domingo, 7 de dezembro de 2014

QUARENTENÁRIO - PEQUENAS HISTÓRIAS DE FIM DE ANO


Para o pessimista, terminará mais um ano; e começará outro, que será igual ao que está terminando: dias longos, longas noites mal dormidas, acordando de madrugada, semanas intermináveis, dias modorrentos, aquela velha e maçante rotina de sempre, que enlouquece qualquer um. Já os otimistas estão em polvorosa: um ano que se passa, renovar as energias, fazer planos (que nem sempre – a maioria das vezes – não serão colocados em prática) e começar o ano com o pé direito. Ou esquerdo, sei lá. Os mesmo dias longos e modorrentos, noites mal dormidas, semanas intermináveis, a velha rotina de sempre. Enfim, a vida seguindo seu rumo, dando o seu olá.

Sou daqueles que acha essa época do ano mágica. A euforia toma conta de mim. E minha alegria aumenta consideravelmente. Pode ser porque costumo tirar férias nessa época... sim, credito muito da euforia a essa expectativa. Mas também vejo o final do ano como a oportunidade de fechar as portas daquilo tudo que passou (não trancar para sempre, apenas fechar, talvez enconstar) e abrir as novas que estão logo ali em frente. Encostar as portas que ficaram para trás para depois poder olhar e dizer: foi legal! As conquistas, os dias ensolarados, os cinzentos, as barreiras ultrapassadas, as que não foram, as agruras da vida, os sonhos, as alegrias, as risadas, os choros... enfim, está tudo lá, guardados em nossas memórias. Basta lembrar. E nós, latinos, temos a mania de lembrarmos apenas das coisas boas e romanticamente as coisas ruins, quando lembradas, não vêm com os dissabores do presente. Li isso em algum livro do maravilhoso Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, que nos deixou esse ano e foi escrever seus textos maravilhosos por outras plagas. Aliás, estou me programando para reler Cem Anos de Solidão, o primeiro livro que li do Gabo e que me fez apaixonar-me por sua literatura, ainda adolescente.

O passado me fascina. Todos que me conhecem sabem disso. E quando olho para trás nunca me arrependo do que fiz e tenho esse estranho comportamento latino de romancear as coisas ruins e achar graça e até saudades. É impossível guardar mágoas de qualquer coisa assim.

“... no rádio toca uma canção que me faz lembrar você...”

E não é Blitz, mas Radiohead. E Thom Yorke está cantando

“… been thinking about you, your records are here…”

Arrasando!

O final de ano mais antigo que minha memória alcança é ainda em Porto Alegre, na casa da Carminha, lá na avenida Nonoai, que ao chegar em Teresópolis, vira avenida Teresópolis. Engraçado pensar no nome desse bairro: a terra das teresas... às vezes me dá umas de pensar no porquê dos nomes das ruas, dos bairros e até mesmo das cidades, embora esta última com menor freqüência. Até porque é mais fácil de descobrir. Toda cidade divulga em seu site a sua história.

Minha primeira namorada chamava Ana Teresa... o bairro que nasci, a terra das teresas...

Mas lembro de estar na casa da Carminha. Não sei o ano. A memória me trai justamente neste momento. E não lembro mais de nada. Apenas da euforia, muita gente, piscina, alegria, alegria. Não lembro quem estava, nada, nada... apenas da noite de ano novo ao redor da piscina. E isso pulsa na memória.

Depois os finais de ano em Santos, aquela felicidade extrema de todos, o ritual de se vestir de branco, ir para a praia ver a queima dos fogos. E tem dois momentos que gosto de lembrar e que vou compartilhar aqui. Um, ainda criança, por volta de 1982, no verão que a Blitz estourou com a canção Você Não Soube Me Amar. Só se escutava essa canção. E também as da Rita Lee. Lembro do disco que a Rita lançou no início dos anos 1980 e que fez um sucesso enorme. Queria usar um adjetivo mais forte para esse sucesso, mas as palavras me somem. Estava, nessa época, apaixonado por uma guria chamada Andrea. Era minha namoradinha. Bons tempos. Da Andrea não sei de mais nada. Quando mudou do 123 da Espírito Santo, ali no Bairro Campo Grande, ainda a vi por uma vez, conversamos um pouco e depois o tempo e a vida nos separou de uma vez por todas. Ficaram as lembranças e as saudades. Éramos duas crianças. Mas foi divertido.

E lembro dos preparativos, da ansiedade, todos de branco aguardando o relógio dar meia noite, a contagem regressiva. E o que vem à mente é eu andando pela Espírito Santo, à tarde, em frente à doceria Praiano, olhando o movimento, os carros (que definitivamente não eram os mesmos de hoje e muito menos a quantidade que vemos hoje) passando, a música alta nas casas e Doce Vampiro, da Rita, tocando em volume máximo, vindo de algum apartamento em que as pessoas estavam na empolgação total, maior do que todos.

“... and even though I might, even though I try, I can't…”

É isso que rola na ‘vitrola’ enquanto escrevo este post. E o disco da Radiohead vai terminando enquanto minhas lembranças fluem na minha mente. É o Pablo Honey, primeiro disco da banda. Divino!

Parece que naqueles anos 1980 as coisas demoravam mais para acontecer. Por isso tínhamos que aproveitar mais. Outro dia conversando com o Fábio, meu irmão que mora aqui em Londrina, falávamos sobre isso, a sociedade da fartura. Isso é bom e ruim, porque as pessoas não aprendem a valorizar as coisas e tudo se torna descartável. É o que acontece com as novas gerações.

Sociologicamente falando, o modo como nossa sociedade foi se organizando, valorizando acima de tudo o consumismo em massa, associando consumismo com felicidade (a droga da felicidade seria o consumo?). Os comportamentos foram se moldando a essas idéias da pós-modernidade. Ficar muito tempo no mesmo emprego já não é o comportamento esperado, pois demonstra uma personalidade acomodada, sem desafios; mais empresas surgiram, a concorrência acirrada passou a ser uma constante em nossas vidas. Mais e mais produtos, nem sempre imprescindíveis em nossas vidas surgiram e nos venderam a idéia de que não podemos viver sem eles.

Só que para consumir o novo é necessário descartar o velho. Porém, o descarte não passou apenas pelos produtos de consumo, mas atingiu também os relacionamentos, que passaram a ser cada vez mais fugazes e descartáveis. As pessoas passaram a ser vistas como produto. Sei de pessoas que se ‘vendem’ como um produto quando estão em busca de emprego.

Os discursos se moldaram (ou moldaram) a essa nova sociedade. Carpe Diem, expressão latina que significa aproveite o dia, foi difundida a partir do filme A Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989. Imperceptivelmente os discursos e as manipulações acontecem sem nos darmos conta. E muitas pessoas justificam suas impulsividades por aproveitar o momento único, que passa rápido. Não percebem que tudo deve ter um equilíbrio.

“Blame it on the black star
Blame it on the falling sky
Blame it on the satellite
That beams me home.”

Quem me conhece sabe que sou fissurado no passado. Mas não sou um velho saudosista amargurado. Muito pelo contrário, vivo cada momento intensamente, para depois poder lembrar de como a vida foi boa. E vou dizer uma coisa: a vida pré internet era muito melhor. Não por ser saudosista, mas esse ritmo de vida que impomos a nós mesmos é surreal. A vida vai passando escorrendo por nossas mãos, esvaindo. E não aproveitamos um terço do que aproveitávamos antes da internet.

A dona Sirlei, que criou cinco filhos sozinha, na raça e na coragem, coisa de gaúcho, pois o Flamarion a deixou com os cinco guris pequenos para criar, dava sempre um jeitinho de fazer nosso natal e ano novo o mais feliz de todos. Não havia a fartura que vemos hoje. Pelo contrário, tudo era contato e devidamente repartido. Mas sempre passávamos esses dias com muita euforia. E vez por outra íamos à praia para ver os fogos de ano novo. Também acompanhávamos a contagem regressiva pela televisão. Esta que ditava quando era a hora de trocar os abraços e dar as boas vindas ao novo ano e às pessoas que nos cercavam.

Outro ano novo que lembro com freqüência foi meu último solteiro, em 1991. Fui para a praia e amanheci vendo no horizonte navios parados aguardando seu momento de atracar no porto; milhares de pessoas de branco estourarem champagne e aos poucos voltarem para suas casas e a praia voltando a ficar deserta, mas com alguns insistentes como eu, sentarem na areia e aguardarem a primeira noite do ano ir embora e o sol nascer. E o mar sujo com as oferendas a Iemanjá e ao todos os santos.

Talvez tenha sido um presságio ao que viria a acontecer no ano seguinte, quando eu e a Juliana fomos morar juntos. Mas a passagem do ano de 1991 para 1992 foi sozinho, com meus ‘botões’ em meio à multidão desconhecida, ora encontrando algum amigo e a família, mas lá estava eu, só entre a multidão, o mar de gente, com uma garrafa na mão, aguardando a explosão e o êxtase da zero hora.

Eu tinha dessas, de ficar sozinho, de refletir sobre a vida, sobre as coisas ao meu redor. Lembro de férias em Santos, na adolescência, quando passava os dias na praia deserta, fora de temporada... um livro nas mãos, pensamentos e sonhos na cabeça... invernos na praia cinzenta e a cena se repetia; dias chuvosos, um guarda chuva, o muro da ponta da praia como assento, o mar aos meus pés e a companhia das gotas de chuva e o anoitecer devagar.

Tiveram outras passagens de ano na praia. Mas igual essa não. E só voltei a amanhecer na praia esse ano, em Canto Grande, Bombinhas, com minha família e meu irmão Rogério, a Terê e o Biel. Estávamos sem rumo, fomos para Floripa, que estava impraticável, depois decidimos que Bombinhas seria nosso destino e finalmente Canto Grande.


São algumas lembranças que passam pela minha mente, como um turbilhão. Tudo ao mesmo tempo, e vou organizando em palavras, o que é difícil. Primeiro porque as palavras escritas não têm o mesmo sabor, a mesma emoção da memória e que a Radiohead me proporcionam; segundo porque ao não escrever imediatamente, a idéia se esvai e se perde na mente. Nem sempre volta com a mesma naturalidade. Mas o que fica de registro é a essência.

O que nos reserva no futuro não sabemos. Talvez esteja escrito em algum livro do destino, sabe Deus. Tem uma canção que diz que

“O futuro é sagrado, ele só a Deus pertence...”

do primeiro disco da Uns e Outros, que por sinal tenho em vinil.
Mas esse destino que o futuro nos reserva não tem como saber a não ser vivendo e o tornando passado. E o passado ninguém tasca. Ele está lá, vivido, usufruído, aproveitado... não tem como apagar ou se arrepender. Simplesmente está lá. Para ser lembrado por toda a eternidade ou enquanto durar nossa memória, que além de fraquejar nos engana a todo momento. Mas é o passado que nos faz ser o que somos e com essas experiências que tomamos tantas decisões erradas e acertadas, marcando nossa essência, nossa alma.

“Don't leave me high, don't leave me dry
It's the best thing that you ever had
The best thing that you ever, ever had
It's the best thing that you ever had
The best thing you ever had has gone away.”

E no final, meus caros, é o que vale.    

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