sexta-feira, 23 de abril de 2010

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, SUBJETIVIDADE, APARTHEID PROFISSIONAL E SUICÍDIO


Já li muito sobre a apreensão da subjetividade do trabalhador pelo capital, pela organização do trabalho. Diversas são as formas e os objetivos. A perversidade do capital no discurso de autonomia e flexibilidade desorganiza o trabalhador psiquicamente, gerando entre outras coisas culpa e sentimento de fracasso, rebaixamento da auto-estima. O indivíduo se cobra muito mais, por isso não precisa ser controlado. É um discurso que culpabiliza o trabalhador pelo seu fracasso profissional.

Entendo que há oportunidades que não são absorvidas por falta de qualificação. Porém, muitas vezes a qualificação é superior ao necessário, ou seja, desvaloriza-se o indivíduo, uma vez que o seu conhecimento, sua vivência, suas capacitações não servem. E se a ele não é dado a oportunidade, por falta de qualificação, de quem é a culpa? Do mercado que não absorveu a sua mão de obra ou dele que não soube se qualificar?

Há algum tempo atrás, quando era colunista do Jornal de Londrina, escrevi sobre o que denominei à época Apartheid Profissional, ou seja, a divisão de trabalhadores empregáveis e não empregáveis, uma segregação que muitos indivíduos sofrem no mercado de trabalho. Há profissionais com empregabilidade e outros tantos (a grande maioria) conseguem sobreviver em sub empregos ou mesmo ficam à margem da sociedade produtiva.

Quando se trabalha com RH, principalmente com seleção de pessoas, a vida e o destino de muitas pessoas podem estar de alguma forma indireta, nas mãos do responsável pela seleção. Lembro de casos em que se não ficasse horas conversando com o candidato, o resultado negativo poderia levar a consequências negativas. Um caso específico de uma candidata extremamente pessimista que me preocupou e cheguei à conclusão de que caso não amenizasse a resposta negativa, ela sairia dali direto para o suicídio. Taí a importância de psicólogos serem responsáveis por processos seletivos nas organizações, na minha opinião

Li sobre uma garota que se suicidou na Inglaterra após ser rejeitada por uma centena de empregos (detalhes aqui). Segundo um bilhete que deixou para os pais e namorado, ela sentia-se humilhada e envergonhada, após estudar em uma universidade de Londres e ser rejeitada nas mais diversas vagas de emprego (desde vendedora, garçonete e atendente de lanchonete) "não quero mais ser eu" teria sido uma das frases utilizadas na carta escrita momentos antes de tomar uma overdose de remédios.

Sem entrar muito a fundo do assunto, a perversidade dessa situação demonstra o quanto estamos perdidos nesse início de século. Perdidos porque nossos valores não nos servem, porque temos que absorver o que nos é dado goela abaixo. Só para título de conhecimento, nossa subjetividade é formada pelos nossos afetos, sentimentos, nossos pensamentos, nos vínculos que temos, no trabalho, nos outros com quem nos relacionamos. O aprisionamento da subjetividade significa aprisionarmos nossa essência.

Assim, deixamos de desejar por nós mesmos para desejar aquilo que nos é imposto. Quando, só para citar um exemplo atual, o indivíduo de tanto escutar Lady G(eca)aga (ou qualquer outra merda que a indústria cultural insiste em nos bombear) passa a gostar e a consumir sua música, demonstra estar sendo controlado; o indivíduo acaba cedendo à pressão. É como se suas idéias, pensamentos, desejos, estivessem aprisionados em uma lógica de consumo capitalista, sendo imposto sentimentos e desejos que não são nossos. E para isso a propaganda serve, fazer desejarmos aquilo que não necessitamos.

2 comentários:

  1. Olá Márcio,
    É a velha questão do sentido do trabalho. Quanto mais só reproduzirmos, maquinificarmos, mais seremos reconhecidos como 'funcionário do mês'. Quando percebemos nossa aniquilação constante e incessante, sofremos física e psiquicamente. Aí já não somos interessantes para o mundo do trabalho. Quem conseguirá acompanhar as exigências renovadas para se colocar com empregabilidade? O fazer, fazer, fazer .... Não se precisa pensar, isso é para o dono do negócio (e seus adestrados). Esse é o mundo do psicólogo organizacional consciente, um gasto de energia tremendo na tentativa de conciliar o inconciliável.
    Abraços
    Sônia Carreri

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  2. Pois é Sônia. Estive pensando na 2ª feira na aula da Ileize, sobre o suicídio oriundo do sofrimento psíquico dos trabalhadores. Me veio à cabeça que a organização do trabalho propicia esse sofrimento, porém nem todos os trabalhadores se suicidam, como Dejours esclarece, todos nós desenvolvemos as estratégias defensivas, mas alguns não suportam. Entretanto, mesmo que não suportem, não saem se matando. Me ocorreu que a vida da pessoa tem outras variáveis que podem afetar nessa decisão de tirar a própria vida. Então, seguindo esse raciocínio, não só o trabalho faz sofrer, mas a própria vida, uma vez que este domina o indivíduo em todas as instâncias (privada e pública), como bem demonstrou Enriquez (se não me falha a memória).

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