o carrinho dele e aquele velho conhecido da população de todas as cidades: o desrespeito do poder público com a população usuária do transporte coletivo, todos sendo esmagados dentro de um veículo extremamente cheio. E a empresa de ônibus enchendo o rabo de ganhar dinheiro e seus sócios enriquecendo a custa de um serviço porco prestado à população.

O pior era fazer pesquisa nos bairros, sobre os serviços públicos e escutar o povo dizer que o transporte coletivo era bom, porque não era usuário; ou porque, pelo desinteresse mesmo, respondia que era bom, mesmo sendo uma bosta.

Eu estudava no CCB e na Central de Salas. A Juliana no Cesa. Quem conhece a Uel, sabe que esses centros ficam um em cada ponta do calçadão. Hoje a Central não é mais central. Mas no começo dos anos 1990 era um dos prédios mais novos da Universidade. No intervalo da aula, nos encontrávamos e ficávamos os 3 juntos. Quando eu tinha aula vaga, ficava com o Victor andando pelo campus; às vezes o levava para sala de aula e assistia aula com ele, cuidando dele. Dias duros aqueles.

E assim foi nos primeiros anos. No segundo ou terceiro ano nos adaptamos melhor e o Victor ficava na escolinha, primeiro em uma escola na rua do cemitério ali do Jardim Ipanema, chamada Girassol. Nessa época morávamos no 2233 da Paranaguá. Foi um ano próspero o de 1995. Com as pesquisas eleitorais bombando, compramos até uma geladeira nova, à vista. Em seguida o Victor foi estudar na Curumim, quando mudamos para o 75 da Joaquim Lacerda. Tudo ali próximo, beirando a Higienópolis. Foi a única vez que moramos "do lado de lá" da Higionópolis. 

Na Curumim, no primeiro dia, o Victor não queria ficar. Chorou, chorou muito, porque não estava acostumado, estranhou tudo. E de repente chegou um amiguinho conhecido dos tempos da Girassol: o Pedro. E aí ele ficou mais ambientado e não chorou mais. Naquela época, o pequeno Pedro era gremista.

Gui bebezinho
Nesses 20 anos de Londrina, muita coisa aconteceu. Londrina é a cidade que mais vivi na minha vida. Sou praticamente pé vermelho. Nasci em Porto Alegre, onde vivi até meus 7 anos; morei em Santos dos 7 aos 18, quando saí para estudar em Assis e aos 21 vim para Londrina. Essa cidade me deu tudo. Até um filho, o Gui, que nasceu em 1998 no Hospital Evangélico.

O estranho é que muitos aqui me chamam de gaúcho. Claro, porque sou gaúcho. Quando vou para Santos, não tenho o sotaque caiçara deles. Quando vou à Porto Alegre, também não tenho o sotaque do portoalegrense. Ou seja, não tenho sotaque de lugar nenhum. E quando me perguntam de onde sou, digo que sou de muitos lugares e ao mesmo tempo de lugar nenhum.

Londrina completou 80 anos a semana que passou. E desses 80, estive presente nos últimos 20. A cidade se transformou e nos transformou. Ela era mais arborizada e verde, ao contrário dessa selva de concreto que é hoje; era a terceira cidade do sul, mas perdeu o posto para Joinville. Coincidência com a decadência da cidade crescendo para o céu com seus blocos de concreto e o descaso ambiental, sempre em nome do progresso - que não veio? Resultado de duas décadas de políticos corruptos, medíocres e incompetentes? Reflexo da falta de politização da população? Talvez de tudo um pouco. 

Porem, mesmo com tantos problemas, a cidade continua seduzindo a quem chega aqui pela primeira vez. Como em 1991, quando pisei pela primeira vez em solo londrinense, rumo à Florianópolis. Fui dar uma volta na cidade, pois o ônibus para a Ilha da Magia só saía à noite e eu tinha o dia inteiro pela frente. Desci na rodoviária e me apaixonei pela obra de Oscar Niemeyer. Até hoje acho a rodoviária mais bonita do Brasil, apesar da de Goiânia ser um shopping. Segui rumo à Uel pela avenida Higienópolis, encantado com a semelhança com a Paulista, no coração de São Paulo. E a Uel, à primeira vista, um dos mais bonitos campus de Universidades do pais. Mal sabia eu o que o destino me reservava dali a 3 anos.

Lembro do meu primeiro dia no VGD. Como esquecer aquela goleada sobre o Coxa? Foi um 4 a 0 que deixou a torcida deles desnorteada a ponto de provocar uma briga com grandes estragos em frente à Maternidade Municipal. Mas também, quem em sã consciência constrói uma maternidade colada a um estádio? Resultado do devaneio de algum fanático pelo Tubarão, para que os bebês já nascessem ao som dos gritos da torcida por mais uma vitória do glorioso LEC?

Festa após a vitória nos penaltis em Maringá
Nesses 20 anos de Londrina, acompanhando o Tubarão e sofrendo, vi a cada ano o desmazelo de diretorias que chegavam prometendo mundos e fundos e no final de seus mandatos, o clube cada vez mais empobrecido. 

Em 2014, a felicidade de um título frente a talvez o maior rival, o Maringá, dentro do estádio deles, em uma cobrança de penaltis para matar qualquer cardíaco. E o mais legal foi ter participado da invasão azul e branca à Maringá e ao Willi Davids. 

Antes da glória, muito osso. Como uma noite no VGD em que o Tubarão goleou por 8 a 0 e o placar do VGD não tinha o número 7; e quando, numa noite de segunda feira, final dos anos 1990, um jogo contra o Sorec, um time de Cascavel que beirava o semi profissionalismo. Porra, assistir Londrina e Sorec? Piada. Ou um jogo contra o CAC, em Cambé, em que ficamos em uma grama, sendo comidos pelos mosquitos, pois não havia arquibancada, em um jogo para lá de sofrível. E aquele uniforme horrível que tinha um tubarão na camisa e o técnico era o Nuno Leal Maia, tendo como auxiliar técnico o Saci? Realmente, não levavam a sério.

Mas também assisti a memoráveis embates da Série B no Estádio do Café. 

Tudo são lembranças. E como escreveu Oscar Wilde: o charme do passado é que ele está no passado.

domingo, 7 de dezembro de 2014

QUARENTENÁRIO - PEQUENAS HISTÓRIAS DE FIM DE ANO


Para o pessimista, terminará mais um ano; e começará outro, que será igual ao que está terminando: dias longos, longas noites mal dormidas, acordando de madrugada, semanas intermináveis, dias modorrentos, aquela velha e maçante rotina de sempre, que enlouquece qualquer um. Já os otimistas estão em polvorosa: um ano que se passa, renovar as energias, fazer planos (que nem sempre – a maioria das vezes – não serão colocados em prática) e começar o ano com o pé direito. Ou esquerdo, sei lá. Os mesmo dias longos e modorrentos, noites mal dormidas, semanas intermináveis, a velha rotina de sempre. Enfim, a vida seguindo seu rumo, dando o seu olá.

Sou daqueles que acha essa época do ano mágica. A euforia toma conta de mim. E minha alegria aumenta consideravelmente. Pode ser porque costumo tirar férias nessa época... sim, credito muito da euforia a essa expectativa. Mas também vejo o final do ano como a oportunidade de fechar as portas daquilo tudo que passou (não trancar para sempre, apenas fechar, talvez enconstar) e abrir as novas que estão logo ali em frente. Encostar as portas que ficaram para trás para depois poder olhar e dizer: foi legal! As conquistas, os dias ensolarados, os cinzentos, as barreiras ultrapassadas, as que não foram, as agruras da vida, os sonhos, as alegrias, as risadas, os choros... enfim, está tudo lá, guardados em nossas memórias. Basta lembrar. E nós, latinos, temos a mania de lembrarmos apenas das coisas boas e romanticamente as coisas ruins, quando lembradas, não vêm com os dissabores do presente. Li isso em algum livro do maravilhoso Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, que nos deixou esse ano e foi escrever seus textos maravilhosos por outras plagas. Aliás, estou me programando para reler Cem Anos de Solidão, o primeiro livro que li do Gabo e que me fez apaixonar-me por sua literatura, ainda adolescente.

O passado me fascina. Todos que me conhecem sabem disso. E quando olho para trás nunca me arrependo do que fiz e tenho esse estranho comportamento latino de romancear as coisas ruins e achar graça e até saudades. É impossível guardar mágoas de qualquer coisa assim.

“... no rádio toca uma canção que me faz lembrar você...”

E não é Blitz, mas Radiohead. E Thom Yorke está cantando

“… been thinking about you, your records are here…”

Arrasando!

O final de ano mais antigo que minha memória alcança é ainda em Porto Alegre, na casa da Carminha, lá na avenida Nonoai, que ao chegar em Teresópolis, vira avenida Teresópolis. Engraçado pensar no nome desse bairro: a terra das teresas... às vezes me dá umas de pensar no porquê dos nomes das ruas, dos bairros e até mesmo das cidades, embora esta última com menor freqüência. Até porque é mais fácil de descobrir. Toda cidade divulga em seu site a sua história.

Minha primeira namorada chamava Ana Teresa... o bairro que nasci, a terra das teresas...

Mas lembro de estar na casa da Carminha. Não sei o ano. A memória me trai justamente neste momento. E não lembro mais de nada. Apenas da euforia, muita gente, piscina, alegria, alegria. Não lembro quem estava, nada, nada... apenas da noite de ano novo ao redor da piscina. E isso pulsa na memória.

Depois os finais de ano em Santos, aquela felicidade extrema de todos, o ritual de se vestir de branco, ir para a praia ver a queima dos fogos. E tem dois momentos que gosto de lembrar e que vou compartilhar aqui. Um, ainda criança, por volta de 1982, no verão que a Blitz estourou com a canção Você Não Soube Me Amar. Só se escutava essa canção. E também as da Rita Lee. Lembro do disco que a Rita lançou no início dos anos 1980 e que fez um sucesso enorme. Queria usar um adjetivo mais forte para esse sucesso, mas as palavras me somem. Estava, nessa época, apaixonado por uma guria chamada Andrea. Era minha namoradinha. Bons tempos. Da Andrea não sei de mais nada. Quando mudou do 123 da Espírito Santo, ali no Bairro Campo Grande, ainda a vi por uma vez, conversamos um pouco e depois o tempo e a vida nos separou de uma vez por todas. Ficaram as lembranças e as saudades. Éramos duas crianças. Mas foi divertido.

E lembro dos preparativos, da ansiedade, todos de branco aguardando o relógio dar meia noite, a contagem regressiva. E o que vem à mente é eu andando pela Espírito Santo, à tarde, em frente à doceria Praiano, olhando o movimento, os carros (que definitivamente não eram os mesmos de hoje e muito menos a quantidade que vemos hoje) passando, a música alta nas casas e Doce Vampiro, da Rita, tocando em volume máximo, vindo de algum apartamento em que as pessoas estavam na empolgação total, maior do que todos.

“... and even though I might, even though I try, I can't…”

É isso que rola na ‘vitrola’ enquanto escrevo este post. E o disco da Radiohead vai terminando enquanto minhas lembranças fluem na minha mente. É o Pablo Honey, primeiro disco da banda. Divino!

Parece que naqueles anos 1980 as coisas demoravam mais para acontecer. Por isso tínhamos que aproveitar mais. Outro dia conversando com o Fábio, meu irmão que mora aqui em Londrina, falávamos sobre isso, a sociedade da fartura. Isso é bom e ruim, porque as pessoas não aprendem a valorizar as coisas e tudo se torna descartável. É o que acontece com as novas gerações.

Sociologicamente falando, o modo como nossa sociedade foi se organizando, valorizando acima de tudo o consumismo em massa, associando consumismo com felicidade (a droga da felicidade seria o consumo?). Os comportamentos foram se moldando a essas idéias da pós-modernidade. Ficar muito tempo no mesmo emprego já não é o comportamento esperado, pois demonstra uma personalidade acomodada, sem desafios; mais empresas surgiram, a concorrência acirrada passou a ser uma constante em nossas vidas. Mais e mais produtos, nem sempre imprescindíveis em nossas vidas surgiram e nos venderam a idéia de que não podemos viver sem eles.

Só que para consumir o novo é necessário descartar o velho. Porém, o descarte não passou apenas pelos produtos de consumo, mas atingiu também os relacionamentos, que passaram a ser cada vez mais fugazes e descartáveis. As pessoas passaram a ser vistas como produto. Sei de pessoas que se ‘vendem’ como um produto quando estão em busca de emprego.

Os discursos se moldaram (ou moldaram) a essa nova sociedade. Carpe Diem, expressão latina que significa aproveite o dia, foi difundida a partir do filme A Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989. Imperceptivelmente os discursos e as manipulações acontecem sem nos darmos conta. E muitas pessoas justificam suas impulsividades por aproveitar o momento único, que passa rápido. Não percebem que tudo deve ter um equilíbrio.

“Blame it on the black star
Blame it on the falling sky
Blame it on the satellite
That beams me home.”

Quem me conhece sabe que sou fissurado no passado. Mas não sou um velho saudosista amargurado. Muito pelo contrário, vivo cada momento intensamente, para depois poder lembrar de como a vida foi boa. E vou dizer uma coisa: a vida pré internet era muito melhor. Não por ser saudosista, mas esse ritmo de vida que impomos a nós mesmos é surreal. A vida vai passando escorrendo por nossas mãos, esvaindo. E não aproveitamos um terço do que aproveitávamos antes da internet.

A dona Sirlei, que criou cinco filhos sozinha, na raça e na coragem, coisa de gaúcho, pois o Flamarion a deixou com os cinco guris pequenos para criar, dava sempre um jeitinho de fazer nosso natal e ano novo o mais feliz de todos. Não havia a fartura que vemos hoje. Pelo contrário, tudo era contato e devidamente repartido. Mas sempre passávamos esses dias com muita euforia. E vez por outra íamos à praia para ver os fogos de ano novo. Também acompanhávamos a contagem regressiva pela televisão. Esta que ditava quando era a hora de trocar os abraços e dar as boas vindas ao novo ano e às pessoas que nos cercavam.

Outro ano novo que lembro com freqüência foi meu último solteiro, em 1991. Fui para a praia e amanheci vendo no horizonte navios parados aguardando seu momento de atracar no porto; milhares de pessoas de branco estourarem champagne e aos poucos voltarem para suas casas e a praia voltando a ficar deserta, mas com alguns insistentes como eu, sentarem na areia e aguardarem a primeira noite do ano ir embora e o sol nascer. E o mar sujo com as oferendas a Iemanjá e ao todos os santos.

Talvez tenha sido um presságio ao que viria a acontecer no ano seguinte, quando eu e a Juliana fomos morar juntos. Mas a passagem do ano de 1991 para 1992 foi sozinho, com meus ‘botões’ em meio à multidão desconhecida, ora encontrando algum amigo e a família, mas lá estava eu, só entre a multidão, o mar de gente, com uma garrafa na mão, aguardando a explosão e o êxtase da zero hora.

Eu tinha dessas, de ficar sozinho, de refletir sobre a vida, sobre as coisas ao meu redor. Lembro de férias em Santos, na adolescência, quando passava os dias na praia deserta, fora de temporada... um livro nas mãos, pensamentos e sonhos na cabeça... invernos na praia cinzenta e a cena se repetia; dias chuvosos, um guarda chuva, o muro da ponta da praia como assento, o mar aos meus pés e a companhia das gotas de chuva e o anoitecer devagar.

Tiveram outras passagens de ano na praia. Mas igual essa não. E só voltei a amanhecer na praia esse ano, em Canto Grande, Bombinhas, com minha família e meu irmão Rogério, a Terê e o Biel. Estávamos sem rumo, fomos para Floripa, que estava impraticável, depois decidimos que Bombinhas seria nosso destino e finalmente Canto Grande.


São algumas lembranças que passam pela minha mente, como um turbilhão. Tudo ao mesmo tempo, e vou organizando em palavras, o que é difícil. Primeiro porque as palavras escritas não têm o mesmo sabor, a mesma emoção da memória e que a Radiohead me proporcionam; segundo porque ao não escrever imediatamente, a idéia se esvai e se perde na mente. Nem sempre volta com a mesma naturalidade. Mas o que fica de registro é a essência.

O que nos reserva no futuro não sabemos. Talvez esteja escrito em algum livro do destino, sabe Deus. Tem uma canção que diz que

“O futuro é sagrado, ele só a Deus pertence...”

do primeiro disco da Uns e Outros, que por sinal tenho em vinil.
Mas esse destino que o futuro nos reserva não tem como saber a não ser vivendo e o tornando passado. E o passado ninguém tasca. Ele está lá, vivido, usufruído, aproveitado... não tem como apagar ou se arrepender. Simplesmente está lá. Para ser lembrado por toda a eternidade ou enquanto durar nossa memória, que além de fraquejar nos engana a todo momento. Mas é o passado que nos faz ser o que somos e com essas experiências que tomamos tantas decisões erradas e acertadas, marcando nossa essência, nossa alma.

“Don't leave me high, don't leave me dry
It's the best thing that you ever had
The best thing that you ever, ever had
It's the best thing that you ever had
The best thing you ever had has gone away.”

E no final, meus caros, é o que vale.