segunda-feira, 3 de março de 2014

QUARENTENÁRIO - O PRIMEIRO ANO DO COMEÇO DE NOSSAS VIDAS - PARTE II

Pátio da EESG Prof. Primo Ferreira
Em 1989 terminei o Segundo Grau, o que hoje chamam de Ensino Médio. Sem orientação, sabia que precisava fazer algum vestibular. Não sabia o curso, mas tinha que ser alguma coisa que tivesse a ver com matemática, porque era a disciplina que eu mais gostava e que tinha as melhores notas. Da 6ª série até o 2º ano do Segundo Grau eu tirei nota máxima nessa disciplina, em todos os bimestres. Então tinha que ser em exatas, em humanas ou biológicas eu não me daria bem.

Estudei o ensino médio no Primo Ferreira, uma escola estadual das mais conceituadas em Santos na década de 80. Quando terminei o ensino fundamental em 1986, a época chamado ginásio, ainda no primeiro grau, não sabia onde estudar. Como me dava bem em matemática e em todas as disciplinas de exatas, queria fazer um curso de eletroeletrônica no Senai, ou um colegial técnico no Escolástica Rosa, na ponta da praia. Também queria fazer Medicina, desde pequeno tinha esse desejo.

Sempre tive essa mania de querer fazer várias coisas. Mesmo que elas fossem antíteses. As contradições da minha vida!

O curso no Senai era integral, então não poderia estudar lá. Precisava trabalhar e estudar a noite. A idéia de estudar no Primo foi amadurecendo. Certa vez, conversando com o saudoso Quinho, que estudava no Primo já a alguns anos e não conseguia sair do primeiro ano, me orientou a não estudar lá, pois era muito difícil e eu me daria mal, dando exemplos como os dele, do João Maria (irmão dele), do Amaral e de mais alguns que jogavam bola conosco, todos amigos dos meus irmãos mais velhos. Resolvi estudar lá como um desafio e mostrar para eles que eu era “o cara” em se tratando de estudo.

Como ainda tinha o desejo de fazer Medicina, resolvi estudar no Primo também porque na época era dividido entre Biológicas, Humanas e Exatas. Escolheria Biológicas, para me aprofundar nessa área. Entretanto, desisti da área biológica e da medicina quando descobri que odiava biologia. E novamente não sabia o que fazer depois de terminar o segundo grau.

Claro que passei todos os anos com notas excelentes e deixei todos que tinham me orientado a não estudar no Primo para trás. Mas a dúvida permaneceu durante todo o segundo grau: o que estudar, qual faculdade cursar? Medicina já tinha desistido; Engenharia não era o que eu queria estudar, por causa das aulas de desenho geométrico do professor Wandevaldo, um carrasco.

Corredores da EESG Prof Primo Ferreira
A sala de aula dele ficava trancada; ele tinha o mapa de todas as turmas, sempre tínhamos que sentar no mesmo lugar; se aparecesse algum material quebrado ou estragado, uma prancheta riscada, ele sabia quem era e o responsável estava simplesmente fudido. O controle dele era total. E as aulas, claro, como não poderiam deixar de ser, eram terríveis, ele era exigente, amedrontador... era na disciplina dele que o pessoal se ferrava e reprovava por anos. Os caras mais bagunceiros da sala, os descolados, nas aulas do Wandevaldo ficavam intimidados, agindo como cordeirinhos. Por todo esse clima de terror, decidi que não queria fazer Engenharia, mesmo tendo me dado bem nas aulas do Wandevaldo. Como não queria ser professor de matemática, mais uma carreira tinha sido descartada, ou melhor, mais uma área havia sido descartada, a área de exatas. Sobrou humanas.

Nunca me dei bem em Geografia, História, Filosofia, até mesmo Português. Embora tivesse notas boas, eram mais por decorar as coisas (tinha uma memória de dar inveja) e menos por entender a matéria. Mas era o que restava, na minha limitada cabeça, estudar um curso na área de humanas. Aí veio o insight, o estalo.

Em uma daquelas madrugadas em claro, sempre meio depressivo, típico da adolescência, estava lendo o dicionário. Isso porque não tinha nenhum livro, gibi, revista Placar, ou qualquer outra coisa para ler. Abri o Aurélio e comecei a ler o significado das palavras, quando deparei com uma que me chamou a atenção: esquizofrenia. Claro que não lembro a definição tão limitada quando a minha cabeça, da palavra, mas me identifiquei e comecei e me preocupar, acreditando que eu fosse esquizofrênico.

Aliado a esse pensamento, conheci uma das melhores professoras que tive: infelizmente não me recordo o nome, talvez Josiane... o fato é que ela era Psicóloga e dava aula de Filosofia. Ela era simpática, alegre, jovial e muito bonita. Me aproximei dela e, claro, me apaixonei. Um amor platônico, diga-se de passagem, uma adolescente de 16 anos, magrelo e feio, jamais teria chance com ela, até porque era noiva e nos anos 80 do século que se passou, essas coisas eram realmente sérias. Através de nossas conversas é que decidi que queria fazer Psicologia. Lembro até hoje o dia em que ela chegou eufórica, dizendo que tinha montado sua clínica. Estava no segundo ano do segundo grau.

Era a segunda vez em que me apaixonava por uma professora. A primeira havia sido a professora Ângela, de matemática, do Dino Bueno. Na verdade também tive uma paixão platônica pela professora de Desenho do Dino Bueno, mas essa era alvo da paixão de todos os alunos, uma vez que era uma loira muito bonita. Infelizmente minha memória não é mais como outrora e não lembro o seu nome. Talvez o Quinda consiga me lembrar isso ou mesmo meu irmão Renato. Eles são bons nisso.

O ano passou, eu passei direto para o terceiro ano e não mudei de idéia. E o terceiro ano passou como um tufão... e eu não desisti da idéia de fazer Psicologia. Mas antes disso, ainda fiz vestibular para o curso de Economia na Universidade Católica de Santos, Unisantos.

Fachada da Unisantos nos anos 1970/ 1980

E o destino sempre colocando as mangas de fora, o fez dessa vez. O ano era de 1990. Fiz a inscrição no vestibular e estava crente de que as provas seriam domingo e segunda. O Branco também havia se inscrito, não me lembro em qual curso. Mas não me avisou que as provas seriam sábado e domingo, o mais óbvio, ao invés de domingo e segunda. No sábado à noite, quando fui ver onde eu faria as provas e tudo mais, fiquei sabendo que o primeiro dia de provas havia acontecido naquela manhã.

Quando no domingo cedo fui fazer a prova, o fiscal me olhou assustado, não entendendo porque um cara falta em um dia e vai em outro, se já estava desclassificado. Eu fui, mesmo sabendo disso, porque queria ter uma ‘experiência’ de vestibular.

Atribuo ao destino mais esse lapso na memória. Se tivesse feito o vestibular certamente teria passado e hoje não estaria aqui escrevendo nesse blog que leva o nome de um texto de Freud, o pai da Psicanálise.
Aquele ano de 1990 foi uma no que fiquei sem estudar, o primeiro na minha vida, uma vez que decidi que não faria cursinho pré-vestibular; queria me dar uma licença sabática, mesmo sem entender o que era isso naquela época.

No final de 1990 decidi que faria vestibular na Unesp, o Vunesp. Durante muito tempo, depois de ter passado no vestibular, acreditei que estudaria na Vunesp. Me inscrevi no vestibular e como poderia escolher 3 opções, a primeira foi Psicologia, a segunda Jornalismo e a terceira Publicidade. Em uma delas eu passaria, pensei. Eram 3 áreas que me chamavam a atenção. Se tivesse feito uma orientação vocacional, certamente daria uma dessas 3 áreas, porque sempre quis trabalhar com a minha imaginação e com a minha criatividade, pontos que sempre achei que eram os mais fortes em mim. Embora fosse craque em matemática.

A prova seria no final de dezembro daquele ano. Eu não estudei nada, não abri sequer um livro para me preparar para o vestibular. O local de prova seria uma escola na avenida Paulista, em São Paulo, próximo ao Shopping Paulista (que curiosamente não fica na avenida Paulista). Outro fator que estava por me fazer desistir de subir a serra para fazer o vestibular, que era em 3 dias (quinta, sexta e sábado) é que minha namorada, que morava em São Paulo, passava as férias na casa da avó, em Santos. Esses 3 fatores foram determinantes para me desanimar e quase desistir de fazer o vestibular daquele ano: não estar preparado, viajar para São Paulo e minha namorada, que eu só tinha para aproveitar durante as férias e justamente nesse período eu faria o contrário dela, subir a serra enquanto ela descia.

Foi quando o Wagner, companheiro dos tempos de Dino Bueno e de tardes chuvosas e cinzentas de férias de julho jogando xadrez, botão e escutando Legião Urbana, me impediu, quando comentei com ele que não iria porque estava despreparado e que só perderia tempo e dinheiro, dizendo que eu tinha que ir porque já estava inscrito e que nada poderia fazer eu desistir e que eu era inteligente e que certamente eu passaria, mesmo sem ter estudado. Vi que ele tinha razão e segui seus sábios conselhos e na quarta feira fui para São Bernardo, onde meu irmão Beto morava, estudante de Engenharia na FEI, numa república.

Colégio Rodrigues Alves - provável local onde fiz vestibular em SP
Logo cedo, na quinta feira, ele foi trabalhar e me levou até à charmosa avenida Paulista. Lembro de ter tomado o desjejum em uma loja do Bobs: X Salada (o nome que eles davam a esse lanche eu não sei), batata frita, refrigerante e milk-shake. Terminei de comer, me despedi do Beto e fui para o meu destino. 

Primeiro dia: prova de conhecimentos gerais; de 80 questões, apenas 22 acertos; não comecei bem. Meu maior motivo para não ir fazer o vestibular era a perda de tempo, uma vez que não estava preparado. As questões eram fechadas, de múltipla escolha. Nunca me dei bem nesse tipo de prova. Gostava de escrever, de colocar minha criatividade e imaginação em prática.

Certa vez, na segunda série do primário, em uma prova de História a pergunta era sobre quem havia rezado a primeira missa no Brasil. Bah, eu não sabia a resposta adequada. Mas só podia ter sido um português, pois eles descobriram o Brasil (só para entenderem meu raciocínio). E português, qual melhor nome do que Manuel e Joaquim? Como havia estudado, poucos eram os ‘Manuéis’ e muitos os ‘Joaquins’ que fizeram a nossa história. Não titubeei e tasquei a resposta:

A pergunta da prova: quem rezou a primeira missa no Brasil? Minha resposta, simples e direta, mas com convicção e lógica: foi Joaquim. Meu irmão Fábio lembra disso com muita zombaria. Eu caio na risada todas as vezes que lembro. Pena não ter essa prova guardada para a posteridade. É um clássico!

No segundo dia de prova as questões eram dissertativas e de conhecimentos específicos: História, Geografia, Língua Portuguesa. Respondi a todas as questões. Não ser fazer vários rabiscos e deixar minha prova toda suja. Segundo o Branco, tinha me ferrado por rasurar a prova demais. Mas tinha ido bem. Essas rasuras, pelas informações ‘balizadas’ do Branco, tinham feito eu perder pontuação.

Terceiro e último dia de prova: Redação e Língua Estrangeira. No meu caso, havia escolhido Inglês. A redação era a música do Titãs Comida.

Naquele final de penúltima década do século XX a administração de Santos era a cargo da Prefeita Telma de Souza. Uma mulher que mudou a história de Santos, tendo feito um trabalho excelente, desde a despoluição das praias a diversos projetos desenvolvidos no campo social. Três problemas dificultaram sua vida política após (na minha concepção): ter elegido seu sucessor um prefeito fraco, ser do PT e ser mulher.

Seu sucessor, David Capistrano, não conseguiu imprimir o mesmo ritmo de Telma e fez uma administração difícil; ser do PT até hoje gera sentimentos de terror aos ignorantes, à classe dominante e aos formadores de opinião, à mídia em geral; e ser mulher, apesar de São Paulo ter elegido na mesma época como prefeita uma nordestina, era um tabu uma mulher no poder.

Um dos programas sociais de Telma foi utilizado por mim na redação. O tema não poderia ser melhor para quem tinha um irmão comunista e um avô que participou da coluna Prestes, que havia votado para presidente no primeiro turno em Brizola e no segundo em Lula. Nunca fui comunista ou socialista, mas sempre me considerei de esquerda e contra o capitalismo, tendo noção de que esse regime é totalmente injusto.

Ao voltar para Santos, a mãe da minha namorada perguntou como eu tinha ido. Respondi da mesmo forma que o fiz para todos que me perguntaram: “foi fácil demais. Ano que vem, quando eu estudar, fazer cursinho e tal, eu passo!” E assim segui meus dias, paciente e sem muitas expectativas.

No dia que saiu o resultado, estava trabalhando de manhã, como qualquer outro dia. Minha chefe, dona Elza Gonçalves de Oliveira, como era rotina, pediu para eu comprar o jornal O Estado de São Paulo, uma média (como chamam o pão francês em Santos) e um tablete de polenguinho. Era uma terça feira daquele ano de 1991. Acho que era o mês de fevereiro. Quando abri o jornal e procurei a lista dos aprovados e vi meu nome, a alegria era tamanha que não consegui segurar a euforia. Até então a maior emoção da minha vida. Na hora do almoço, ao chegar em casa para contar a notícia, subi tão rápido que a xereta da dona Florinda (sim, eu tinha uma vizinha chamada dona Florinda e eu não era o Chaves e nem o seu Madruga) achou que eu estava cagando nas calças.


Ali, naquela terça feira de fevereiro de 1991 que tudo começou a mudar. O que contei até aqui foi para ambientar o que vem pela frente. Uma vida de sexo, drogas e rock and roll. Com uma pitada de psicologia no caminho e somente com drogas lícitas, como coca-cola, hamburger e outras coisas desse gênero.

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