sábado, 7 de maio de 2011

UM POUCO DE HISTÓRIA


No final dos anos 80 eu morava no 498 (não me recordo exatamente) da Campos Mello, em Santos, esquina com a avenida Afonso Pena, ao lado da linha do trem, que naquela época passavam vagões que íam do Porto para algum lugar. O barulho era ensurdecedor e perturbava o descanso merecido de todos em casa. Era uma apartamento pequeno em que morávamos eu, o Fábio, o Renato e a Dona Sirlei. O Beto fazia Engenharia na Fei e morava em São Bernardo, descia para encher o saco aos finais de semana e o Rogério ainda era solteiro e morava em Rio Grande, onde servia para a Marinha do Brasil.

Nessa época, ainda adolescente, sonhador, office boy de uma adminstradora de bens, Consorte, que depois virou Gonçalves de Oliveira Adm de Bens, administrávamos condomínios. Ficava (ou fica ainda) no canal 3, avenida Washingtom Luiz, esquina com rua Goiás. Rodava Santos inteira à pé e quando encontrava o Wagner, que também era boy de uma dental no Gonzaga, na Ana Costa, aí era loucura, pois nunca mais voltávamos para o trabalho, ficávamos rodando horas a fio, mexendo com todas as gurias que passavam por nós e zoando de montão. Muitas vezes andávamos da ponta da praia até a Ana Costa, no trote. E isso é uma caminhada e tanto.

José Sarney era o presidente do Brasil. Ay Carámba, esse mesmo que está até hoje aí, Senador da República Federativa do Brasil. Parece que tem certas coisas que não mudam mesmo. Como é que a gente aguenta isso? O cara já tinha uma carreira de político biônica, com mandatos nomeados pela ditadura militar.

Sarney fora eleito na chapa em que Tancredo Neves era o candidato à Presidente; com a morte deste, e tendo a sua chapa vencido a eleição indireta contra a outra candidatura que era encabeçada por Paulo Maluf (pois é, eles ainda estão aí, para ver como estamos atrasados em questões políticas), que também tinha uma carreira política desenvolvida à sombra de nomeações dos ditadores, Sarney assmiu o cargo mais alto de uma República.


Tudo isso ocorreu em meados de 1985, um ano depois do movimento conhecido como Diretas Já, que fora vencido pela força da ditadura, ainda que enfraquecida depois de décadas no poder. Aliás, a ditadura militar no Brasil, financiada pelos EUA para impedir que os 'comunistas' tomassem o poder, assim como em toda a América Latina, foi das mais longas, violentas e sanguinolentas do nosso continente. Depois, espertamente, veio a anistia e tudo acabou em pizza. Que é como termina tudo no Brasil, esse "... país idiota, que está na corda bamba, que só tem carnaval, futebol e samba...". Os Garotos podres, nessa mesma época, escreveu a belíssima e revoltada canção punk Johnny. E como vêm, nada mudou, nada! Realmente não somos um país sério. Tanto que uma música dos anos 80 é atualíssima em pleno século XXI.

No final da década, morando ao lado da linha do trem, chegava em casa sempre por volta das 16hs, do trabalho, pegava o meu violão e sentava no encosto do sofá, que formava um corredor com a entrada da sala e dava uma vista maravilhosa para a rua, pois ficava próximo da janela da sala. Pegava o violão e ficava sonhando, tocando, compondo, tendo ao fundo uma visão urbana, prédios ao longe, a avenida Afonso Pena cheia de carros, trânsito já louco naquele final de década.

Essa era a minha hora. Sempre estava sozinho em casa. O Fábio ficava naquelas doideiras dele de UJS, comendo as menininhas comunistas, o Renato na escola, minha mãe trabalhando. Embora meu sossego durasse pouco, porque logo o Renato chegava ou eu tinha que começar a me preparar para ir para a escola, no caso o Primo Ferreira, onde estudei o 2º grau, tinha a casa só para eu durante algum tempo. Uma canção marcou muito a minha vida nessa época. Tarde Vazia do Ira! Eu sempre pensava naquela letra, que parecia ter sido escrita para eu:

"Você me ligou
naquela tarde vazia
e me valeu o dia..."

Mas não era só esse verso... eu tinha a janela como pano de fundo para meus sonhos adolescentes,

"Pela janela vejo fumaça
vejo pessoas
Nas tuas os carros,
No céu o sol e a chuva..."

E era exatamente o que eu via pela janela. Sonhos e fantasias de um guri de 16, 17 anos. Por vezes eu me encontro com esse mesmo guri dos anos 80 e ele me mostra coisas que eu não esperava aprender com alguém tão jovem... mas é o que acontece. Parodiando o segundo disco do mesmo Ira!: vivendo e (não) aprendendo.


GLOSSÁRIO:

FEI - Faculdade de Engenharia Industrial, em São Bernardo;

Ditadura Militar: golpe de estado dado pelos militares em 1964, tomando o poder com a força armada, interrompendo o mandato do presidente João Goulart e que aterrorizou com proibições, torturas e outros métodos escusos, os oposicionistas do regime;

Rio Grande - cidade portuária do Rio Grande do Sul, no litoral sul do estado;

Gonzaga - um dos bairros mais nobres de Santos, próximo à praia, entre o canal 2 e o canal 3, cujo comércio conta com 2 shoppings e inúmeras lojas, que se divide em uma grande região comercial mas também residencial. O coração do gonzaga é a praça da Independência;

Avenida Ana Costa - principal avenida de Santos, uma das que ligam a praia ao centro da cidade;

Garotos Podres - banda de punk rock da São Paulo dos anos 80, capitaneada pelo vocalista Mau, também professor de história;

Eleições indiretas - não havia voto do povo e sim o colégio eleitoral escolhia o vencedor.

Mandato biônico - políticos que eram escolhidos pelos ditadores para um mandato. Claro que eram os coniventes e puxa sacos do regime;

UJS - União da Juventude Socialista, braço jovem do PCdoB.

P.S.: a última foto é da prefeitura de Santos, na Praça Mauá, centro de Santos. O 'penetra' é o Chaves, que não deveria ter saído na foto e de costas está o Gui.

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