segunda-feira, 20 de abril de 2015

EPOPÉIA DO PEDAL

Esse ano a galera do futebol resolveu inovar com uma idéia genial: criaram um grupo do pedal. Não é exatamente toda a galera do futebol, mas uma pequena parte. A mesma galera do Quinteto do Penta, que foi para Maringá ano passado na final do Paranaense e que festejou o tetra do Tubarão nas terras da cidade canção, na famosa invasão alvi-celeste daquele domingo ensolarado e alegre.

Quinteto do Penta e a invasão azul a Maringá:
Jé, Thaigo, Eu, Ju e Xandy
A idéia da bike foi sensacional. Eu já estava a utilizando para ir ao trabalho, como uma forma de me exercitar nos dias que não ia correr. Começou assim minha historia de biker. Há anos quero comprar uma bike, mas sempre ia adiando e andando com a que esta em casa há tempos e que por muito tempo ficou parada. Pois bem, comprei finalmente. Não ‘aquela bike’, mas uma simplesinha, com minha mania de economia. Aproveitei e comprei capacete e luvas, o que não pode faltar para um autêntico biker. A diferença entre um andador de bicicleta e um biker: o capacete.

Minha mania de economia é confundida com pão-durismo. Intriga da oposição; exagero dos meus detratores. Primeiro que para ser pão duro o caboclo tem que ter grana, o que definitivamente não é meu caso. Segundo porque... sei lá, só tem primeiro mesmo. O fato é que me contenho com arroubos de gastar e também com supérfluos, impulsionados pelo capitalismo e pela mania do consumismo. Compro aquilo que realmente vou utilizar, somente o que me é util. Por muito tempo não tive um celular e por tantos outros anos não tinha esses mais modernos, os tais smartphones. Tudo porque não achava útil. Por causa disso sou extremamente criticado, um pouco pela minha língua afiada. Por achar supérfluo sempre sou mal compreendido.

O fato é que não compro coisas porque os outros falam ou porque os outros têm. Só aquilo que julgo necessário para minha vida atribulada, confusa e enrolada. Seja moda, tendência ou a porra que for, isso não me seduz. Marqueteiros se fodem comigo. Sou punk prá caralho!

Desde que começamos a andar de bike, o grupo ainda não conseguimos reunir o quinteto do penta, que ficou para o ano que vem (o penta do Tubarão), com a derrota ontem na capital. Mas logo teremos esse prazer, com, quem sabe, o reforço do Mathias que entrou para o grupo, por enquanto só do whatsaap. O prazer de reunir todos e de ser penta estadual.


Dentre os percursos que fizemos destaco a recente ida até o pedágio mais caro do mundo, que fica na cidade de Jataizinho, que ida e volta da minha casa deu 64 km. Foram quase 5 horas de pedalada constante, entre subidas, descidas, muitos acidentes geográficos. Não foi exatamente uma trilha rural, mas foi bem divertido, principalmente por testarmos nossos limites.

Nossos encontros têm ocorrido sempre aos sábados, ora de manhã, ora na parte da tarde. E, neste sábado, com desfalques do Ju , do Thiago e do Xandy, combinei com o Jé de darmos um role. Ficou combinado de nos encontrarmos na rotatória da Rio Branco com a Leste/ Oeste, região central de Londrina, uns 6 km de casa e uns 4 km da casa do Jé. Nosso destino? A vizinha cidade de Cambé, a Oeste de Londrina.

Já fizemos trilhas pelo sul e pelo Leste da cidade. Faltava irmos em direção ao Oeste. Uma incursão pelo velho Oeste? Sim, só que ao invés dos cavalos, as bikes e ao invés do cantil de água, uma parada no supermercado mais próximo para nos abastecermos do isotônico mais famoso do mercado.

Chamei o Gui para ir comigo. Ele, para minha surpresa, topou. Isso significava duas coisas: nossa velocidade média cairia consideravelmente; nas subidas mais acentuadas ouviria um tanto assim de reclamação. Mas é muito gostoso dar umas voltas com o Gui, mesmo ele sendo de poucas palavras e resmungão. E toda vez olho para trás e vejo ele vindo, na maior tranqüilidade. Andar com o Gui tem mais: não suar. Andar naquele ritmo tranqüilo, parecendo que temos todo o tempo do mundo. E não temos?

Tracei o melhor caminho na cabeça para chegarmos ao local combinado com o Jé, sem pegarmos muitas subidas. E lá fomos nós. Não sem antes nosso herói de plantão, Gui, fazer das suas e se recusar a ir de capacete. Aquele pequeno stress, que se não tiver, não é o Gui.

E lá fomos nós. Antes uma pequena explicação: Londrina é uma cidade nova, de 80 anos e cujo maior problema (ou um dos maiores) é a mobilidade urbana. E parece que nossos engenheiros de trânsito fizeram o curso por correspondência, porque só fazem merda. Cito dois exemplos ridículos de cagada: a tal “ciclovia” em volta ao lago Igapó e o aterro. Primeiro que a pista de bicicleta não pode ser chamada de ciclovia. Uma via deve levar de um lugar para o outro e a pista citada, apenas contorna o lago. Isso fudeu todo o transito da região. Se antes tínhamos duas ruas com pistas de ida e volta, agora só temos uma opção de saída. Os congestionamentos são constantes nos horários de rush; outro exemplo da idiotice desses “profissionais” é a saída o Catuaí, pela Madre Leônia. Simplesmente eles fecharam todos os retornos para quem vai para o Leste e tudo desemboca na rotatória da Airton Senna com a Madre. E o resultado? Mais congestionamentos.


Em suma, não temos ciclovias. Uma promessa de campanha do atual prefeito, que para variar, não cumpriu e nem se ouve qualquer menção sobre o fato, o que nos leva a crer que era só mais uma promessa de campanha, como de tantos políticos profissionais (no sentido pejorativo) que ouvimos Brasil afora.

Pelo fato de não termos ciclovias, temos que nos arriscar e dividir o espaço com os carros e os motoristas estressados e mal educados. E quem está de bike, ao menos eu faço muito isso, sempre entra na contramão para facilitar.

Pois aqui está a primeira lição da epopéia do pedal: ao andar na contramão, o cuidado deve ser quadriplicado. Evite entrar na contramão... e, melhor, nunca entre na contramão.

Estávamos subindo uma rua que não sei o nome, mas que sairia no final da Pio XII, uma quadra para baixo da avenida JK, quando na virada, eu fechado, para evitar os carros que desciam, vem um senhor educado (sarcasmo) e faz uma curva fechadíssima, jogando seu carro para cima de mim; tive tempo de desviar, evitando o pior, mas não o suficiente para evitar de bater meu guidão no retrovisor do carro. E foi só. Eu, nervoso, questionei o cara, pois deveria ter mais cuidado, já que estou de bike e poderia ter me machucado. Pois o raivoso gritava que eu estava na contramão, que eu era um babaca, que eu havia quebrado o retrovisor dele. E eu dizia que ele quase tinha me matado. Um baita stress. O Gui, na sua calma característica (d’onde esses guris tiram tanta calma nessas horas? Ou será que eu é quem sou estourado demais?) disse para eu sair fora, o que fiz, sábias palavras do Gui. Esses imbecis se enervam e se estão armados, saem atirando e depois pagam uma fiança e se safam de tudo. Essas leis brasileiras...

O susto foi grande e de traumatizar. Porque além de cuidar de mim, tinha o Gui. Entre mortos e ferido, seguimos nosso rumo. Encontramos o Jé adiante e fomos traçando o percurso conversando, sem rumo, mas com destino: Cambé. Melhor assim. E, para fugir do trânsito, fomos por dentro, ao invés de pegar a Tiradentes, que vira BR 369. E podamos por um trecho que não conhecíamos. Pegamos Estrada de chão, linha do trem, cruzamos terras nunca d’antes cruzadas.

E finalmente saímos em algum lugar conhecido. Conhecido? Mais ou menos conhecido: a PR 445, sentido Warta. Lugar que só passei de carro quando ia para Assis SP. E seguimos até a entrada da cidade de Cambé. Finalmente chegamos até um trecho que permitia a entrada no conhecido Jardim Ana Rosa. E então, depois de tantos lugares desconhecidos (e o Ana Rosa só é conhecido de nome) fizemos nossa parada para abastecer de isotônico. Nossos camelos (bikes) puderam ter um descanso. Nossa tração animal também, as pernas.

Parada no golfinho, foto da ‘esquerda gatorade’. E seguir adiante. Qual o enlouquecido cavaleiro andante Dom Quixote, a procura de sua Ducinéia de Toboso, fomos em direção ao centro da cidade, já noite adentro, para iniciarmos nosso retorno. Como era uma subida tremenda, nosso herói Gui desceu da bike e foi empurrando. Eu, como bom pai, esperei o guri subir ladeira acima, andando devagarzinho ao seu lado, até alcançarmos o Jé, que estava em um trecho mais plano.

Esquerda Gatorade: Gui, eu e Jé
Diferente do (anti) herói de Cervantes, mesmo tendo passado pelo Moinhos Dona Benta, não entramos em luta corporal contra o moinho, achando se tratar de dragões. E nem encontramos donzelas em perigo para defendermos sua honra.  

Eis que ocorre o que pode ser previsto, mas que é imprevisto e que jamais tinha ocorrido em nossos roles de bike: furou o pneu dianteiro da bike do Jé. E eu, que estava com a bike com os pneus totalmente carecas, me safei dessa. Tínhamos rodado, segundo o Jé, 15 km, ou seja, metade do percurso.

Segunda lição da epopéia do pedal: andar sempre com uma camâra de ar avulsa, a estepe. E com uma bomba para encher até o próximo posto.

No meio do caminho, alguns borracheiros me fez lembrar como é fácil encontrar esse profissional em Cambé, e que em Londrina não é tão comum. Mas, para nosso azar, todos fechados. Até que chegamos num, que tinha casa nos fundos. Resolvi tentar a sorte. Bati palmas, um cachorro estressado nos atendeu e seu dono, da porta. Deu para ver que era deficiente físico e gritou perguntando o que queríamos, visivelmente assustado e desconfiado. Ao pedir ajuda, ele titubeou, resmungou algumas coisas, até vociferar um “sem chances” desanimador para nós.

Demos meia volta e continuamos nossa epopéia, Jé empurrando a bike até o posto mais próximo, talvez 1 km à frente. E ao chegarmos ao posto do Super Muffato de Cambé, que por capricho do destino, não tinha calibrador. Mais 1 km do Jé empurrando a bike até chegarmos ao próximo posto e torcendo para que fosse possível encher o pneu e rodar ate minha casa, 15 km a frente.

Para calibrar colocamos no modo vazio e quase estourou a câmara de ar. Outras tentativas e ajuda do frentista e lá fomos nós. Como conheço o trecho de volta, expliquei para o Jé o próximo posto para o caso de esvaziar o pneu. E foi o que aconteceu, a cada trecho o pneu esvaziava.

No meio de tanto azar, a sorte foi que a PR 445 sentido Cambé - Londrina é recheada de postos; paramos em todos. Quando chegamos em frente à Uel vimos, de longe, uma cena inusitada: um cara correndo como louco e outro subindo em uma moto. O cara correndo em ritmo alucinado. Como dali 100 metros encontrei uma carteira jogada no chão, entendi o ocorrido minutos antes: mais um assalto para as estatísticas. Provavelmente sob a mira de uma arma o motoqueiro entregou seu veículo e saiu em disparada. Só não entendi qual artifício o assaltante utilizou para fazer o motoqueiro parar.


Então chegamos em casa, guardei a bike do Jé para arrumar na segunda e o levei de carro em casa. E isso já passavam das 20 horas. E ainda tinha combinado de ir ao cinema assistir com o Gui ao filme Um Corpo que Cai, na programação dos clássicos. Mas isso, meus caros, fica para outra historia. 

sábado, 11 de abril de 2015

DE PROFUNDIS - REFLEXÕES SOBRE O CAOS


“Às vezes acho que te amo, às vezes acho que é só sexo...”

Pensamentos contraditórios, confusão mental, frases confusas, soltas no ar, ao próprio gosto ou desgosto, sem sentido...

“Às vezes nada parece ter sentido,
Escuto choro aos cantos,
Me sinto perdido...”

Perdido ao leu, tudo confuso e sem sentido. Confusão mental. Palavras soltas no ar, pensamentos contraditórios e palavras sem sentido.

 “Às vezes acho que te amo, às vezes acho que é só sexo...”

Os dias estão cada vez mais loucos e contraditórios. A temperatura oscila entre 17º no inicio da manhã e 30º durante o dia e volta a baixar no final da noite. Vento e frio. Calor e sol. Tudo no mesmo dia. Caótico, contraditório, confuso. Confusão na natureza. Apenas característica da estação e da época do ano.

Frases perdidas, soltas no ar, desconexas. Não é assim no inconsciente? Tudo ao mesmo tempo e aparentemente sem uma lógica? Mas juntando os ‘cacos’ o caótico se torna bem compreensível e com bastante sentido.

A loucura não seria apenas a desordem do caos que saiu do controle? Dejours, quando estudou a organização do trabalho achava que encontraria um monte de malucos babando e rasgando notas de R$ 100,00. Reais não, Euros! Ou a moeda da França naquela época. Qual a moeda da França? Mas enfim, ele se assustou ao se deparar com trabalhadores aparentemente normais, em situação de penúria psíquica. Não seria esse o ‘normal’, ou seja, o louco, o desajustado social que deveria ser considerado dentro da normalidade? Sim, porque nessa sociedade sem valores, ou melhor, com valores monetários, em que as pessoas quase vendem a própria mãe, o normal seria surto psicológico ou psiquiátrico coletivo?

Mas pensemos e reflitamos um pouco: não estamos vivendo esse surto psicológico coletivo? As pessoas não estão saindo e matando sem nenhum motivo? Não vemos nas manchetes de jornal quase que diariamente pessoas matando a seus pares sem aparente motivo, por causas banais? Banalizando a violência?

“Às vezes, nada parece ter sentido
Escuto gritos, me sinto perdido
E vejo as pessoas perdidas, sofridas, sentidas...”

Palavras ao vento... frases soltas no ar... o caos!

Será que algum dia as coisas não serão mais tão confusas? Por que não posso ter o que quero ter? Por que não posso ter tudo ao mesmo tempo? Por que tem que ser assim? Toda essa confusão mental, todas essas dúvidas sobre tudo, sobretudo essas dúvidas.

“Às vezes acho que te amo, às vezes acho que é só sexo...
Violência e paixão!”

Palavras contraditórias, sentimentos contraditórios. Contraditorios? O caos. Continuidade. Uma coisa é uma coisa... e a outra coisa? Pode ser a mesma coisa, depende do ponto de vista. Depende?

“Você não tem forças para fugir da minha loucura!”

Ninguém parecer ter mais forças para fugir da loucura do mundo. As pessoas do bem são as pessoas mais filhas da puta que existem. Só o fato de se rotularem do bem já significa que não são porra nenhuma. Contradições. Ações contraditórias. Idéias contraditórias. Querer ser alguém sem o ser ou pregar uma coisa e fazer exatamente o contrario não seria uma característica dessa loucura social, uma conseqüência da doença social instaurada na pós modernidade? O que não é a pós modernidade senão essa contradição de idéias, sentimentos, valores? Essa loucura social?

Por que não posso ter o que eu quero ter?

“... eu quero quem eu não posso ter
E isso esta me deixando louco,
Está estampado na minha cara!”

A ordem do caos. Estampada na minha cara. E lanço defesas para manter a minha sanidade ou a minha loucura controlada. Piro a cada dia mais, mas meu remédio de tarja preta mantém meu equilíbrio. Que remédio? Lembro que não tomo remédios. Sou completamente contra as drogas, esse câncer social. Não! Não, não, não! O câncer social é a exigência de ser feliz completamente, 100%. A completude da vida. Viver uma vida procurando algo que te complete. Te vendem a idéia de que ter isso ou aquilo te trará a felicidade completa, te encherá todos os vazios da tua vida. Podem encher os vazios de qualquer vida consumista. Preenchem a alma? Oh meu Deus, não, isso podem prometer que não cumprirão.

Mas não

“... é assim que eles fazem e fazem muito bem?
Estranha coisa pra se dizer antes de
Vender mais mercadoria...”

A droga promete isso. Felicidade completa. O tempo todo. Mentira! Mentem um pouco... o tempo todo. A droga e a fuga da vida e não traz felicidade. Sensação de bem estar pode ser, mas felicidade? Quem é feliz em viver aprisionado num mundo que poderia ter o livre arbítrio?

“Mentir um pouco, o tempo todo...”

Idéias desencontradas, contraditórias. Sentimentos perdidos, sentimentos confusos. E o sono pesando nas pálbebras. O sono  rondando e embaçando a vista já cansada pelos dias, pela semana, meses e principalmente pelos anos a fio. A vista cansada, o corpo padecendo os excessos da vida, o presente cobrando o passado de excessos.

“Ofegando, morrendo, mas de alguma forma ainda vivo
Essa é a última resistência de tudo o que sou
Por favor, lembre-se de mim...”

Existe alguma ordem no caos? Não acredito. E na rotina? Na fuga da rotina? A fuga da rotina não seria uma rotina? O caos organizado. O caos instituído. O caos... nada mais caótico que o caos. Caos regrado e constante. O caos pode ser rotina. E se é rotina, existe uma constância e essa constância gera alguma ordem. Na estatística tudo e uma constante. E na ciência, que não explica muita coisa a não ser uma constância. Testes psicológicos são baseados em estatísticas e na constância de pessoas que respondem de determinada maneira e têm a tendência a terem um determinado comportamento. Ora, se a subjetividade pode ser matemática, então o que não será controlado por uma variável?

Aprendi que na vida tudo está relacionado a uma variável e a uma constância. A matemática da subjetividade e dos comportamentos. A matemática dos sentimentos. A ordem no caos. Como pode ser isso?

Freud explica. O caótico coelho caolho. A questão está posta na mesa. Desligue a TV, desligue o PC, se afaste do celular, do whatsapp e viva intensamente. Sonhe e realize o que seu desejo lhe permitir. Viva o caos dos sentimentos perdidos pelo tempo porque esse e implacável, curto e não volta jamais.

“Às vezes, nada parece ter sentido
Escuto gritos, me sinto perdido
E vejo as pessoas perdidas, sofridas, sentidas

Quando a vida se torna algo previsível
Onde fica a sensibilidade? Como posso ser sensível
Se sou tratado como mais um numero?
Sem sentido, perdido

Escuto choro aos cantos, sofrido
Gemidos sofridos, repetidos
Ordem no caos que se torna constante
Caos constante, ordem deprimente, sorrisos escassos

Abraços escassos, sorrisos escassos
Passos silenciosos ao longo
O silêncio dos gritos sofridos
O silêncio do caos instituído

Às vezes nada parece ter sentido,
Escuto choro aos cantos,
Me sinto perdido, sofrido, traído.”


Eu quero ter aquilo que eu não posso ter. 

domingo, 5 de abril de 2015

QUARENTENÁRIO - UMA TEMPORADA NO INFERNO - 43 ANOS

Márcio, Beto, Renato, Rogério e Fábio em meados dos anos 1970
 “... Seus beijos e abraços eram um céu, um sombro céu no qual eu entrava, e no qual desejaria que me abandonasse... Eu começava a habituar-me. Considerava que éramos duas crianças boas; livres para passear no Paraíso da tristeza...”

Dizem que a tristeza e a melancolia é o maior combustível para as grandes histórias, as grandes poesias, as grandes obras de arte, enfim, as grandes obras criadas pelos maiores artistas da humanidade. O que os psicanalistas chamam de sublimação. Mas e quando se está alegre demais, podemos sublimar? Transformar a alegria em mais alegria? Não sei. Com a palavra os especialistas.

Não sei porquê escrevo isso neste momento. Hoje é meu aniversário. 43 anos. São 43 outonos, que em alguns momentos foram bem vividos, de muita alegria e cheios de vida; mas também de muitos momentos da mais pura tristeza e melancolia. Já me disseram que sou melancólico. Lembro dos meus anos adolescentes em que eu realmente era melancólico e que escrevia canções para espantar aquele sentimento que tanto me incomodava. Principalmente quando estava sozinho, entre quatro paredes, no escuro do meu quarto. E, apesar de que éramos seis em casa, me sentia tão solitário quanto se morasse em uma montanha isolado do mundo. E me trancava no meu silêncio, no escuro da minha alma, sonhando com o dia em que tudo mudaria e que minha vida seria finalmente feliz.

Sempre lembro que esse meu humor que me levou a fazer psicologia.

Por que as coisas têm que ter um sentido? Por que as palavras devem seguir sequências, uma lógica, surgindo frases e parágrafos que fazem algum sentido? Arte não deveria ser apenas a essência, a alma do artista? Não deveria ser o âmago e que cada um descobrisse o seu ao ver, ler, sentir, ouvir?

É engraçado que depois de quase 30 anos ter vivido toda essa explosão de sentimentos dúbios, de tristeza e alegria, de euforia e melancolia, de sentimentos que não se complementam, mas são contraditórios e que não só rivalizam, como se conflitam, isso venha à tona nesse dia. No dia 29 de março de 2015. Muito tempo realmente se passou daqueles loucos anos ’80 do século passado. Mas o sentimento permaneceu. Os cabelos já com fios brancos, o rosto com as marcas do tempo, implacável me dizendo que não sou mais aquele guri dos anos ’80 e que preciso olhar para a frente e pensar no que fazer dessa vida que insiste em pulsar dentro de mim. Mas a minha alma, esta meus caros, minha alma permanece igual à daquele guri incerto, com suas dúvidas e paixões inquietantes e melancólicas.

E a barba, com diversos fios brancos, que nasceu nesses 43 anos completos, de dias atrás que não a faço e que cresce de forma desordenada e incomoda, não só a mim, mas principalmente às pessoas que se relacionam comigo, dando palpites em vão, para o gosto da minha teimosia. Como é difícil querer ser diferente do que se é. As pessoas traçam explicações e principalmente críticas. E como gostam de palpitar e de dar conselhos.

Mas o que vejo além dessas paredes brancas e sem vida? O silencio e a solidão que sempre me incomodaram tanto e que me fizeram tomar atitudes muitas vezes impulsivas para fugir daquilo que mais me deu medo nesta vida. Sim, talvez este o motivo de todos os meus atos que me trouxeram aqui hoje e que o destino, com sua mão invisível, com um falso ar de imprevisibilidade, me trouxe, me carregou no colo e me entregou a esse 29 de março de 2015.

... diga o que disserem, o mal do século é a solidão!” Diria que o mal dos séculos, da vida.

Em pé: Beto e Rogério.
Sentados: Fábio, Renato e Márcio
Os sentimentos mais antigos da vida? Talvez seja essa melancolia que se apodera de mim e que é fruto de uma incerteza do futuro e do que está me aguardando ali na frente, quando virar a esquina. Coisas boas, nem tão boas, ruins, muito ruins? E o que fazer quando o sentimento é tão forte que dilacera a alma? E o que fazer quando o sentimento é tão forte que edifica a alma?

O destino sempre me fascinou. Como pode ser tão inconsequente e imprevisível e ao mesmo tempo se mostrar tão regular em seus passos? Tão sistemático e disciplinado, brincando com nossas vidas a ponto de nos mostrar suas garras e ser frio e calculista, sem se importar com o que vamos fazer ou como vamos reagir a cada novidade que ele nos trás?

Sempre escrevi assim, dessa maneira, do inconsciente. As palavras vêm à mente, sem nem ao menos saber sobre o que estou escrevendo. Do fundo da alma. E sempre foi assim. Pegava o papel, a caneta e as palavras fluíam. Quando terminava, tentava entender o que estava escrito. Muitas vezes era incompreensível e então eu simplesmente rasgava e jogava o papel fora. Mas hoje me arrependo dessa atitude impensada e impulsiva. Talvez aquilo fosse incompreensível para aquele momento, mas para hoje poderia explicar muita coisa. E sempre, quase sempre, tinha dificuldade até para colocar nome nas canções que eu fazia, pois as letras falavam sobre nada e ao mesmo tempo sobre tudo. Sobretudo quem eu era naquele momento ou mesmo quem eu sou na minha essência.

Vago, solto, nu
A brisa me traz teu perfume
Caminho, descalço, sobre o asfalto quente...

Um sábado, no final dos anos ’80, recém chegado da praia, com aquele misto de tristeza e vazio que era característico daquela época da vida, após jogar bola com meus amigos, me tranquei no quarto, sem acender a luz e rabisquei alguns versos dos quais só lembro os que escrevi acima. E no final, por estar em um quarto escuro, esse foi o nome da canção que em seguida musiquei no violão.

Se o sentimento mais tenro da lembrança é esse vazio e melancolia, qual a lembrança mais antiga? Lembro de uma noite, ainda em Porto Alegre, eu com 4, 5 anos, no quarto, que ficava o lado da sala daquele casarão da Clemente Pinto 1073, quando a vó ainda era viva, escutava na sala os sons que vinham da televisão, com imagens em preto e branco, enquanto os “adultos” assistiam ao filme O Fantasma da Ópera. E nós, os pequenos, não tínhamos permissão para assistir a esse filme. Como os tempos mudaram...

Lembro em 1977 quando o Grêmio de Telê Santana quebrou o tabu e finalmente voltou a vencer um Gauchão. A festa que todos fizeram na cidade era enorme. Minha vizinha, dona Osmira, Gremista daquelas fanáticas, queimou um cobertor vermelho, na euforia louca de uma vitória com um gol seguido de um mortal na comemoração de André, o Catimba, autor do gol que deu o título ao Grêmio e finalizou o tabu de 8 anos sem ganhar o título regional.

Lembro da Lili e da Marisa, vizinhas com a nossa idade; lembro de brincar naquele quintal enorme de nave espacial; lembro de jogar bola e ser goleiro, entre as duas árvores do quintal; lembro do Drácula e da Draculina sua namorada, que no desvario daqueles anos da ditadura e de muito (falso) pudor, que
As gurias devem ser a Lili e a Marisa. Não acredito que essa
foto seja de '75. Sendo assim, teria 3 anos e pareço ter mais aí.
 provavelmente eram jovens adultos hippies, e que eram discriminados por serem diferentes e que levavam a fama de serem pessoas más.

E lembro da Vó. Quando quebrou a perna em 1976 ao descer uma escada. Foi o começo de sua morte. Não sei se quebrou a perna em ’76, mas lembro que foi esse ano que ela morreu. Lembro de tê-la visto descer as escadas em uma roupa branca e esvoaçante, depois que tinha morrido. Delírio ou não, essa é uma lembrança que tenho.

Lembro de churrasquear e de tomar mate. Com açúcar, porque éramos muito criança. Lembro de jogar botão em casa, em Porto Alegre. Lembro de jogar bola na rua. Lembro de que tudo era tão grande naquela época! Mas quando voltei à rua Clemente Pinto anos mais tarde, muitos anos mais tarde, vi que as coisas não eram tão grandes assim. O casarão do 1073 e o quintal enorme eram na verdade bem menores do que eu tinha em mente.

Lembro do Grupo Escolar Ceará e do Douglas, um guri encapetado que eu tinha medo. Lembro da professora Darci Veríssimo e de quando ela tirou licença quando o Érico, um parente seu, havia morrido. Érico Veríssimo, um dos maiores escritores do Brasil e do mundo. Lembro de anos mais tarde, em Santos, ler suas obras completas, uma que a dona Sirlei tinha, autografada pelo famoso escritor. Coleção esta que a Sirloka doou a um sebo quando mudou, sem saber o tesouro emocional que nos fez perder.

Lembro de alguns aniversários. Poucos, mas marcantes. Presentes sempre foram poucos, mas sempre gostei de fazer aniversários. Só tinha medo de envelhecer. E sempre pensei que morreria aos 45, sem estar muito velho. E faltam apenas 2 anos. Será que está mesmo na hora?
E lembro de escutar música. Horas e mais horas a fio. E ter esse mesmo sentimento de vazio, de que o dia não terminará nunca e que nunca essa angústia passará.

Quando quero lembrar de alguma coisa da vida, lembro de qual canção estava curtindo na época. E quando escuto alguma canção, logo me remete a algum momento da vida.

São lembranças que me ocorrem neste momento. Como quando nos filmes alguém morrerá e vê a vida passando pela frente em alguns minutos. E a música continua tocando, insistentemente, horas a fio. Até os olhos se fecharem e um novo dia começar. E então não será mais 29 de março de 2015. E não será mais meu aniversário; e não terei mais 43 anos exatos, completados às 15 horas desse domingo.

E tudo será diferente!

“...E agora o Pinhal
Não tem mais a gente lá
Eu volto pra lembrar
Que a gente cresceu
Na beira do mar

... Quando tenho tempo
Dou uma passada lá pra ver como estão
Se estou na zona norte
Pego a estrada do forte pro meu irmão.”

“Oh, dar-me-ás a vida de aventuras que existe nos livros infantis a fim de me recompensar do quanto tenho sofrido?”

PS.: escrevi esse post em 29 de março de 2015, postado uma semana a posteriori.