sábado, 5 de abril de 2014

UM INSTANTE: REFLEXÕES SOBRE O NADA OU NADA SOBRE REFLEXÕES?


A justiça é cega ou tarda mas não falha?
Vinte e oito anos. Esse foi o tempo que levei para ouvir um elogio sincero aos Engenheiros do Hawaii. Após ler o livro do Ricardo Alexandre, Dias de Luta, sobre o rock nacional dos ’80, o boom do qual ficamos esperando o estouro até o final da década e que não ocorreu. Todos os roqueiros que aprenderam a escutar as bandas nacionais nos anos 1980 tiveram essa impressão de que faltou alguma coisa no final da festa, de que alguém esqueceu de apagar as luzes, pois continuou a gerar expectativas. E de repente, nada aconteceu. E de repente, tudo ficou como era, ou pior, porque veio a onda dos sertanojos, do bregode, do axé e umas tantas outras porcarias que tentaram nos enfiar por goela abaixo. Os inteligentes não caíram nessa arapuca, claro.

Meu “relacionamento” com a banda Engenheiros do Hawaii começou no começo... em 1986 eu trabalhava em uma loja de calçados, meu primeiro emprego e por sorte estávamos numa fase de rock nacional em alta (posso esclarecer por ter vivenciado esse momento tão especial e como pode ser constatado no próprio livro citado) e o meu local de trabalho ficava ao lado de uma loja de discos, por mais bizarro que possa parecer aos dias de hoje, no século passado existiam lojas que vendiam discos, a Prodisc de Santos. E os caras tocavam o disco da Engenheiros, Longe Demais das Capitais todos os dias. Logo a canção Toda Forma de Poder foi parar na trilha sonora de uma novela global, como já contei aqui. Mas antes disso, comprei o disco e fui ao show da banda.

Sorte que não existem mais lojas de discos. Imagina ficar escutando Lepos Lepos, Luans Santanas, Gustavos Limas e todas essas drogas similares e extremamente nocivas para qualquer bom gosto ou para a cultura em geral, mesmo a popular. Eu pararia em qualquer UTI seguidas vezes por stress traumático e overdose. Ficaria como aquele episódio do desenho Pica Pau em que o Leôncio todas as vezes que escuta o Pica Pau bater na árvore com o bico ficava tremendo todo, tem o que o Chaves costumava chamar de ‘pirapaque’. Assim seria eu ao escutar os primeiros acordes de qualquer desses lixos. Não quero ser agressivo, mas essa merda toda me enoja, me dá vontade de vomitar. Tenho asco, nutro os sentimentos mais escrotos. Sempre foi assim. Nunca gostei de modinhas e de manipulação dos meus desejo e gostos, principalmente o musical. E tudo que ficava muito popular eu dirigia olhos desconfiados do que estava por trás, qual a armação.

Nessa época consumia tudo que acontecia no rock, principalmente o nacional. E começava a curtir o rock vindo da República Riograndense, Replicantes, DeFalla, TNT, Garotos da Rua, Nenhum de Nós, dentre outros. E tudo que vinha de lá era visto com olhos saudosos, emocionalmente desequilibrados e nostálgicos da minha parte, sempre muito orgulhoso pela minha nacionalidade riograndense. Uma bobagem que acontece até hoje. Todo gaúcho é mais gaúcho do que brasileiro. 

E como eu dizia, consumia tudo sobre rock, fã incondicional de Smiths e do rock inglês em geral, mas também gostava de escutar o rock cantado em português. Assim não era necessário ligar a tecla SAP (tecnologia que ainda não existia naqueles tempos de primórdios do controle remoto no Brasil) ou ter que ficar esperando ter a sorte de ver a tradução publicada da tua canção predileta na revista Bizz Letras Traduzidas, para saber o que os caras estavam cantando.

Por falar em revista Bizz, eu era assinante dela e acompanhava tudo de mais recente que acontecia no mundo da música, em especial do rock nacional. E não entendia porque os críticos detonavam as minhas bandas prediletas. E a banda mais odiada da crítica era a Engenheiros. Eles (os críticos de música) amavam odiar a banda, era quase que obrigatório e essa expressão “amavam odiar” virou chavão na mídia especializada . Claro que rolava aquele lance de serem músicos frustrados, embora por terem o aparato da mídia e por terem um emprego garantido para seus sustentos poderiam ser mais honestos aos seus ideais de rock. E embora tenham montado bandas totalmente desconhecidas para o público em geral, como Fellini, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, Voluntários da Pátria, foram importantíssimas para o rock nacional como um todo pela qualidade que tinham. Eram fracasso de público e sucesso de crítica, sendo eles mesmos, membros das bandas, os críticos. Por isso, nunca acreditei nessa história de músicos frustrados. Frustrados eram aqueles que se vendiam ao mainstream para se manter no auge, tipo aquelas bandas que entravam no esquema mafioso dos shows do Chacrinha para aparecer no programa e ficar na mídia. E isso, quase todas as bandas fizeram naquela época, uma vez que quem se recusava a fazer playback de graça em troca de aparições no programa, acabava queimado. As bandas mais sinceras e coerentes caíram no ostracismo. Mas não a Engenheiros do Hawaii.

Quando a Engenheiros gravou o segundo disco, A Revolta dos Dândis, houve boa vontade e a crítica foi leve e até elogiosa, não batendo muito. Principalmente a canção Terra de Gigantes, que estourou no Brasil inteiro. E mesmo com Infinita Highway, que foi sucesso total, ser acusada de plágio de Road to Nowhere do Talking Heads. Demorei um tempão para saber do que se tratava Road to Nowhere e ter minha opinião a respeito. Na verdade têm a mesma temática, mas havia uma certa maldade e má vontade para com os gaúchos. E a Engenheiros soava esnobe, pedante. Lembro de comentários dos meus amigos a respeito disso, dos versos sempre rimados de Humberto Gessinger. Como uns gaúchos lá do fim do mundo podiam subverter a lógica de mercado e ganhar o Brasil? No terceiro e no quarto disco (Ouça o que eu Digo e O Papa é Pop – este último eu tinha em K7, os três primeiros tenho até hoje os discos)as críticas destrutivas vieram piores e mais maldosas. Desde a estética das capas até o próprio som, que é o que interessa, tudo era motivo para falar mal.

A banda Engenheiros do Hawaii vendeu mais de 100 mil cópias de cada um de seus três primeiros LP’s. Antes do quarto disco de estúdio, rolou um ao vivo, Alívio Imediato, com os hits remodelados (característica da banda, que reinventa as canções quando cantadas ao vivo) e duas inéditas, além de algumas canções pouco tocadas nas rádios e não conhecidas do grande público, como A Verdade a Ver Navios, Longe Demais das Capitais e Tribos e Tribunais.

Uma loucura total. Uma atitude roquenrol, que anos mais tarde o Nirvana se vangloriaria ao gravar um unplugged MTV apenas com lados B, sem os maiores hits da banda. Pois em 1989, os gaúchos já tinham feito isso e continuaram fazendo em seus discos ao vivo, com alguns hits e muitos ‘lados B’. Pioneirismo de Humberto e cia.

Claro, sucesso total. E o estrelato chegou de vez! Tive a oportunidade e a felicidade de assistir a alguns shows da banda naquela década. E Alívio Imediato beirava a histeria coletiva. Bem diferente do primeiro show no Caiçara Music Hall, a primeira vez em Santos, que assisti, a turnê de Alívio Imediato foi uma loucura. No show em Santos, no Saldanha ou no Vasco, não lembro direito, clubes que ficavam na ponta da praia, em Santos, meu amigo Branco até passou mal, no meio da multidão. Era a banda mais cultuada pelo público no Brasil, naquele final de década e início dos ’90.

O Papa é Pop vendeu mais de 350 mil cópias (as fontes de vendagem são do livro Dias de Luta). A crítica batia e o público pouco se interessava no que diziam e dava de ombros. Quanto mais os ‘especializados’ e ‘entendidos’ de música odiavam a banda, mais a galera amava. Uma antítese no mínimo interessante. Demonstrava que os jornalistas escreviam para ninguém, para eles ver... para inglês ver, esse sim o mais apropriado a ser dito. Com trocadilho e tudo, propositalmente, já que cultuavam tudo que vinha da terra da Margaret Tatcher e da Rainha Elizabeth um número qualquer.

Com humildade e seguindo uma lógica, virando as costas à crítica, a banda arrebanhava fãs. E esse foi o segredo da Engenheiros do Hawaii: sinceridade, convicção, honestidade, fugir das tendências, coerência e crença no que estavam fazendo.

Essas tendências e falta de coerência são demonstradas entre as maiores bandas dos anos 1980, como Paralamas, que misturavam samba, axé, breguice e uma caralhada de coisas que os transformavam em qualquer coisa menos uma banda de rock, nos Titãs que ‘foram’ pops, new wave, punks, depois grunges, depois MPB, depois o caralho a quatro.

Como Carlos Eduardo Miranda, o Miranda, esse mesmo desses programas ‘ídolos’ ou sei lá qual, gaúcho como Humberto e cia, roqueiro da primeira leva do Rio Grande, um dos agitadores da cena roqueira portoalegrense e fundador da Urubu Rei, constatou nas páginas do livro: “... vi que eles (Engenheiros do Hawaii)... estavam se comunicando... com um público que precisava de uma letra toda enfeitada para sonhar e viver. Exatamente o que toda a geração do rock brasileiro dos anos 80 havia praticado até então”. E finaliza: “Eles não estavam errados.”

Quase 30 anos depois, me sinto justiçado.

2 comentários:

  1. Belo texto Márcio. Só para fazer justiça: no livro BRock do Arthur Dapieve, sobre o rock brasileiro dos anos 80, ele faz grandes elogios aos Engenheiros e contextualiza como uma das melhores e maiores mandas do rock brasileiro. O BRock é anterior ao Dias de Luta (mesmo a primeira ediçao desde).

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  2. Valeu Mathias! Pensei em um título bem gessingeriano...

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