sábado, 10 de março de 2012

ALGUMA COISA ACONTECE NO MEU CORAÇÃO

No final de 1990 fiz o meu primeiro vestibular. A escolha da profissão foi algo meio esquisito, meio que ao acaso. Ok, não acredito muito nesse negócio de acaso. Na verdade nada acontece por acaso, tudo tem um porque de ser e só acontecerá se tiver que acontecer. É nisso que acredito. Ponto final. O que queria dizer é que me inscrevi no vestibular na Unesp no final de 1990 tendo como primeira opção Psicologia. Alguns anos antes, ainda sem ter definido o que fazer, lendo um dicionário em uma noite de insônia, sem ter algo mais interessante para ler, peguei o Aurélio. E nele li a definição da palavra esquizofrenia, meio que ao acaso... bem, não foi ao acaso, entende, porque aquilo mudou a minha vida. Foi o primeiro dia do resto da minha vida. Isso porque, pela definição que li naquela fatídica madrugada do final dos anos 80, em Santos, ao lado da linha do trem, olhando a cidade silenciada, pela janela da sala do pequeno apartamente da Campos Melo, quase de esquina com a Afonso Pena, me senti o próprio esquizofrênico. Aquilo que descrevia ali no dicionário era eu. Na realidade não foi na Campos Melo, mas anos antes, ainda no 141 da Júlio Conceição. Sim, isso mesmo, no início do Colegial.

Bem, tiveram outras influências na minha decisão, como a professora de Biologia (que era Psicóloga) do Primo Ferreira (ou Primo para os que estudaram lá) e que queria saber quem era o Márcio, que havia tirado a melhor nota na primeira prova que deu e ficou surpresa de ser eu, o mais bagunceiro do 3ºC1. Depois ela passou a me respeitar um pouco mais e a recíproca passou a ser verdadeira. E outros motivos que não lembro mais, sendo esses dois, por guardar na lembrança, os determinantes.

O dia do vestibular chegou. Não havia estudado ou feito cursinho. Queria desistir. Ir para São Paulo em plenas férias escolares, minha namorada Ana em Santos (ela era de Sampa) e eu tendo que subir a serra? Não vou... mas meu amigo Wagner insistiu, disse que eu teria que ir, não custava nada. E lá vou, mala nas costas, três dias seguidos em Sampa, mais precisamente em São Bernardo do Campo, na casa do meu irmão Beto. Quinta, sexta e sábado, de dezembro de 1990. No primeiro dia lembro de tê-lo encontrado na Avenida Paulista, onde eu faria a prova, em uma escola que não lembro o nome, perto do Shopping Paulista. E ele estava indo trabalhar. Ele me pagou um lanche no Bob's e cada um partiu para o seu rumo.

Lembro de sair da prova todos os dias e fazer hora para encontrar alguém em casa, pegar o metrô, ir para São Bernardo e esperar o dia seguinte. Na quinta e na sexta fui assistir a umas peças teatrais com sexo explícito ao vivo... era uma loucura aquilo. Os caras querendo me barrar e eu já tinha 18 anos. Tiveram que me deixar entrar. Saía de cada sessão alucinado...


Finalmente no sábado, depois dos três dias de maratona do vestibular, fui para casa, achando tudo muito fácil. Prova dissertativa. Durante dias e diante das perguntas dos que me acompanhavam e queriam saber como tinha ido, inclusive a mãe da Ana, respondia que tinha sido muito fácil e que no próximo ano faria cursinho e passaria com certeza. Só não sabia se tentaria Psico novamente. Porém, numa manhã de terça feira, fui comprar o jornal para a D. Elza, a minha chefe no escritório de Administração de condomínios onde eu trabalhava, O Estado de São Paulo e aproveitei, descrente, para ver o resultado do vestibular. E para minha supresa lá estava estampado o meu nome. Havia passado! Fiquei eufórico. Quando contei em casa, minha mãe ficou entre a alegria e a tristeza: o Rogério já havia saído anos antes para a Marinha do Brasil; o Beto morava em São Bernardo, onde estudava e trabalhava; o Fábio além de ter passado nesse mesmo vestibular da Unesp, só que em Bauru, para Jornalismo, estava em Londrina, fazendo a matrícula na Uel, onde também havia passado; e agora eu estava me preparando para alçar voos distantes. Só sobraria o Renato. Éramos seis...

Na realidade, se a memória não me falha nesse momento (tenho uma memória hipermetropéica, não é boa para coisas recentes, mas para o passado, quanto mais longínquo, mais perfeita - será isso uma característica da idade ou dos saudosistas?) o resultado saiu numa segunda feira. Não, foi numa terça mesmo. Tinha 4ª e 5ª feira para fazer a matrícula, me bandear para lugares nunca d'antes navegados (Assis-SP) imediatamente. Assim o fiz. De Santos, na época, não tínhamos ônibus direto. Fui para Sampa, rodoviária do Tietê. Me dirigi até o guichê da empresa que fazia São Paulo - Assis (Andorinha) e tenho a triste surpresa do valor da passagem era bem acima do que eu esperava; dinheiro da época devia ser o Cruzeiro do Collor. Então eu tinha tipo 200 pilas para ir, voltar, comer, enfim, para todas as despesas. Vi que a passagem era tipo uns 120 pilas. "Fudeu", pensei... numa época em que não existia a facilidade do dinheiro de plástico como hoje, rodei a rodoviária pensando em uma saída, até que cheguei à conclusão, voltar para Santos, pegar grana com minha mãe e retornar para Sampa e prosseguir com meu destino. Mas antes, pensei, vou já garantir a ida. Quando fui comprar a passagem, era bem abaixo do que estava marcado, aquele preço era para ônibus leito. Comprei a passagem para às 24 horas e fiquei rodando por Sampa, cheguei até a casa do meu tio.

Preciso refazer esse percurso qualquer dia desses, sair de Santos, pegar o busão para Assis na Rodoviária do Tietê e chegar lá de madrugada. Tenho pensado algumas vezes nisso, mas ainda não deu certo. Reviver alguns momentos da minha vida, acho que isso é chegar à maturidade, tentar reviver alguns momentos da experiência vivida ao longo dos anos.

Estava careca, porque meus amigos fizeram questão de me ferrar lá na famosa rua São Paulo, em Santos. Na rua que meu tio morava, que não era mais a Fabiano Alves, mas continuava sendo na Vila Prudente, tinha umas gurias que eu conhecia e modéstia à parte, fazia sucesso; eram elas: Claudia, Vânia e Mena. Quando souberam que eu estava por lá, ficaram rodeando a casa do tio. A tia comentou que elas estavam lá por minha causa, porque nunca a tinham visitado - no caso minha prima Patrícia (elas moravam na Fabiano Alves, algumas quadras abaixo da Avenida Prudente). Foi a última vez que as vi, e que vi meu tio e tia, primos. Houve então um hiato de quase 20 anos, quando os visitei em 2010, já em Bombinhas-SC, para ser mais exato em Porto Belo-SC.

Tudo transcorreu normal, mesmo sem nem saber para que lado ficava Assis, cheguei vivo e o motorista anunciou a cidade. Tive que subir a Getúlio Vargas, umas 4hs, 5hs da manhã - não tinha 'circular' (como chamavam o transporte coletivo) àquelas horas - até o mercado onde os ônibus se concentravam para começar a circular. E lá tinha o que levava até à Unesp. Nesse meio caminho, passamos por uma rádio, Antena Jovem, sintonizei no meu Walkmann, mas qual não foi minha surpresa em escutar uma rádio FM tocando música sertaneja. Credo! Achei esquisito, mas voltei à minha fita dos Smiths (Strangeways Here We Come). Uma senhora se compadeceu da minha situação de perdido aos 18 anos em um mundo distante e me acompanhou até o local adequado, me mostrando a circular que deveria pegar. Acho que mais eu fiz companhia para ela do que o contrário, porque foi conversando e colocando o assunto dos netinhos em dia.

Nos primódios dos anos 1990 eu tinha uma fita do Smiths (Strangeways Here We Come, como citei acima) que me acompanhou muito durante esses anos, nas minhas idas e vindas de Assis para São Paulo/ Santos e vice versa. Lembro de ficar acordado a noite inteira, olhando pela janela o horizonte, por vezes o nascer do sol, ao som de Last Night I Dream't That Somebody Loved Me (A noite passada sonhei que algúem me amava).



E assim daquela primeira vez, o dia clareando, eu dentro do ônibus (a tal circular), no primeiro lugar à direita do motorista, até chegar na Unesp para a matrícula. Lá conheci um carinha, com seu pai e sua namorada, todos de Piracicaba. Não recordo o nome, mas lembro que dias depois (alguns meses) ele surtou e sumiu do mapa e durante aquele primeiro ano ele aparecia e sumia com uma grande frequência, até que sumiu de vez, voltando no ano seguinte. Muito comum naquele começo dos 90 a galera de Psico da Unesp dar um pirada. Fosse nas drogas ou na solidão que a distância de casa proporcionava. Dos 40 alunos da minha sala, apenas 2 estavam em casa; os demais eram de fora.


Eu seguia minha vida, fazendo sucesso com as meninhas do bairro (nessa época morava na Osvaldo Aranha), até que em abril de 1991 conheci aquela guria que na hora percebi que seria a mulher da minha vida, aquela que eu levaria para o altar, ter o Victor Hugo e/ ou a Paula Beatriz e que queria viver para o resto dos meus dias, fossem mais 20 , 40, 80 anos: a Juliana. Com seu olhar meigo, os olhos da cor do céu, os cabelos levemente encaracolados, ainda reflexo da moda da década anterior, o sorriso encantador e uma voz doce e macia, aveludada; a pele alva que ruborizava facilmente, deixando as bochechas vermelhas, compunham o charme daquela guria pela qual me apaixonei perdidamente. Um contraste entre o azul dos olhos e o vermelho/ rosado das bochechas... como se Grêmio e inter estivessem em uma mesma pessoa, amor e ódio... ódio e amor, tudo na mesma pessoa, o tempero perfeito para uma paixão devastadora, sem medir consequências, insana... não queria mais saber de ninguém, só dela.

Mas essa história fica para o próximo post. Nessa época a trilha sonora da minha vida se baseava em Smiths (claro), Morrissey, o rock inglês como um todo (Jesus And Mary Chain, Sister Of Mercy, The Cure, Joy Division, e tantas outras bandas) e no rock nacional, TNT, Cascavelletes, Legião, Nenhum de Nós, Engenheiros...



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