segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

MURO



Ontem reli o livro de Mólnar, Meninos da Rua Paulo. Interessante o sentimento de ter um lugar onde a turma se encontra para dividir as angústias e alegrias, o que hoje chamam de point, no livro era o
grund. O nosso grund na Rua São Paulo era o muro que citei em outro post, onde ficávamos horas e horas sentados, à toa, conversando sobre o passado, o presente e o futuro, sonhando sonhos impossíveis e possíveis.

No livro de Molnár a turma se organiza para uma guerra em defesa do
grund e o final não é dos mais animadores, mesmo a turma tendo vencido a batalha, porque a guerra da vida continua. Analisando sob a ótica psicanalítica os contos de fada ou mesmo as novelas e filmes que assistimos, os finais só são felizes porque terminam. O "The End", "happy end" "e foram felizes para sempre" é ilusão. Se continuassem a contar as estórias, as coisas não seriam tão maravilhosas quanto os autores querem transparecer. Os problemas da rotina do dia a dia viriam esmagar o "happy end". No caso dos Meninos da Rua Paulo, o final é bem real, pois a vida continua e não é porque vencemos uma batalha que as coisas estão resolvidas. Afinal há momentos de alegrias e tristezas e devemos estar preparados para ambos.

Ao terminar de ler o livro me veio à tona o sentimento que tive, anos atrás, após muito tempo sem ter ido à Rua São Paulo, nosso reduto da adolescência (muitas vezes saía da aula no Primo Ferreira, à noite e ía para lá às sextas feiras para começar o final de semana no tédio do muro), nosso
grund, como no caso de Boka e sua turma, onde amenizávamos nosso duro dia a dia de trabalho e escola, de adolescentes proletários, e me deparei com a falta do muro. Como no livro citado acima, havíamos perdido nosso grund, não em uma batalha, mas para o progresso.

Foi um choque não encontrar nosso muro. Hoje não vive ninguém da nossa turma naquela rua. Alguns morreram, outros viraram traficantes, muitos (como eu) forma embora da cidade. E os que ficaram na cidade mudaram de lá, meio que renengando aquele passado glorioso, de jogos de bola no meio da rua, de brincadeiras de "Polícia e Ladrão", de jogos de bafo, de trocas de figurinhas da Copa... senti como se uma parte de mim havia sido demolida com o muro. Nunca mais consegui voltar lá.

O progresso destruiu nosso passado, que ficou apenas na lembrança dos poucos sobreviventes. Aquela casa cujo nosso muro cercava e protegia, nosso grund, era vazia, foi vazia durante anos e quando voltei era um comércio qualquer. Fiquei com a mesma sensação do personagem Boka, o general da turma da rua Paulo no final do livro de Mólnar "...afinal, a vida, da qual todos somos os soldados e os servidores, ora tristes, ora alegres".

Um comentário:

  1. Oi gostei do seu blog.. voltarei aqui para mais leituras um abraço
    Valter Figueira

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