domingo, 27 de maio de 2012

ROMANCE IDEAL

"Menino e menina
se conheceram quase sem querer
não foi por obra do acaso, 
tinha mesmo que acontecer..."

Não se conheceram mesmo quase sem querer. Ele era amigo do irmão dela. Jogavam bola juntos, moravam na mesma rua; estudavam juntos os dois amigos. Ele era 'veterano' na escola, fez a acolhida do irmão dela que se transferiu para a mesma escola. Apresentou para a galera, ajudou na adaptação. Tinham 11, 12 anos, estavam na 5ª ou 6ª série. Mas já eram amigos da rua, antes de serem colegas na escola.

Certo dia o amigo comentou com ele:

- Minha irmã tá afim de ti - isso na frente dela. Ela, claro, 1 ano mais nova, enrubeceu timidamente. Ele se achou o máximo, sentiu o ego inflar e gostou demais da idéia. Senil e doce sentimento humano, pensou com seus botões.  

Já a havia notado na rua, nas brincadeiras, se mostrava com uma beleza angelical e claro, infantil, assim como ele próprio. Desde então, se apaixonou por ela. Enlouquecidamente, mas sem impulsividade, sem cometer loucuras e se expor ou expor aquele amor silencioso. 

Passou a fazer as tarefas da escola na casa do amigo e consequentemente dela; ficava quase sempre para o almoço, sentado sempre em frente à mesma, trocando alguns olhares, palavras tolas que somente a eles significava algo. Tímidos, aquele era um amor sem palavras, sem toques... não falavam sobre o assunto, amavam-se em silêncio; eram cúmplices de um amor não concretizado. 

Certa vez, em uma brincadeira de rua, tocaram as mãos um do outro. Ele sentiu uma tremedeira pelo corpo todo; ela se arrepiou da cabeça aos pés, numa transmissão química dos seus corpos tão forte e significante. Sonharam a noite um com o outro, mas sem um saber do outro ou o outro saber do um. O amor em comum não lhes permitia que trocassem qualquer palavra entre si; sabiam e sentiam que era algo recíproco... e só. Sem explicações, parecia que a concretização do amor poderia estragar sua pureza e beleza.

Os anos se passaram. Tornaram-se amigos, mas o amor dos dois não era assunto entre ambos. Nas festinhas adolescentes não ficavam. Eram de turmas diferentes; ele radical, roqueiro, tinha uma banda; marginalizado pelos demais, tinha fama de mal, mesmo sem ser, mas por preconceito dos outros; ela era um anjo, meiga, sensível, frágil, bela, cativante, princesinha; jamais andaria com um punk rocker. Não combinavam, ele largadão, rasgado, sujo... ela uma bonequinha, patricinha... mas continuavam se amando em silêncio; e continuavam amigos.

Ele mudou de rua anos depois; ela continuou morando no mesmo local. A vida os afastou; cada um seguia o seu rumo, seu destino.


"... se encontraram então no parque da cidade..."

Se encontravam raramente. Já adultos eram 2 desconhecidos e pouco se falavam, além da troca de olhares e um pequeno aceno de cumprimento. Mas sentiam quando se olhavam que aquele amor permanecia. Era nítido, no brilho dos olhos de ambos. Qualquer um que observasse de longe quando trocavam esses olhares, conseguiria perceber. Sorte de ambos que ninguém jamais desconfiara. Ou seria azar?

Não comentaram com ninguém, ela com sua melhor amiga escondeu de forma selecionada esse segredo, ele jamais abriu a boca para qualquer amigo. 

Nos seus encontros já adultos perceberam que não havia clima para um romance. Conseguiam perceber isso nos raros olhares que trocavam quando se encontravam. Não havia clima, coragem, vontade; só desejo, mas não o bastante para enfrentarem a situação, para concretizarem aquele amor infantil.

Se encontravam geralmente nas filas de cinema, nos teatros, nas baladas, nos shows... por todos os lugares que frequentassem. Sempre acompanhados, ora com os amigos e amigas, ora com namorada e namorado. 


"... o tempo passou, o sol se foi
as chuvas pararam de cair
Você partiu pra longe daqui
e me deixou assim, sozinho, pensando no meu jardim
eu tenho momentos tristes, eu tenho momentos de prazer
lembrando momentos agradáveis, quando estava junto de você..."

Ela então casou-se e o convidou para o casamento. Mesmo distantes, ela lembrou dele nesse momento tão importante. Para ambos. Ali selavam o final de tudo o que nunca aconteceu, tudo o que não viveram. Seu noivo era um amigo de infância de ambos. Teve 2 filhos; lindos como a mãe. 

Ele não casou. Partiu para aventuras da vida de solteiro, conheceu lugares, mulheres, pessoas; procurou viver um grande amor, mas sem muito sucesso. Fugiu da rotina e a vida os separou definitivamente; nunca mais se encontraram.

Anos depois a encontrou em uma rede social. Já trintões. Percebeu que quanto mais os anos passaram, mais bela a guria da sua infância havia ficado. Os anos e a vida de casado, os filhos, fizeram bem a ela. Pelas fotos conheceu sua família. Viu o amigo de infância. Percebeu como a família festejava as datas importantes, sempre juntos, viagens, natais, aniversários das crianças. Sentiu saudades do que não viveu.

Finalmente se reencontraram, desta feita virtualmente. Conversaram sobre tudo, a família, a vida profissional, as dificuldades, lembraram dos momentos juntos, dos amigos de infância, os caminhos que cada um seguiu, conversaram sobre tudo, sobre a vida em geral. Se conheceram novamente; eram outras pessoas, diferentes das que se conheceram na infância. A vida e as experiências os transformaram em pessoas diferentes. Porém, no fundo restava ainda alguma coisa que os tornavam cúmplices: aquele amor mútuo.

Mas o tempo os afastaram mais uma vez. A superficialidade de um relacionamento virtual, de duas pessoas que viviam quilômetros de distância e que mantinham relacionamentos completamente diferentes impediam qualquer tipo de aproximação maior. Essa amizade virtual nada promissora enfim enfraqueceu e esfriou. Dessa vez, para sempre.

Então ele sonhou com ela; sonhou com o amor que não viveu; sonhou a vida que não tiveram juntos, fantasiou coisas que não aconteceram; a noite inteira sonhou com seus beijos, que nunca existiram, sonhou com abraços, amor, sonhou com dias que não viveram, que não tiveram. Sonhou com os filhos que não tiveram, que poderiam ter, sonhou com os aniversários, festas, baladas, cinemas juntos, dia dos namorados e tantas outras datas importantes. Sonhou com uma vida de sonhos, aquela que não puderam viver, que não souberam viver, que a vida não permitiu que vivessem.

E quando acordou não queria mais a vida real. Por dias ficou sobre o efeito do sonho. Nada mais parecia valer à pena. Queria gritar ao mundo aquele amor que não foi possível dizer no momento oportuno. Mas o tempo passou e não permitiu novamente vivenciá-lo. A vida era outra. 

E pensava nela, na vida que teriam levado juntos. Casariam em uma pequena igreja de algum povoado distante, tendo como testemunha o padre, alguns poucos curiosos do lugarejo e Deus. Viajariam de lua de mel para um lugar qualquer, paradisíaco, celebrando o amor! Finalmente o amor!

Teriam filhos. Um só não, teriam 2, um casal. Uma guria linda como a mãe e um guri esperto e inteligente como o pai. Viveriam intensamente cada momento dos filhos, as alegrias, as agruras, tristezas; os primeiros passos, os primeiros dentes, as primeiras amizades; dariam boas risadas e chorariam com eles. Brigariam muito entre si e com os filhos; mas estariam sempre juntos, um dando força para o outro nos momentos mais difíceis.

Quis voltar a sonhar, viver aquele sonho, novamente, mais outra vez, novamente, eternamente. 




"... se eu queria enlouquecer, essa é a minha chance
é tudo o que eu quis
se eu queria enlouquecer, 
esse é o romance ideal."


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Opine, comente, reclame, grite! Aqui: