sábado, 29 de março de 2014

MÚSICAS DA MINHA VIDA - THE CURE - FRIDAY I'M IN LOVE

In my birthday uma das canções que embalaram a minha vida, a alegrinha canção dos soturnos Robert Smith e Cia. 
I don't care if Monday's blue
Tuesday's grey and Wednesday too
Thursday I don't care about you
It's Friday I'm in love

Monday you can fall apart
Tuesday, Wednesday break my heart
Thursday doesn't even start
It's Friday I'm in love

Saturday wait
And Sunday always comes too late
But Friday never hesitate

I don't care if Monday's black
Tuesday, Wednesday heart attack
Thursday never looking back
It's Friday I'm in love

Monday you can hold your head
Tuesday, Wednesday stay in bed
Oh Thursday watch the walls instead
It's Friday I'm in love

Saturday wait
And Sunday always comes too late
But Friday never hesitate

Dressed up to the eyes
It's a wonderful surprise
To see your shoes and your spirits rise
Throwing out your frown
And just smiling at the sound
And as sleek as a shriek
Spinning round and round
Always take a big bite
It's such a gorgeous sight
To see you eat in the middle of the night
You can never get enough
Enough of this stuff
It's Friday I'm in love

I don't care if Monday's blue
Tuesday's gray and Wednesday too
Thursday I don't care about you
It's Friday I'm in love

Mondays you can fall apart
Tuesday Wednesday break my heart
Thusrday doesn't even start
It's Friday I'm in love

QUARENTENÁRIO - 42 ANOS - OUTONO EM PORTO ALEGRE

Fachada HED - Hospital Ernesto Dornelles onde nasci
29 de março de 1972. Quarta feira de uma semana santa. Sexta feira, dia 31 feriado. Domingo 02 de abril, domingo de páscoa. Outono em Porto Alegre. Porto Alegre, Hospital Ernesto Dornelles.

“Nem tudo está perdido
nem sinal de pedra no peito
o horóscopo do jornal arriscou "um belo dia"
liguei o rádio na hora certa
era a canção que eu queria”

(Todo mundo sabe que não se deve começar um parágrafo com número, mas esse post não dava para começar diferente, escrever por extenso vinte e nove não teria o mesmo efeito. Também não é legal começar um parágrafo com parênteses, mas cometo essa heresia assim mesmo).

Até hoje não sei qual era a temperatura e como estava o clima daquele dia, meio de semana santa, outono em Porto Alegre

“Nem tudo está perdido
tudo em paz no reino da química
ninguém me telefonou enquanto eu dormia
sonhei com meu pai e ele sorria
chimarrão pra acordar era só o que eu queria”

frio, calor, ensolarado, chuvoso? Já pensei em procurar nos jornais da época para saber as notícias do dia, em Porto Alegre, no Rio Grande, no Brasil e no mundo. Na internet, infelizmente, anos atrás não tive êxito. Talvez se passasse na Zero Hora ou na biblioteca pública de minha cidade natal poderia saber o que acontecia no mundo, naquele começo de década.

15 horas em ponto (de novo começando com números um parágrafo)! Esse horário fatídico. Provavelmente em casa o cardápio era peixe. Minha (bis) avó católica fervorosa com certeza levava essa tradição católica a sério. Na verdade naqueles (não tão) longínquos anos de 1970 as tradições eram mais respeitadas do que são hoje. Eram outros tempos, outro mundo, outros valores, outras crenças. Eram outras pessoas. Éramos outras pessoas.

Imagino que era um dia ensolarado, nem quente nem frio (fresco não!), enfim um dia agradável para se nascer. O  chão forrado de folhas. O dia ideal para eu nascer. Três dias antes a cidade fizera aniversário. 200 anos. Pena não ser três dias depois e coincidir com a minha data, como ocorre com Curitiba e Salvador. Mas muito próximos, sempre achei isso motivo de orgulho (a gente tem orgulho de cada bobeira. E se pensarmos de forma racional tudo parecerá totalmente idiota. Ainda bem que a razão é deixada de lado muitas vezes. Seria um saco ser totalmente racional. É tão bom ser idiota por algumas vezes...). Foi num domingo o aniversário da cidade e Deus reservou para mim a quarta feira. Carros nas ruas, movimento grande de transeuntes no centro (rua da praia no ritmo de um dia de semana, com as pessoas indo e vindo, na correria do dia a dia, mas que em nada se compare com essa loucura dos dias de hoje) no meio da semana, talvez já na contagem regressiva para o final de semana e talvez começando a programar o final de semana.

Não lembro o último aniversário que passei com minha mãe. Com meu pai, que está com meu tio churrasqueando no céu então, muito menos. Provavelmente na primeira infância. Com tantos filhos, ele não teria tanto tempo para passar o aniversário com todos. Mas com a mãe, deve ter sido em 1991, meu primeiro ano de faculdade. A partir daí segui o ritmo da vida, o rumo da vida

“Eu vou no ritmo da vida
  vou no ritmo que a vida me levar”

os caminhos tortuosos (ou não) que o destino me reservou.  

Estou completando 42 anos neste sábado. O sétimo filho do meu pai. Se tivesse sete filhos, o sétimo teria poderes de cura, como diz uma lenda Irlandesa, que virou tema de disco do Iron Mayden. Virou filme. No Reino Unido acredita-se que o sétimo filho do sétimo filho tem poderes mágicos e na Argentina, que vira lobisomem. Não terei sete filhos, parei no segundo,o Gui. Não teremos um curandeiro ou alguém com poderes e até mesmo um lobisomem no mundo. Não vindo dessa árvore genealógica.

Quis o destino que minha mãe estivesse por aqui no meu aniversário de 42 anos. Legal receber os parabéns da mãe ao vivo, não por telefone ou por um frio cartão de papel. Há mais de 20 anos não sei o que é isso. Um sentimento difícil de explicar. Parece pouco para quem tem a mãe perto e que tem a possibilidade de passar a data em família. E que por ser rotina não valoriza isso. Mas não para eu, para meus irmãos, para minha família, que tem um irmão em cada canto do país. Reunir os cinco filhos da dona Sirlei é uma lenda. Quase impossível. Principalmente para descendentes de uma tribo nômade do Oriente Médio, como meu tio Luiz me informou antes de morrer. E os Silveiras carregam esse estigma nômade no sangue. E os de cinco gerações para cá (José Higyno, Laudelino, Flamarion, Márcio, Victor e Gui) têm forte essa marca da família. Tanto que o Victor já pensa em estudar fora, embora esteja cursando Física na Uel. E o Gui  já manifestou anos atrás o desejo de fazer curso superior nos EUA.  

“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz.
Veja você, quem diria, que ironia,
sem você eu sou feliz!

Outono em Porto Alegre
Nem tudo está perdido
outono em Porto Alegre
sou o dono dos meus passos sobre folhas mortas
o mundo fica pra outro dia
andar por aí era tudo que eu queria”

Por muitas vezes conversei com o Zé Renato (às vezes ao vivo, muitas em troca de cartas e algumas tantas por e-mail) sobre estarmos envelhecendo. Quando fizemos trinta nos achávamos jovens apesar da idade. Agora o que acrescentaríamos nesse bate papos? Sinto como há 20, 25 anos; sinto como quando fiz 15 anos e queria colocar na vitrola às 15 horas a canção XV Anos do Ira!, não por causa de numerologia, mas porque nasci às 15 horas, naquele outono de Porto Alegre, naquela quarta feira (semana santa), no Hospital Ernesto Dorneles. Também já quis ir ao hospital pesquisar algumas informações importantes daquele dia 29 de março de 1972. Mas não tive tempo... ainda... não tive tempo...

Como dizia, sinto minha cabeça como de quando tinha 15 anos. Não mudei muito nessas décadas que se passaram. A cabeça não muda, apesar das experiências e da maturidade que o peso nas costas trás. Continuo com a mesma voracidade de viver, de conhecer, de explorar que eu tinha nos áureos tempos da adolescência, da Mayday, daquelas tardes cinzentas sentado no muro da rua São Paulo, esperando o tempo passar entediado.

O que mudou? Tudo! O mundo mudou, meu corpo mudou, minha vida mudou. Graças a Deus, ninguém agüentaria quatro décadas todas iguais às outras. Tédio com um T bem grande... mas a mente, apesar das mudanças, continua a mesma. Os mesmos sonhos. Às vezes me pego sonhando acordado com uma banda, tocando bateria com a mesma galera, umas covers do Joy Division, do Smiths... o mesmo sonho adolescente... a cabeça continua a mesma (difícil reunir esses malas, Ronaldo em Sampa, Zé Renato em Vitória, eu em Londrina, Branco em Santos). O corpo muda. Para pior. Envelhece, apodrece. Mas a cabeça é a mesma, a mente é a mesma. Por isso costumo dizer que faço 42 anos, com corpinho de 25 (porque tenho o mesmo peso de quando tinha 25 anos) e cabeça de 12. Não é por ser retardado, como as pessoas imaginam e criticam de uma forma humorada; mas é porque a mente não muda consideravelmente como o corpo nos anos que se passam.

“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz!
Veja você, quem diria, que ironia
sem você eu sou feliz!”

Quando morava em Santos, tínhamos um amigo bem mais velho. O solitário “Santista”. Nunca soube o nome dele. Nunca saberei. Torcedor fanático do time da cidade, vivia contando histórias do passado. Uma enciclopédia em vida. Trabalhava nas Docas, morava perto da rua São Paulo, num porãozinho, como muitas pessoas moravam na década de 1980 em Santos, aqueles casarões antigos, cheios de cômodos e que viravam diversas residências para pessoas (bem) pouco abastadas. Não chegava a ser cortiço, mas era um lugar onde várias pessoas (não famílias em geral) alugavam um local para descansar seus esqueletos após um cansativo dia de labuta. Solitário, mas humorado, sempre nos parava na rua para bater um papo, para amenizar a solidão. E lembro quando fez “51 primaveras”. Era um dia especial para ele. Primaveras. Como achava estranho contar a idade pelas primaveras vividas. Nunca contei assim. Nasci no outono. Conto outonos. 42 outonos. Outono em Porto Alegre.

sábado, 22 de março de 2014

QUARENTENÁRIO - BATE BOLA


Na época do Mayday, em que buscávamos o estrelato, consumíamos tudo que caía em nossas mãos (e também o que íamos atrás) sobre rock. As revistas especializadas, as entrevistas das bandas que gostávamos, assistíamos a programas que apresentavam as bandas novas e as que estavam na mídia e principalmente no underground.

Nos encontrávamos semanalmente na Caneleira, aos pés do morro do Jabaquara, em Santos, para trocarmos as informações, ouvirmos fitas exclusivas e saber das novidades que estavam rolando nos undergrounds. Depois, altas horas, saíamos por aí, parando em botecos de periferia para beber e matar a fome com algum daqueles salgados conhecidos como “Jesus me chama”. Às vezes comprávamos pão e mortadela, goró e guaraná e matávamos a fome sentados em alguma sarjeta. Depois andávamos horas no meio da madrugada para voltarmos para casa.

Lembro de uma vez passar na TV Gazeta, então com slogam de “TV Desindexada” um especial do De Falla. E justamente nesse sábado que iria passar acabei indo para Sampa encontrar minha namorada à época. Pedi para alguém gravar o especial em VHS, mas poucos tinham acesso a essa tecnologia e acabei perdendo o especial. E assim que as informações eram divulgadas. Em tempos pré internet, saber das novidades era difícil, tinha que suar. Nessa época que estou citando, talvez 1988, 1989, minha banda predileta era o De Falla. Nunca assisti a esse especial da banda.

A TV Gazeta e a TV Cultura eram fontes de informação importantes, tendo programas que alimentavam nossa fome de novidades.

Como iniciei contando, era a época do Mayday e nós achávamos (acreditávamos) que seríamos pop stars, que teríamos uma banda de sucesso. E se tivéssemos insistido, acredito que teríamos conseguido o que almejávamos. Até uma dupla de compositores no melhor estilo Lennon/ McCartney, Jagger/ Richard, Morrissey/ Marr, o Mayday tinha: Johnny/ Márcio. O Johnny, no caso, era o Zé Renato, que usava o codinome Johnny Alienado. Eu era o Márcio Mayday, numa clara alusão aos Ramones, que utilizavam o nome da banda como sobrenome. Tinha ainda o Robson, que usava a alcunha Rato Branco e o Ronaldo, que utilizava Anarquista como seu sobrenome. Mas esses dois, o primeiro no baixo e o segundo na bateria, não compunham, o pouco que o Branco escrevia não dava para levar a sério e o Ronaldo nem se atrevia.

Sobre o Branco, tenho até uma passagem para ilustrar o que disse no parágrafo anterior. Certa vez ele veio com uma frase de efeito e no meio de alguma conversa nossa, disse: “milagres só acontecem após a Revolução”; isso deu um click no Zé Renato, um insight. Pediu para o Branco repetir; ficou empolgado e com essa frase na cabeça. “Gênio” disse para o Branco, que ficou lisonjeado com o elogio. Foi para casa e dias depois chegou com a letra que seria sua obra prima. A canção chamava-se “Milagres só acontecem após a Revolução” e tinha como co-autor Rato Branco. Precisava musicar, o que seria feito no momento oportuno.

Nesse mesmo período o Zé Renato fazia um fanzine (para quem não sabe, um informativo sobre qualquer coisa) que ele escrevia à máquina, numa Lettera 22 que havia comprado depois de assistir ao clipe de Angra dos Reis da Legião Urbana, como expressar nossa revolta e nossas contribuições para mudar o mundo, colando figuras recortadas de revistas, desenhando e depois tirando cópias e distribuindo entre nós. Então, aproveitando a inspiração gerada pela frase genial do Branco, mandou ver em um texto com o mesmo nome.

Dias depois, escutando um som na casa do Branco, que tinha o melhor aparelho de todos nós, um 3 em 1 da Gradiente, com duplo deck, ultra moderno, estava rolando um disco da banda Detrito Federal, de Brasília, claro. Com o encarte em mãos Zé Renato tem a decepção ao ver a letra de Vítimas do Milagre, que tem a seguinte estrofe:

“Não adianta sonhar com a salvação
Milagre só acontece depois da revolução.”

A decepção foi grande, para não contar a revolta e a raiva do Zé Renato. Claro que isso virou motivo de chacota e bullyng por muito tempo. Resultado: edição do fanzine cancelada e letra da obra prima devidamente rasgada e jogada no lixo. Lá se foi a obra prima do Zé Renato.

Eu tinha um caderno onde escrevia as minhas canções. Era um caderno espiral, pequeno, de 100 páginas, customizado na capa com diversas fotos de bandas, capas de discos e outras coisas da cultura pop que encapavam o caderno com papel contact, recortadas de revistas. Antes de começar a escrever minhas novas letras, o Zé Renato fez uma foto memorável da banda (na verdade um desenho) em que aparecia eu tocando guitarra e cantando, com um balão que representava o meu pensamento e nele tinha um símbolo de cifrão, demonstrando qual era meu objetivo principal: grana. Embaixo desse desenho, aparecia o próprio Zé Renato, tocando guitarra e com balão semelhante, simbolizando o seu pensamento e aparecia uma buceta, em uma época que nossos hormônios estavam em polvorosa e que só pensávamos em trepar; ainda virgens, em um momento que a Aids fazia os puritanos terem orgasmos múltiplos, assustando com discursos repressores e controlando a busca pelo prazer, Zé Renato já andava pela General Câmara, pagando por momentos de prazer com as “garotas de vida fácil”. Finalmente o Ronaldo, tocando bateria e com um pensamento que simbolizava um sanduíche, porque ele era meio Chaves e só pensava em comer, no caso comida. Acho que era larica mesmo.

A rua General Câmara, em Santos é a rua onde tem as boates de prostituição, perto do porto, estrategicamente para oferecer serviço aos marinheiros do mundo inteiro que vêm dos navios aportados por aquelas plagas.

O Branco tinha sido expulso da banda por suas mancadas, dentre as quais a citada acima.

Após esse desenho da Mayday e de seus integrantes, talvez a única imagem existente da banda, uma ilustração, uma charge, vinha uma entrevista que demos para a revista Bizz. Claro que era uma invenção que fiz, onde contávamos sobre nossas influências, sobre a Kaos, um dos primeiros nomes da Mayday, que mudou de nome por causa de uma banda já existente com o mesmo nome e tantas outras coisas, como a história da Mayday. A ‘reportagem’ apresentava a Mayday como a banda revelação daquele ano.

Só para fins de esclarecimento, quem deu nome à banda foi o Zé Renato, depois que o nome que escolhi, Kaos, foi descartado pelo problema citado. Ele escolheu o nome depois de assistir a um desenho em que alguém pedia socorro gritando mayday. Submeteu à galera e foi escolhido o nome.

Lembrando disso, escrevi um bate bola sobre eu, como se entrevistado fosse. Talvez falte alguma informação que em outro momento será acrescentado, mas como deve ser sucinto e direto, transcrevo abaixo, demonstrando quem sou na essência. Décadas após ter escrito a entrevista da banda, escrevo agora esse bate bola, dentro das comemorações do meu quarentenário.

Signo: Áries
Nacionalidade: Riograndense.
Naturalidade: Porto Alegre (o Guaíba possui o pôr do sol mais lindo do mundo).
Uma cor: azul
Um prato: arroz, feijão, bife a cavalo, batata frita e salada de tomate. Mas qualquer receita com batata é perfeito.
Bebida: suco de laranja batido no liquidificador. Sem gelo, a laranja deve estar gelada.
Um time: Grêmio, claro!
Esporte: Futebol, claro!
Uma banda: The Smiths. Mas não podemos esquecer da influência e importância dos Beatles e do Joy Division. E tantas outras bandas que fizeram e fazem minha trilha sonora a cada dia.
Um filme: Peg Sue – seu passado a espera. Sou fissurado em filmes que voltam para o passado.
Um livro: Olhai os lírios do campo.
Um escritor: Érico Veríssimo.
Mania: morder os beiços inferiores e dobrar a orelha, que deve estar gelada. Quando esquenta fica chato.
Márcio por Márcio: Gremista, gaúcho, psicólogo e roqueiro, sem ordem de prioridades, este sou eu. Um cara que errou, erra e errará pra caralho e que em alguns momentos fez a coisa certa.

sábado, 15 de março de 2014

NENHUM DE NÓS - UMA PEQUENA HISTÓRIA

A canção abaixo faz parte do primeiro disco da (banda) Nenhum de Nós. Escutei muito ela em tardes cinzentas (e ensolaradas) dos '80, sonhando com a mulher dos meus sonhos, geralmente em tardes de domingo entediantes, sem ninguém para ver ou conversar, sem nada para fazer, escutando para amenizar a indefectível dor de cotovelo que somos acometidos nessa fase da vida. Algumas noites quando chegava do trabalho, na Campos Mello e ficava no escuro olhando pela janela vendo o movimento dos carros na Afonso Penna, sentindo o cheiro da pizzaria que ficava na esquina da Afonso Penna com a Campos Mello, ao lado da linha do trem. Esta ficava entre o prédio que eu morava e a pizzaria citada. Nas madrugadas de sábado em que chegava em casa e via Mike Tayson acabar com seus oponentes em segundos, uma ida ao banheiro ou a cozinha para pegar água e perdia a luta tão divulgada durante a semana pelos canais de tv e seus programas esportivos.

O primeiro disco da Nenhum de Nós (que seguro com a mão esquerda na foto do post abaixo) foi meu companheiro de longos tempos de solidão e de crises existenciais da minha juventude. E a canção Uma Pequena História ajudou a passar por essa fase tenebrosa (e maravilhosa, diga-se de passagem). 

Também me inspirou a escrever algumas das canções da minha banda, o Mayday.





UMA PEQUENA HISTÓRIA

Sem querer
Eu sempre volto
Ela ri de mim
Me abraça
E quase me beija
Eu faço que não vejo
Só depois
Me dou por conta
Que fiquei calado
E além de beber demais
Ela fala por mim
Ela fala por mim

Quando fico trasnsparente
Ela ri de mim
Me confunde
Com um amigo
Eu faço que não vejo só depois
Me dou por conta
Que sorri demais
E além de ficar calado
Ela fala por mim
Ela fala por mim

UMA PEQUENA HISTÓRIA


O primeiro disco que comprei na vida, com meu dinheiro, foi do Capital Inicial, com dinheiro ganho dando aulas de matemática para meus colegas de sala, principalmente o Erik. Também dei aulas de matemática e português para o Branco. Todos eles passaram de ano. Era um bom professor. Meu irmão Renato teve aulas com o Flávio... repetiu aquele ano. Eu estava na sétima série e queria comprar um disco com meu primeiro “soldo”. Escolhi o disco meio ao acaso, por ser de uma banda de Brasília, mas por ser um disco proibido para menores de 18 anos (eu tinha 13).

Meus irmãos compravam discos todos os meses e eu comecei a comprar os meus. Todos os meses tinham as novidades do rock nacional em casa. Recém lançados, saídos do forno. A década de 1980 foi a década do rock nacional. O Fábio tinha o Dois e só depois de ter esse disco é que comprou o primeiro da Legião; também tinha o Nós Vamos Invadir sua Praia, dentre tantos outros, como do Lobão, do Barão. O Beto tinha o Viva do Camisa de Vênus, que eu, na inocência da pré adolescência e dos anos 80, não entendia porque era tão polêmico o nome da banda. A gravadora queria que os caras trocassem singelamente por Camisa, o que, claro, foi repelido por Marcelo Nova e banda. Perguntava para todos o motivo e nunca recebi explicação alguma.

O Rogério trazia discos dos Beatles, raríssimos, importados, piratas, do Iron Mayden, do qual é fã até hoje, John Lennon... o Beto fazia uma salada mista de Ted Nungent a Dio, Led Zeppelin, Sex Pistols. Foi assim que escutei pela primeira vez o Never Mind The Bollocks. Depois ele se perdeu, escutando música sertaneja (bah, que vergonha!). Certa feita disse a ele que escutar dupla sertaneja não tinha nada a ver com aquele cara que me apresentou na adolescência discos dos ACDC, Sex Pistols, Dio e tantos outros clássicos do rock mundial e que contribuiu consideravelmente para a minha formação musical.

Assim, com todos comprando discos, em casa havia uma discografia e tanto do rock dos anos 80. Foi o Fábio quem começou a levar uns discos de bandas punks de São Paulo, como Garotos Podres. Isso fazia de nossa casa uma “biblioteca” de discos e todos que queriam as novidades, bastava passar na casa dos Silveiras para escutar e algumas vezes pegar emprestado, gravar em fita cassete.

Meados de 1988, 1989, comprei o primeiro disco do TNT. Já escutava algumas bandas gaúchas, como Replicantes, Engenheiros e DeFalla. Aliás, achava o 1º disco do DeFalla afudê (o que acho até hoje). Replicantes e Surfista Calhorda eram imbatíveis, mas foi do Engenheiros que tive oportunidade de assistir ao show, no saudoso Caiçara Music Hall. Acho que foi meu primeiro show. Tinha uns 14 anos, arrumei uma namorada groupie, que adorava o Carlos Maltz. Claro que estou exagerando ao chamar a guria de groupie, mas tivemos um pequeno flerte naquele show. Em épocas sem internet, celular, sem tecnologia, não combinamos de nos encontrar mais. E nunca mais eu a vi; seu nome sequer eu lembro.

Antes de escutar as bandas gaúchas restava escutar Kleiton e Kledir, que sempre curti e que curto até hoje, mas que estava distante do que pode ser chamado de rock.

Aí comecei a escutar uma música no rádio, seguidas vezes, comentei com o pessoal e ninguém havia escutado ou sabia que canção era aquela que me paralisou, me deixava extasiado. Até que o Zé Renato decifrou o enigma. Como todo gaúcho, temos a mania de valorizar muito o que é de nossa terra; por vezes, incompreendidos, somos tachados de chatos. Os brazucas não estão acostumados com o orgulho e amor à pátria que os riograndenses têm.  E o Zé Renato me veio com a de que eu já sabia que era uma banda gaúcha e tal. O nome da banda? Nenhum de Nós. A canção? Camila, Camila.

Tempos depois comprei o disco da banda. E no final daquele ano, no amigo secreto, pedi o segundo disco do TNT. Em Santos, naqueles tempos, tinha a impressão de que eu era o único cara que gostava de TNT. Também consumia as coletâneas de rock que vinham do sul. Assim conheci Julio Reny e o Expresso Oriente e uma banda que mudou minha vida: Os Cascavelletes. A banda de (ainda) Flavio Basso e Nei Van Soria, recém saídos do TNT por divergência no som (eles queriam tocar o chamado pornobilly) e ainda contou com o grande Frank Jorge que tocava também na sua banda Graforréia Xilarmônica. Nessa coletânea tinha Morte por Tesão e a romântica Estou Amando Uma Mulher. Depois veio Nega Bombom, que estourou no Brasil inteiro por fazer parte de uma trilha de novela da Globo. É aquela da “punhetinha de verão”. Os Cascavelletes ficaram famosos também por tocarem certa vez no programa da Angélica, na extinta TV Manchete, para um público infantil a canção Eu Quis Comer Você. Não assisti essa apresentação, só anos depois, pelo youtube. Mas assisti ao DeFalla, no programa da Rosana Hermann, cantar It’s Fucking Boring to Death e a platéia sem saber patavinas do que dizia a letra, batendo palmas, como se estivessem em um show do Menudo.

Todo esse enorme preâmbulo é para dizer que minha eleição dos melhores dos anos 1980, eleição que fiz na época e que comungo até hoje, a canção mais bonita é Camilla, Camilla, com Tolices do Ira! ali do lado, palmo a palmo. E o melhor disco, Mudança de Comportamento do Ira!, com o primeiro do DeFalla bem próximo, ganhando por um focinho. Os Cascavelletes, foram a banda mais rocker da década.

Ah, os ’80... grande década, belas bandas. E belas histórias.

sábado, 8 de março de 2014

A DECADÊNCIA DA VELHICE

Emannuel Nery, Velihce, 1986

“A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas sim no fato de ainda nos sentirmos jovens.” (Oscar Wilde)

Não escrevo isso como algo que denigra a velhice ou como um preconceito para essa idade. Apenas para constatar que na velhice, a quietude caraterística, a maturidade que a experiência traz, deixa a vida monótona e que na verdade, tudo o que buscamos na juventude, essa paz interior que os mais velhos parecem ter, não vale nada e seria trocada pelas primeiras angústias que a juventude nos faz sentir diante das incertezas da vida, facilmente.

É  na juventude que temos a força física que impulsiona nossos sonhos; é nesse curto período de uma vida ainda mais fugaz que temos a ilusão de que tudo pode (e deve) ser do jeito que sonhamos e desejamos.

Penso nos meus heróis, que morreram antes de atingir a velhice, Jimi Hendrix, Jim Morrisson, Ian Curtis, Sid Vicious, John Lennon, Kurt Cobain, dentre tantos outros. Esses que foram ceifados da vida, no auge, que não viveram para demonstrar a decadência de suas genialidades.

E penso em tantos outros, que continuaram a desfilar a genialidade, por vezes duvidosa, mas que construíram uma vida produtiva chegando à velhice, não com o mesmo vigor, nem com a mesma criatividade de tempos outrora e sim com dignidade, casos de David Bowie, Johnny Ramone, Lou Reed e outros.

Quanta nostalgia ao ouvir suas canções antigas, quantos pensamentos saudosos das loucuras que fizeram quando viviam os excessos de quando compuseram essas mesmas canções que hoje nos levam à loucura pela beleza e pela qualidade, enfim pela genialidade.

Alguns desses ídolos morreram antes mesmo de eu ter nascido ou de eu ter contato com suas obras. Será que isso significa que eles não morreram? Será mesmo que o fato de suas obras sobreviverem ao tempo e até hoje são idolatrados, o fazem imortais? Isso não seria apenas apelo poético para amenizar suas ausências em nosso quotidiano?

Ouço essas mesmas canções compostas há 20, 30, talvez até 40 anos atrás e sinto uma nostalgia de algo que não vivi e fico imaginando o que cada um desses caras faziam para aproveitar a vida (e a capacidade) que Deus lhes deu: a mulherada cercando, a cambada de puxa saco, a mídia, os paparazzi, as facilidades que a fama e a grana podem oferecer (para o bem e para o mal)... 

Pouco sabemos; e o pouco que sabemos, através da imprensa da época, das biografias, da história contada nos livros, da história da cultura pop e do rock, do google, nos leva a imaginar mais, delirar sobre cada passo de cada um deles. Por exemplo, o que David Bowie fazia numa tarde ensolarada, como este 15 de novembro de 2013, no efervescente início dos anos 70, enquanto Pin Ups, de 1973, estourava nas rádios e nas vitrolas do mundo todo? O que se passava pela cabeça de Lou Reed quando saboreava o sucesso de Wait, do disco Street Hassle, de 1978? E Ian Curtis, na cinzenta Manchester de final de década de 70, com seus amigos que posteriormente formariam o New Order, tempos em que saboreavam senão a fama, a exposição excessiva? O que comiam, o que bebiam, o que sonhavam, com quem trepavam?

Li muito sobre Bowie e Reed, assim como Ian. Também assisti a uma caralhada de filmes sobre o front man do JoyDivision. Nem por isso sei o que ele pensava ou o que se passava pela sua cabeça quando resolveu dar cabo à própria vida na sua cozinha. Será que não tinha lugar melhor para se matar, ou forma menos dolorida? Passa isso pela cabeça de quem vai se suicidar: ok, vou me matar na sala porque é meu local predileto; ou, vou me matar no banheiro para causar maior impacto em quem me encontrar; ou ainda, vou me matar no escritório, para que as pessoas confabulem sobre as causas que me levaram a tal ato.

Mas e à velhice, será melhor não chegar a nossa forma mais decadente fisicamente e morrer no auge de nossa capacidade física e mental? Conseguir passar pela inquietude e chegar próximo ao que poderia se chamar de nirvana em vida, ou seja, a tranquilidade e a maturidade que somente os anos vividos e a experiência são capazes de nos propiciar?

Perguntas, perguntas, perguntas. Sem respostas!... perguntas sem respostas. Quem poderia ter a resposta mais certa? Algum oráculo? Ou John Lennon poderia vir em espírito e explicar que ele preferia chegar (e passar) dos 68, como seu parceiro Paul? Ou ao contrário, morrer aos 40 e passar à imortalidade é muito melhor, como diz a letra de MyGeneration do Who: Espero morrer antes de ficar velho (o que aconteceu com o baterista Keith Moon e não com Pete Townshend)?

O medo de envelhecer é uma característica de quem tem síndrome de Peter Pan, aquele gurizinho que vivia na terra do nunca e que não envelhecia. E a velhice, aos poucos faz com que nosso corpo fique mais feio, nossas feições mais enrugadas, não tenhamos a mesma agilidade física ou mesmo psicológica e mental, sem a mesma capacidade ou mesmo interesse pelo sexo; o surgimento das rugas e dos cabelos brancos, que fazem da nossa aparência mais cansada...

Por certo, e muitos poderão assinalar, coisas boas devem surgir com o passar dos anos e com a velhice. Como já disse, a sabedoria e a maturidade, a calmaria, as (muitas) histórias para contar, a experiência. Seria isso a vantagem de se atingir a velhice?

Quisera chegássemos a idade mais longínqua não só com a sabedoria e a experiência, mas também com o ímpeto e vigor da juventude, com a mesma vontade de mudar o mundo que tínhamos no princípio de nossa vida adulta. Será que o frágil corpo e seus órgãos cansados aguentariam tamanha adrenalina? Dessa forma, todos morreriam por seus ideais.

Sempre penso que deveria ser o contrário, viver como bunda mole quando jovem e chegar à velhice como um revolucionário. O mundo seria um lugar melhor para se viver. E deixaríamos de ver muitos pensadores e revolucionários virarem covardes e corruptos.

No final das contas, acredito que a decadência da velhice não são as limitações do corpo, mas virar um acomodado, bunda mole sem ideais e aquietar os seus desejos e sonhos em prol de uma segurança covarde.  


Obs.: escrevi o texto no feriado da Proclamação da República.

segunda-feira, 3 de março de 2014

QUARENTENÁRIO - O PRIMEIRO ANO DO COMEÇO DE NOSSAS VIDAS - PARTE II

Pátio da EESG Prof. Primo Ferreira
Em 1989 terminei o Segundo Grau, o que hoje chamam de Ensino Médio. Sem orientação, sabia que precisava fazer algum vestibular. Não sabia o curso, mas tinha que ser alguma coisa que tivesse a ver com matemática, porque era a disciplina que eu mais gostava e que tinha as melhores notas. Da 6ª série até o 2º ano do Segundo Grau eu tirei nota máxima nessa disciplina, em todos os bimestres. Então tinha que ser em exatas, em humanas ou biológicas eu não me daria bem.

Estudei o ensino médio no Primo Ferreira, uma escola estadual das mais conceituadas em Santos na década de 80. Quando terminei o ensino fundamental em 1986, a época chamado ginásio, ainda no primeiro grau, não sabia onde estudar. Como me dava bem em matemática e em todas as disciplinas de exatas, queria fazer um curso de eletroeletrônica no Senai, ou um colegial técnico no Escolástica Rosa, na ponta da praia. Também queria fazer Medicina, desde pequeno tinha esse desejo.

Sempre tive essa mania de querer fazer várias coisas. Mesmo que elas fossem antíteses. As contradições da minha vida!

O curso no Senai era integral, então não poderia estudar lá. Precisava trabalhar e estudar a noite. A idéia de estudar no Primo foi amadurecendo. Certa vez, conversando com o saudoso Quinho, que estudava no Primo já a alguns anos e não conseguia sair do primeiro ano, me orientou a não estudar lá, pois era muito difícil e eu me daria mal, dando exemplos como os dele, do João Maria (irmão dele), do Amaral e de mais alguns que jogavam bola conosco, todos amigos dos meus irmãos mais velhos. Resolvi estudar lá como um desafio e mostrar para eles que eu era “o cara” em se tratando de estudo.

Como ainda tinha o desejo de fazer Medicina, resolvi estudar no Primo também porque na época era dividido entre Biológicas, Humanas e Exatas. Escolheria Biológicas, para me aprofundar nessa área. Entretanto, desisti da área biológica e da medicina quando descobri que odiava biologia. E novamente não sabia o que fazer depois de terminar o segundo grau.

Claro que passei todos os anos com notas excelentes e deixei todos que tinham me orientado a não estudar no Primo para trás. Mas a dúvida permaneceu durante todo o segundo grau: o que estudar, qual faculdade cursar? Medicina já tinha desistido; Engenharia não era o que eu queria estudar, por causa das aulas de desenho geométrico do professor Wandevaldo, um carrasco.

Corredores da EESG Prof Primo Ferreira
A sala de aula dele ficava trancada; ele tinha o mapa de todas as turmas, sempre tínhamos que sentar no mesmo lugar; se aparecesse algum material quebrado ou estragado, uma prancheta riscada, ele sabia quem era e o responsável estava simplesmente fudido. O controle dele era total. E as aulas, claro, como não poderiam deixar de ser, eram terríveis, ele era exigente, amedrontador... era na disciplina dele que o pessoal se ferrava e reprovava por anos. Os caras mais bagunceiros da sala, os descolados, nas aulas do Wandevaldo ficavam intimidados, agindo como cordeirinhos. Por todo esse clima de terror, decidi que não queria fazer Engenharia, mesmo tendo me dado bem nas aulas do Wandevaldo. Como não queria ser professor de matemática, mais uma carreira tinha sido descartada, ou melhor, mais uma área havia sido descartada, a área de exatas. Sobrou humanas.

Nunca me dei bem em Geografia, História, Filosofia, até mesmo Português. Embora tivesse notas boas, eram mais por decorar as coisas (tinha uma memória de dar inveja) e menos por entender a matéria. Mas era o que restava, na minha limitada cabeça, estudar um curso na área de humanas. Aí veio o insight, o estalo.

Em uma daquelas madrugadas em claro, sempre meio depressivo, típico da adolescência, estava lendo o dicionário. Isso porque não tinha nenhum livro, gibi, revista Placar, ou qualquer outra coisa para ler. Abri o Aurélio e comecei a ler o significado das palavras, quando deparei com uma que me chamou a atenção: esquizofrenia. Claro que não lembro a definição tão limitada quando a minha cabeça, da palavra, mas me identifiquei e comecei e me preocupar, acreditando que eu fosse esquizofrênico.

Aliado a esse pensamento, conheci uma das melhores professoras que tive: infelizmente não me recordo o nome, talvez Josiane... o fato é que ela era Psicóloga e dava aula de Filosofia. Ela era simpática, alegre, jovial e muito bonita. Me aproximei dela e, claro, me apaixonei. Um amor platônico, diga-se de passagem, uma adolescente de 16 anos, magrelo e feio, jamais teria chance com ela, até porque era noiva e nos anos 80 do século que se passou, essas coisas eram realmente sérias. Através de nossas conversas é que decidi que queria fazer Psicologia. Lembro até hoje o dia em que ela chegou eufórica, dizendo que tinha montado sua clínica. Estava no segundo ano do segundo grau.

Era a segunda vez em que me apaixonava por uma professora. A primeira havia sido a professora Ângela, de matemática, do Dino Bueno. Na verdade também tive uma paixão platônica pela professora de Desenho do Dino Bueno, mas essa era alvo da paixão de todos os alunos, uma vez que era uma loira muito bonita. Infelizmente minha memória não é mais como outrora e não lembro o seu nome. Talvez o Quinda consiga me lembrar isso ou mesmo meu irmão Renato. Eles são bons nisso.

O ano passou, eu passei direto para o terceiro ano e não mudei de idéia. E o terceiro ano passou como um tufão... e eu não desisti da idéia de fazer Psicologia. Mas antes disso, ainda fiz vestibular para o curso de Economia na Universidade Católica de Santos, Unisantos.

Fachada da Unisantos nos anos 1970/ 1980

E o destino sempre colocando as mangas de fora, o fez dessa vez. O ano era de 1990. Fiz a inscrição no vestibular e estava crente de que as provas seriam domingo e segunda. O Branco também havia se inscrito, não me lembro em qual curso. Mas não me avisou que as provas seriam sábado e domingo, o mais óbvio, ao invés de domingo e segunda. No sábado à noite, quando fui ver onde eu faria as provas e tudo mais, fiquei sabendo que o primeiro dia de provas havia acontecido naquela manhã.

Quando no domingo cedo fui fazer a prova, o fiscal me olhou assustado, não entendendo porque um cara falta em um dia e vai em outro, se já estava desclassificado. Eu fui, mesmo sabendo disso, porque queria ter uma ‘experiência’ de vestibular.

Atribuo ao destino mais esse lapso na memória. Se tivesse feito o vestibular certamente teria passado e hoje não estaria aqui escrevendo nesse blog que leva o nome de um texto de Freud, o pai da Psicanálise.
Aquele ano de 1990 foi uma no que fiquei sem estudar, o primeiro na minha vida, uma vez que decidi que não faria cursinho pré-vestibular; queria me dar uma licença sabática, mesmo sem entender o que era isso naquela época.

No final de 1990 decidi que faria vestibular na Unesp, o Vunesp. Durante muito tempo, depois de ter passado no vestibular, acreditei que estudaria na Vunesp. Me inscrevi no vestibular e como poderia escolher 3 opções, a primeira foi Psicologia, a segunda Jornalismo e a terceira Publicidade. Em uma delas eu passaria, pensei. Eram 3 áreas que me chamavam a atenção. Se tivesse feito uma orientação vocacional, certamente daria uma dessas 3 áreas, porque sempre quis trabalhar com a minha imaginação e com a minha criatividade, pontos que sempre achei que eram os mais fortes em mim. Embora fosse craque em matemática.

A prova seria no final de dezembro daquele ano. Eu não estudei nada, não abri sequer um livro para me preparar para o vestibular. O local de prova seria uma escola na avenida Paulista, em São Paulo, próximo ao Shopping Paulista (que curiosamente não fica na avenida Paulista). Outro fator que estava por me fazer desistir de subir a serra para fazer o vestibular, que era em 3 dias (quinta, sexta e sábado) é que minha namorada, que morava em São Paulo, passava as férias na casa da avó, em Santos. Esses 3 fatores foram determinantes para me desanimar e quase desistir de fazer o vestibular daquele ano: não estar preparado, viajar para São Paulo e minha namorada, que eu só tinha para aproveitar durante as férias e justamente nesse período eu faria o contrário dela, subir a serra enquanto ela descia.

Foi quando o Wagner, companheiro dos tempos de Dino Bueno e de tardes chuvosas e cinzentas de férias de julho jogando xadrez, botão e escutando Legião Urbana, me impediu, quando comentei com ele que não iria porque estava despreparado e que só perderia tempo e dinheiro, dizendo que eu tinha que ir porque já estava inscrito e que nada poderia fazer eu desistir e que eu era inteligente e que certamente eu passaria, mesmo sem ter estudado. Vi que ele tinha razão e segui seus sábios conselhos e na quarta feira fui para São Bernardo, onde meu irmão Beto morava, estudante de Engenharia na FEI, numa república.

Colégio Rodrigues Alves - provável local onde fiz vestibular em SP
Logo cedo, na quinta feira, ele foi trabalhar e me levou até à charmosa avenida Paulista. Lembro de ter tomado o desjejum em uma loja do Bobs: X Salada (o nome que eles davam a esse lanche eu não sei), batata frita, refrigerante e milk-shake. Terminei de comer, me despedi do Beto e fui para o meu destino. 

Primeiro dia: prova de conhecimentos gerais; de 80 questões, apenas 22 acertos; não comecei bem. Meu maior motivo para não ir fazer o vestibular era a perda de tempo, uma vez que não estava preparado. As questões eram fechadas, de múltipla escolha. Nunca me dei bem nesse tipo de prova. Gostava de escrever, de colocar minha criatividade e imaginação em prática.

Certa vez, na segunda série do primário, em uma prova de História a pergunta era sobre quem havia rezado a primeira missa no Brasil. Bah, eu não sabia a resposta adequada. Mas só podia ter sido um português, pois eles descobriram o Brasil (só para entenderem meu raciocínio). E português, qual melhor nome do que Manuel e Joaquim? Como havia estudado, poucos eram os ‘Manuéis’ e muitos os ‘Joaquins’ que fizeram a nossa história. Não titubeei e tasquei a resposta:

A pergunta da prova: quem rezou a primeira missa no Brasil? Minha resposta, simples e direta, mas com convicção e lógica: foi Joaquim. Meu irmão Fábio lembra disso com muita zombaria. Eu caio na risada todas as vezes que lembro. Pena não ter essa prova guardada para a posteridade. É um clássico!

No segundo dia de prova as questões eram dissertativas e de conhecimentos específicos: História, Geografia, Língua Portuguesa. Respondi a todas as questões. Não ser fazer vários rabiscos e deixar minha prova toda suja. Segundo o Branco, tinha me ferrado por rasurar a prova demais. Mas tinha ido bem. Essas rasuras, pelas informações ‘balizadas’ do Branco, tinham feito eu perder pontuação.

Terceiro e último dia de prova: Redação e Língua Estrangeira. No meu caso, havia escolhido Inglês. A redação era a música do Titãs Comida.

Naquele final de penúltima década do século XX a administração de Santos era a cargo da Prefeita Telma de Souza. Uma mulher que mudou a história de Santos, tendo feito um trabalho excelente, desde a despoluição das praias a diversos projetos desenvolvidos no campo social. Três problemas dificultaram sua vida política após (na minha concepção): ter elegido seu sucessor um prefeito fraco, ser do PT e ser mulher.

Seu sucessor, David Capistrano, não conseguiu imprimir o mesmo ritmo de Telma e fez uma administração difícil; ser do PT até hoje gera sentimentos de terror aos ignorantes, à classe dominante e aos formadores de opinião, à mídia em geral; e ser mulher, apesar de São Paulo ter elegido na mesma época como prefeita uma nordestina, era um tabu uma mulher no poder.

Um dos programas sociais de Telma foi utilizado por mim na redação. O tema não poderia ser melhor para quem tinha um irmão comunista e um avô que participou da coluna Prestes, que havia votado para presidente no primeiro turno em Brizola e no segundo em Lula. Nunca fui comunista ou socialista, mas sempre me considerei de esquerda e contra o capitalismo, tendo noção de que esse regime é totalmente injusto.

Ao voltar para Santos, a mãe da minha namorada perguntou como eu tinha ido. Respondi da mesmo forma que o fiz para todos que me perguntaram: “foi fácil demais. Ano que vem, quando eu estudar, fazer cursinho e tal, eu passo!” E assim segui meus dias, paciente e sem muitas expectativas.

No dia que saiu o resultado, estava trabalhando de manhã, como qualquer outro dia. Minha chefe, dona Elza Gonçalves de Oliveira, como era rotina, pediu para eu comprar o jornal O Estado de São Paulo, uma média (como chamam o pão francês em Santos) e um tablete de polenguinho. Era uma terça feira daquele ano de 1991. Acho que era o mês de fevereiro. Quando abri o jornal e procurei a lista dos aprovados e vi meu nome, a alegria era tamanha que não consegui segurar a euforia. Até então a maior emoção da minha vida. Na hora do almoço, ao chegar em casa para contar a notícia, subi tão rápido que a xereta da dona Florinda (sim, eu tinha uma vizinha chamada dona Florinda e eu não era o Chaves e nem o seu Madruga) achou que eu estava cagando nas calças.


Ali, naquela terça feira de fevereiro de 1991 que tudo começou a mudar. O que contei até aqui foi para ambientar o que vem pela frente. Uma vida de sexo, drogas e rock and roll. Com uma pitada de psicologia no caminho e somente com drogas lícitas, como coca-cola, hamburger e outras coisas desse gênero.