domingo, 14 de dezembro de 2014

QUARENTENÁRIO - 20 ANOS NOS 80 ANOS DE LONDRINA


Cheguei em Londrina em fevereiro de 1994, aos 21 anos. Éramos eu, a Juliana com 20 anos e o Victor com seus 3 meses. Carregava na bagagem algumas parcas mudas de roupa e muitas bugigangas, como meus discos, pôsters e recorte de fotos, revistas, letras traduzidas de canções, das bandas que fizeram parte da minha vida, principalmente Smiths, que eu amava e amo até hoje. Um monte de porcaria que o tempo (e a Juliana) fez se perder; menos os discos que ainda tenho hoje. Ou seja, chegamos com pouca bagagem e carregado de sonhos de se estabelecer na terra vermelha. Como os pioneiros na terra vermelha do norte do Paraná. Transferi o curso de Psicologia da Unesp, campus de Assis, para a Uel e a Juliana, que fazia Letras na Unesp, onde nos conhecemos, fez o vestibular (e passou) em Serviço Social.

No começo foi muito difícil, com um bebê de colo e nós dois estudando. Algumas economias que dava para segurar a barra por alguns meses só estudando. Ficamos umas duas semanas na Casa do Estudante e não ficamos de vez por lá porque não era permitido estudante com filhos. Alugamos uma casa na Canudos, no número 141. Nossa primeira moradia, nosso primeiro lar como família.

Quando mudamos, tínhamos um fogão, um botijão de gás, alguns cobertores e só. A casa ficava vazia; dormimos 2 noites no chão forrado apenas com os cobertores; o Victor dormia "confortavelmente" em seu carrinho. Daí caiu em minhas mãos um encarte da Lojas Americanas, com promoção de colchonete; foi um grande avanço dormir no conforto daqueles colchonetes. Em seguida, na mesma Canudos, um pouco para frente, no sentido da JK, nos deparamos com um carinha que estava vendendo seus móveis pois estava de mudança para São Paulo. Compramos geladeira, mesa, uma poltrona, armário de cozinha, e sei la mais o quê. Pela geladeira, o cara levou o apelido carinhoso de "Geladeira". E, vizinhos, volta e meia cruzávamos com o Geladeira em nossas andanças ao supermercado Viscardi, açougue, farmácia, em todos os lugares do bairro, onde éramos conhecidíssimos. Muito pelo nosso estilo de vida tosco e privado de qualquer luxo, meio riponga, mais ainda pelo lindo filho que carregávamos para cima e para baixo, loirinho, com aqueles olhos azuis maravilhosos, e que parecia um bebê Johnson.

Victor Hugo com menos de 1 anos
Nessa época não tínhamos espelho em casa; tampouco relógio; televisão? Muito menos. Acompanhei a morte do Senna pelos jornais; a morte do Denner, aquele neguinho que jogava muita bola na Portuguesa de São Paulo e que teve uma passagem rápida pelo Grêmio, onde teve seu único título profissional na carreira, também acompanhei pelos jornais; a morte de Kurt Cobain idem. Nossa sorte é que meu irmão Fábio tinha assinatura da Folha de São Paulo. E isso nos deixava informados e por dentro do que acontecia no mundo. Para saber que horas eram eu saía na rua, ia até a Humaitá e perguntava as horas para algum transeunte. Cedo, calculávamos a hora de sair para pegar o ônibus ruma à Uel, pelo avião que passava, chegando de São Paulo. Eram 6 horas e 50 minutos. Hora de sair. Mas quando ocorria algum atraso no voo de chegada, também atrasávamos.

Depois do almoço era praxe eu fazer o Victor dormir andando até o cemitério, rodava com o carrinho por lá, aquele silêncio sepulcral do meio dia e eu cantando algumas canções do Chico Buarque, Lupicínio Rodrigues, Caetano Veloso, Legião e até Smiths. Via os túmulos e viajava na história daquelas pessoas que estavam nas fotos, vendo o ano de nascimento, de morte e pensando na vida que elas levaram. E quando percebia o Victor estava em sono profundo.

Essa vida "rústica" em pleno final do século XX foi uma opção. E pagamos o preço por essa opção de correr atrás do sonho de terminar a faculdade antes de trabalhar. 

Largamos uma vida mais tranquila em Assis, só estudando, para enfrentar o mundo e seguir nossos sonhos. 

Tal escolha teve um preço alto. Nos privamos de tudo. Claro que trabalhei, durante o curso, em tudo que aparecia, todo tipo de subemprego, trabalho precarizado. Mas nós dávamos um jeito e foi assim que vivemos os meus 5 anos de faculdade e os 4 da Juliana: fui garçon em lanchonete, em boteco de bêbado, lavei banheiro com vômito de bêbado, fizemos pesquisa eleitoral, pesquisa no sinal, fiscal de prova, trabalhamos em eventos, enfim, fizemos de tudo um pouco, nada ilícito, lógico. E isso foi a maior lição que tiramos daqueles árduos anos: a batalha pela sobrevivência. E nada pode ser mais bonito do que lutar pelo sonho e enfrentar as dificuldades.

O Victor, ainda sendo amamentado, ia para a faculdade conosco. Ônibus 305 ou 307 lotado, em uma época que ele descia pela Humaitá no sentido Uel e nós três entrando naquela verdadeira caixa de sardinhas, onde nós, o povo, éramos as sardinhas, a Juliana com o Victor no colo e eu carregando o carrinho dele e aquele velho conhecido da população de todas as cidades: o desrespeito do poder público com a população usuária do transporte coletivo, todos sendo esmagados dentro de um veículo extremamente cheio. E a empresa de ônibus enchendo o rabo de ganhar dinheiro e seus sócios enriquecendo a custa de um serviço porco prestado à população.

O pior era fazer pesquisa nos bairros, sobre os serviços públicos e escutar o povo dizer que o transporte coletivo era bom, porque não era usuário; ou porque, pelo desinteresse mesmo, respondia que era bom, mesmo sendo uma bosta.

Eu estudava no CCB e na Central de Salas. A Juliana no Cesa. Quem conhece a Uel, sabe que esses centros ficam um em cada ponta do calçadão. Hoje a Central não é mais central. Mas no começo dos anos 1990 era um dos prédios mais novos da Universidade. No intervalo da aula, nos encontrávamos e ficávamos os 3 juntos. Quando eu tinha aula vaga, ficava com o Victor andando pelo campus; às vezes o levava para sala de aula e assistia aula com ele, cuidando dele. Dias duros aqueles.

E assim foi nos primeiros anos. No segundo ou terceiro ano nos adaptamos melhor e o Victor ficava na escolinha, primeiro em uma escola na rua do cemitério ali do Jardim Ipanema, chamada Girassol. Nessa época morávamos no 2233 da Paranaguá. Foi um ano próspero o de 1995. Com as pesquisas eleitorais bombando, compramos até uma geladeira nova, à vista. Em seguida o Victor foi estudar na Curumim, quando mudamos para o 75 da Joaquim Lacerda. Tudo ali próximo, beirando a Higienópolis. Foi a única vez que moramos "do lado de lá" da Higionópolis. 

Na Curumim, no primeiro dia, o Victor não queria ficar. Chorou, chorou muito, porque não estava acostumado, estranhou tudo. E de repente chegou um amiguinho conhecido dos tempos da Girassol: o Pedro. E aí ele ficou mais ambientado e não chorou mais. Naquela época, o pequeno Pedro era gremista.

Gui bebezinho
Nesses 20 anos de Londrina, muita coisa aconteceu. Londrina é a cidade que mais vivi na minha vida. Sou praticamente pé vermelho. Nasci em Porto Alegre, onde vivi até meus 7 anos; morei em Santos dos 7 aos 18, quando saí para estudar em Assis e aos 21 vim para Londrina. Essa cidade me deu tudo. Até um filho, o Gui, que nasceu em 1998 no Hospital Evangélico.

O estranho é que muitos aqui me chamam de gaúcho. Claro, porque sou gaúcho. Quando vou para Santos, não tenho o sotaque caiçara deles. Quando vou à Porto Alegre, também não tenho o sotaque do portoalegrense. Ou seja, não tenho sotaque de lugar nenhum. E quando me perguntam de onde sou, digo que sou de muitos lugares e ao mesmo tempo de lugar nenhum.

Londrina completou 80 anos a semana que passou. E desses 80, estive presente nos últimos 20. A cidade se transformou e nos transformou. Ela era mais arborizada e verde, ao contrário dessa selva de concreto que é hoje; era a terceira cidade do sul, mas perdeu o posto para Joinville. Coincidência com a decadência da cidade crescendo para o céu com seus blocos de concreto e o descaso ambiental, sempre em nome do progresso - que não veio? Resultado de duas décadas de políticos corruptos, medíocres e incompetentes? Reflexo da falta de politização da população? Talvez de tudo um pouco. 

Porem, mesmo com tantos problemas, a cidade continua seduzindo a quem chega aqui pela primeira vez. Como em 1991, quando pisei pela primeira vez em solo londrinense, rumo à Florianópolis. Fui dar uma volta na cidade, pois o ônibus para a Ilha da Magia só saía à noite e eu tinha o dia inteiro pela frente. Desci na rodoviária e me apaixonei pela obra de Oscar Niemeyer. Até hoje acho a rodoviária mais bonita do Brasil, apesar da de Goiânia ser um shopping. Segui rumo à Uel pela avenida Higienópolis, encantado com a semelhança com a Paulista, no coração de São Paulo. E a Uel, à primeira vista, um dos mais bonitos campus de Universidades do pais. Mal sabia eu o que o destino me reservava dali a 3 anos.

Lembro do meu primeiro dia no VGD. Como esquecer aquela goleada sobre o Coxa? Foi um 4 a 0 que deixou a torcida deles desnorteada a ponto de provocar uma briga com grandes estragos em frente à Maternidade Municipal. Mas também, quem em sã consciência constrói uma maternidade colada a um estádio? Resultado do devaneio de algum fanático pelo Tubarão, para que os bebês já nascessem ao som dos gritos da torcida por mais uma vitória do glorioso LEC?

Festa após a vitória nos penaltis em Maringá
Nesses 20 anos de Londrina, acompanhando o Tubarão e sofrendo, vi a cada ano o desmazelo de diretorias que chegavam prometendo mundos e fundos e no final de seus mandatos, o clube cada vez mais empobrecido. 

Em 2014, a felicidade de um título frente a talvez o maior rival, o Maringá, dentro do estádio deles, em uma cobrança de penaltis para matar qualquer cardíaco. E o mais legal foi ter participado da invasão azul e branca à Maringá e ao Willi Davids. 

Antes da glória, muito osso. Como uma noite no VGD em que o Tubarão goleou por 8 a 0 e o placar do VGD não tinha o número 7; e quando, numa noite de segunda feira, final dos anos 1990, um jogo contra o Sorec, um time de Cascavel que beirava o semi profissionalismo. Porra, assistir Londrina e Sorec? Piada. Ou um jogo contra o CAC, em Cambé, em que ficamos em uma grama, sendo comidos pelos mosquitos, pois não havia arquibancada, em um jogo para lá de sofrível. E aquele uniforme horrível que tinha um tubarão na camisa e o técnico era o Nuno Leal Maia, tendo como auxiliar técnico o Saci? Realmente, não levavam a sério.

Mas também assisti a memoráveis embates da Série B no Estádio do Café. 

Tudo são lembranças. E como escreveu Oscar Wilde: o charme do passado é que ele está no passado.

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