domingo, 27 de dezembro de 2009

DOIS


Em 1986 o RPM de Paulo Ricardo era a unanimidade nas rádios e programas de televisão. Eles vendiam até figurinha nas bancas de jornal. Eram populares ao extremo. Mas havia uma pequena parcela de pessoas, interessadas em boa música, não apenas nos gritos histéricos das fás ensandecidas. Essa parcela esperava ansiosamente pelo 2º disco da Legião Urbana, que saiu intitulado apenas de "Dois". Esqueci de falar no post anterior desse disco. Ele lembra uma fase chuvosa das férias escolares, em que eu, meu irmão Renato e meu amigo Wagner ficamos trancafiados por 3 ou 4 dias jogando botão ao som de músicas como Fábrica, Índios e Quase Sem Querer. Foram dias cinzentos em que não podíamos sair de casa para jogar bola ou "brincar na rua", então ficamos jogando botão, xadrez, vez por outra aparecia o 'Neguinho', que trabalhava na feira, que falava tudo errado (bisquinho ao invés de bispo, por exemplo) mas que conseguia ganhar no xadrez do Wagner; de mim nunca ganhou.

Nosso grupo de roqueiros era visionário. Quando a música começava a tocar nas rádios, já havia passado pelo nosso crivo crítico. Algumas bandas nunca chegaram a tocar no rádio. Gostávamos e nos orgulhávamos desse pioneirismo e exclusividade.

Na época punk, parcos eram os momentos com as gurias, que davam de ombros para nós e torciam o nariz. Sentávamos naquele muro, que não era o de Berlim, mas nos separava do mundo dito "normal" na rua São Paulo, esquina com a Joaquim Távora, ao lado do Hospital Beneficiência Portuguesa, que dava nos fundos de um hospital psiquiátrico, que não lembro o nome. Chegamos a jogar bola com os internos, quando da reforma psiquiátrica. Os 'loucos' podiam' sair na rua, tinham programa de rádio (Rádio Tam Tam) e fizemos amizade com alguns deles. Provavelmente os puritanos da rua, que nos odiavam, os pais que impediam as gurias de se aproximarem dos "doidos", como éramos conhecidos e julgados, achavam que estávamos andando com os nossos pares, os internos.

Nossos dias eram entediados e cinzentos, mas nos divertíamos muito. Ao som de God Save The Queen, Anarchy In The UK, enfim, de todo o Nevermind The Bolocks, o único disco dos Sex Pisltols, levávamos a adolescência rebelde, achando que poderíamos mudar o mundo. Entre festas punks, olhos roxos por brigas com outras gangues, bocas remendadas por chutes de coturno dos carecas do subúrbio, a solidão do muro da rua São Paulo. Como o livro do escritor húngaro Ferenc Molnár e a música do Ira!, éramos os típicos "Meninos da Rua Paulo", e sentados no conforto do nosso muro discutíamos na nossa inocência adolescente, política, futebol, carnaval e samba ("... Johnny foi preso, extraditado pro Brasil, aquele país que está na corda bamba, que só tem carnaval, futebol e samba..." - Johnny - Garotos Podres), democracia, garotas (o que deveríamos fazer para termos a atenção delas), sexo (era um tabú imenso, para perder a virgindade somente na zona - alguns de nós se apaixonaram pela puta com que saiu pela primeira vez, tamanha era nossa carência), drogas e rock and roll e tantas outras coisas.

No Primo Ferreira, escola que fiz o 2º grau, ou o que hoje se chama Ensino Médio, cantei "Eu Não Matei Joana Dar'c" do Camisa de Vênus, em uma gincana que uniu de tudo, desde Conhecimentos Gerais, música para a escola ("Primo Ferreira me Maltrata, Estou Virando um Panaca" - versão de Psicopata do Capital Inicial, que eu fiz e cantamos para todo o colégio), futsal, vôley, xadrez, entre outras coisas, quase fui excomungado porque cantei "... eu nunca tive PORRA nenhuma com Joana Dar'c"! Imaginem, não podia falar PORRA. Era uma ofensa. Quase fui vaiado por cantar assim. Dias depois fui campeão de xadrez (eu era bom nisso). E o que eu escutava nessa época: Lobotomia, Cólera, Garotos Podres, Mercenárias, Violeta de Outono, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui (o melhor nome de banda de todos os tempos) entre outras bandas punks e alternativas.


"... E agora, você quer que eu fique assim, igual a você. É mesmo, como vou crescer, se nada cresce por aqui?"

2 comentários:

  1. Marcio Marques Gomes4 de abril de 2010 às 20:33

    O Hospital psiquiátrico era o Anchieta...
    Em que época você estudou no primo Ferreira?
    Foi do tempo da Maricléia? Coral "Sevira"?
    Abs

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  2. fala meu xará! Exato, era o Anchieta, será que ainda existe?
    Estudei no Primo de 87 à 89, noturno, e a diretora era a Maricléia mesmo, mas não me recordo desse coral. E tu, conte um pouco de ti, morava nos arredores da Rua São Paulo? E estudou no Primo em que ano? Se me conhece avisa e me perdoe pela falta de memória, rsrsrs.

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