sábado, 8 de março de 2014

A DECADÊNCIA DA VELHICE

Emannuel Nery, Velihce, 1986

“A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas sim no fato de ainda nos sentirmos jovens.” (Oscar Wilde)

Não escrevo isso como algo que denigra a velhice ou como um preconceito para essa idade. Apenas para constatar que na velhice, a quietude caraterística, a maturidade que a experiência traz, deixa a vida monótona e que na verdade, tudo o que buscamos na juventude, essa paz interior que os mais velhos parecem ter, não vale nada e seria trocada pelas primeiras angústias que a juventude nos faz sentir diante das incertezas da vida, facilmente.

É  na juventude que temos a força física que impulsiona nossos sonhos; é nesse curto período de uma vida ainda mais fugaz que temos a ilusão de que tudo pode (e deve) ser do jeito que sonhamos e desejamos.

Penso nos meus heróis, que morreram antes de atingir a velhice, Jimi Hendrix, Jim Morrisson, Ian Curtis, Sid Vicious, John Lennon, Kurt Cobain, dentre tantos outros. Esses que foram ceifados da vida, no auge, que não viveram para demonstrar a decadência de suas genialidades.

E penso em tantos outros, que continuaram a desfilar a genialidade, por vezes duvidosa, mas que construíram uma vida produtiva chegando à velhice, não com o mesmo vigor, nem com a mesma criatividade de tempos outrora e sim com dignidade, casos de David Bowie, Johnny Ramone, Lou Reed e outros.

Quanta nostalgia ao ouvir suas canções antigas, quantos pensamentos saudosos das loucuras que fizeram quando viviam os excessos de quando compuseram essas mesmas canções que hoje nos levam à loucura pela beleza e pela qualidade, enfim pela genialidade.

Alguns desses ídolos morreram antes mesmo de eu ter nascido ou de eu ter contato com suas obras. Será que isso significa que eles não morreram? Será mesmo que o fato de suas obras sobreviverem ao tempo e até hoje são idolatrados, o fazem imortais? Isso não seria apenas apelo poético para amenizar suas ausências em nosso quotidiano?

Ouço essas mesmas canções compostas há 20, 30, talvez até 40 anos atrás e sinto uma nostalgia de algo que não vivi e fico imaginando o que cada um desses caras faziam para aproveitar a vida (e a capacidade) que Deus lhes deu: a mulherada cercando, a cambada de puxa saco, a mídia, os paparazzi, as facilidades que a fama e a grana podem oferecer (para o bem e para o mal)... 

Pouco sabemos; e o pouco que sabemos, através da imprensa da época, das biografias, da história contada nos livros, da história da cultura pop e do rock, do google, nos leva a imaginar mais, delirar sobre cada passo de cada um deles. Por exemplo, o que David Bowie fazia numa tarde ensolarada, como este 15 de novembro de 2013, no efervescente início dos anos 70, enquanto Pin Ups, de 1973, estourava nas rádios e nas vitrolas do mundo todo? O que se passava pela cabeça de Lou Reed quando saboreava o sucesso de Wait, do disco Street Hassle, de 1978? E Ian Curtis, na cinzenta Manchester de final de década de 70, com seus amigos que posteriormente formariam o New Order, tempos em que saboreavam senão a fama, a exposição excessiva? O que comiam, o que bebiam, o que sonhavam, com quem trepavam?

Li muito sobre Bowie e Reed, assim como Ian. Também assisti a uma caralhada de filmes sobre o front man do JoyDivision. Nem por isso sei o que ele pensava ou o que se passava pela sua cabeça quando resolveu dar cabo à própria vida na sua cozinha. Será que não tinha lugar melhor para se matar, ou forma menos dolorida? Passa isso pela cabeça de quem vai se suicidar: ok, vou me matar na sala porque é meu local predileto; ou, vou me matar no banheiro para causar maior impacto em quem me encontrar; ou ainda, vou me matar no escritório, para que as pessoas confabulem sobre as causas que me levaram a tal ato.

Mas e à velhice, será melhor não chegar a nossa forma mais decadente fisicamente e morrer no auge de nossa capacidade física e mental? Conseguir passar pela inquietude e chegar próximo ao que poderia se chamar de nirvana em vida, ou seja, a tranquilidade e a maturidade que somente os anos vividos e a experiência são capazes de nos propiciar?

Perguntas, perguntas, perguntas. Sem respostas!... perguntas sem respostas. Quem poderia ter a resposta mais certa? Algum oráculo? Ou John Lennon poderia vir em espírito e explicar que ele preferia chegar (e passar) dos 68, como seu parceiro Paul? Ou ao contrário, morrer aos 40 e passar à imortalidade é muito melhor, como diz a letra de MyGeneration do Who: Espero morrer antes de ficar velho (o que aconteceu com o baterista Keith Moon e não com Pete Townshend)?

O medo de envelhecer é uma característica de quem tem síndrome de Peter Pan, aquele gurizinho que vivia na terra do nunca e que não envelhecia. E a velhice, aos poucos faz com que nosso corpo fique mais feio, nossas feições mais enrugadas, não tenhamos a mesma agilidade física ou mesmo psicológica e mental, sem a mesma capacidade ou mesmo interesse pelo sexo; o surgimento das rugas e dos cabelos brancos, que fazem da nossa aparência mais cansada...

Por certo, e muitos poderão assinalar, coisas boas devem surgir com o passar dos anos e com a velhice. Como já disse, a sabedoria e a maturidade, a calmaria, as (muitas) histórias para contar, a experiência. Seria isso a vantagem de se atingir a velhice?

Quisera chegássemos a idade mais longínqua não só com a sabedoria e a experiência, mas também com o ímpeto e vigor da juventude, com a mesma vontade de mudar o mundo que tínhamos no princípio de nossa vida adulta. Será que o frágil corpo e seus órgãos cansados aguentariam tamanha adrenalina? Dessa forma, todos morreriam por seus ideais.

Sempre penso que deveria ser o contrário, viver como bunda mole quando jovem e chegar à velhice como um revolucionário. O mundo seria um lugar melhor para se viver. E deixaríamos de ver muitos pensadores e revolucionários virarem covardes e corruptos.

No final das contas, acredito que a decadência da velhice não são as limitações do corpo, mas virar um acomodado, bunda mole sem ideais e aquietar os seus desejos e sonhos em prol de uma segurança covarde.  


Obs.: escrevi o texto no feriado da Proclamação da República.

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