sábado, 29 de março de 2014

QUARENTENÁRIO - 42 ANOS - OUTONO EM PORTO ALEGRE

Fachada HED - Hospital Ernesto Dornelles onde nasci
29 de março de 1972. Quarta feira de uma semana santa. Sexta feira, dia 31 feriado. Domingo 02 de abril, domingo de páscoa. Outono em Porto Alegre. Porto Alegre, Hospital Ernesto Dornelles.

“Nem tudo está perdido
nem sinal de pedra no peito
o horóscopo do jornal arriscou "um belo dia"
liguei o rádio na hora certa
era a canção que eu queria”

(Todo mundo sabe que não se deve começar um parágrafo com número, mas esse post não dava para começar diferente, escrever por extenso vinte e nove não teria o mesmo efeito. Também não é legal começar um parágrafo com parênteses, mas cometo essa heresia assim mesmo).

Até hoje não sei qual era a temperatura e como estava o clima daquele dia, meio de semana santa, outono em Porto Alegre

“Nem tudo está perdido
tudo em paz no reino da química
ninguém me telefonou enquanto eu dormia
sonhei com meu pai e ele sorria
chimarrão pra acordar era só o que eu queria”

frio, calor, ensolarado, chuvoso? Já pensei em procurar nos jornais da época para saber as notícias do dia, em Porto Alegre, no Rio Grande, no Brasil e no mundo. Na internet, infelizmente, anos atrás não tive êxito. Talvez se passasse na Zero Hora ou na biblioteca pública de minha cidade natal poderia saber o que acontecia no mundo, naquele começo de década.

15 horas em ponto (de novo começando com números um parágrafo)! Esse horário fatídico. Provavelmente em casa o cardápio era peixe. Minha (bis) avó católica fervorosa com certeza levava essa tradição católica a sério. Na verdade naqueles (não tão) longínquos anos de 1970 as tradições eram mais respeitadas do que são hoje. Eram outros tempos, outro mundo, outros valores, outras crenças. Eram outras pessoas. Éramos outras pessoas.

Imagino que era um dia ensolarado, nem quente nem frio (fresco não!), enfim um dia agradável para se nascer. O  chão forrado de folhas. O dia ideal para eu nascer. Três dias antes a cidade fizera aniversário. 200 anos. Pena não ser três dias depois e coincidir com a minha data, como ocorre com Curitiba e Salvador. Mas muito próximos, sempre achei isso motivo de orgulho (a gente tem orgulho de cada bobeira. E se pensarmos de forma racional tudo parecerá totalmente idiota. Ainda bem que a razão é deixada de lado muitas vezes. Seria um saco ser totalmente racional. É tão bom ser idiota por algumas vezes...). Foi num domingo o aniversário da cidade e Deus reservou para mim a quarta feira. Carros nas ruas, movimento grande de transeuntes no centro (rua da praia no ritmo de um dia de semana, com as pessoas indo e vindo, na correria do dia a dia, mas que em nada se compare com essa loucura dos dias de hoje) no meio da semana, talvez já na contagem regressiva para o final de semana e talvez começando a programar o final de semana.

Não lembro o último aniversário que passei com minha mãe. Com meu pai, que está com meu tio churrasqueando no céu então, muito menos. Provavelmente na primeira infância. Com tantos filhos, ele não teria tanto tempo para passar o aniversário com todos. Mas com a mãe, deve ter sido em 1991, meu primeiro ano de faculdade. A partir daí segui o ritmo da vida, o rumo da vida

“Eu vou no ritmo da vida
  vou no ritmo que a vida me levar”

os caminhos tortuosos (ou não) que o destino me reservou.  

Estou completando 42 anos neste sábado. O sétimo filho do meu pai. Se tivesse sete filhos, o sétimo teria poderes de cura, como diz uma lenda Irlandesa, que virou tema de disco do Iron Mayden. Virou filme. No Reino Unido acredita-se que o sétimo filho do sétimo filho tem poderes mágicos e na Argentina, que vira lobisomem. Não terei sete filhos, parei no segundo,o Gui. Não teremos um curandeiro ou alguém com poderes e até mesmo um lobisomem no mundo. Não vindo dessa árvore genealógica.

Quis o destino que minha mãe estivesse por aqui no meu aniversário de 42 anos. Legal receber os parabéns da mãe ao vivo, não por telefone ou por um frio cartão de papel. Há mais de 20 anos não sei o que é isso. Um sentimento difícil de explicar. Parece pouco para quem tem a mãe perto e que tem a possibilidade de passar a data em família. E que por ser rotina não valoriza isso. Mas não para eu, para meus irmãos, para minha família, que tem um irmão em cada canto do país. Reunir os cinco filhos da dona Sirlei é uma lenda. Quase impossível. Principalmente para descendentes de uma tribo nômade do Oriente Médio, como meu tio Luiz me informou antes de morrer. E os Silveiras carregam esse estigma nômade no sangue. E os de cinco gerações para cá (José Higyno, Laudelino, Flamarion, Márcio, Victor e Gui) têm forte essa marca da família. Tanto que o Victor já pensa em estudar fora, embora esteja cursando Física na Uel. E o Gui  já manifestou anos atrás o desejo de fazer curso superior nos EUA.  

“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz.
Veja você, quem diria, que ironia,
sem você eu sou feliz!

Outono em Porto Alegre
Nem tudo está perdido
outono em Porto Alegre
sou o dono dos meus passos sobre folhas mortas
o mundo fica pra outro dia
andar por aí era tudo que eu queria”

Por muitas vezes conversei com o Zé Renato (às vezes ao vivo, muitas em troca de cartas e algumas tantas por e-mail) sobre estarmos envelhecendo. Quando fizemos trinta nos achávamos jovens apesar da idade. Agora o que acrescentaríamos nesse bate papos? Sinto como há 20, 25 anos; sinto como quando fiz 15 anos e queria colocar na vitrola às 15 horas a canção XV Anos do Ira!, não por causa de numerologia, mas porque nasci às 15 horas, naquele outono de Porto Alegre, naquela quarta feira (semana santa), no Hospital Ernesto Dorneles. Também já quis ir ao hospital pesquisar algumas informações importantes daquele dia 29 de março de 1972. Mas não tive tempo... ainda... não tive tempo...

Como dizia, sinto minha cabeça como de quando tinha 15 anos. Não mudei muito nessas décadas que se passaram. A cabeça não muda, apesar das experiências e da maturidade que o peso nas costas trás. Continuo com a mesma voracidade de viver, de conhecer, de explorar que eu tinha nos áureos tempos da adolescência, da Mayday, daquelas tardes cinzentas sentado no muro da rua São Paulo, esperando o tempo passar entediado.

O que mudou? Tudo! O mundo mudou, meu corpo mudou, minha vida mudou. Graças a Deus, ninguém agüentaria quatro décadas todas iguais às outras. Tédio com um T bem grande... mas a mente, apesar das mudanças, continua a mesma. Os mesmos sonhos. Às vezes me pego sonhando acordado com uma banda, tocando bateria com a mesma galera, umas covers do Joy Division, do Smiths... o mesmo sonho adolescente... a cabeça continua a mesma (difícil reunir esses malas, Ronaldo em Sampa, Zé Renato em Vitória, eu em Londrina, Branco em Santos). O corpo muda. Para pior. Envelhece, apodrece. Mas a cabeça é a mesma, a mente é a mesma. Por isso costumo dizer que faço 42 anos, com corpinho de 25 (porque tenho o mesmo peso de quando tinha 25 anos) e cabeça de 12. Não é por ser retardado, como as pessoas imaginam e criticam de uma forma humorada; mas é porque a mente não muda consideravelmente como o corpo nos anos que se passam.

“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz!
Veja você, quem diria, que ironia
sem você eu sou feliz!”

Quando morava em Santos, tínhamos um amigo bem mais velho. O solitário “Santista”. Nunca soube o nome dele. Nunca saberei. Torcedor fanático do time da cidade, vivia contando histórias do passado. Uma enciclopédia em vida. Trabalhava nas Docas, morava perto da rua São Paulo, num porãozinho, como muitas pessoas moravam na década de 1980 em Santos, aqueles casarões antigos, cheios de cômodos e que viravam diversas residências para pessoas (bem) pouco abastadas. Não chegava a ser cortiço, mas era um lugar onde várias pessoas (não famílias em geral) alugavam um local para descansar seus esqueletos após um cansativo dia de labuta. Solitário, mas humorado, sempre nos parava na rua para bater um papo, para amenizar a solidão. E lembro quando fez “51 primaveras”. Era um dia especial para ele. Primaveras. Como achava estranho contar a idade pelas primaveras vividas. Nunca contei assim. Nasci no outono. Conto outonos. 42 outonos. Outono em Porto Alegre.

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