domingo, 5 de abril de 2015

QUARENTENÁRIO - UMA TEMPORADA NO INFERNO - 43 ANOS

Márcio, Beto, Renato, Rogério e Fábio em meados dos anos 1970
 “... Seus beijos e abraços eram um céu, um sombro céu no qual eu entrava, e no qual desejaria que me abandonasse... Eu começava a habituar-me. Considerava que éramos duas crianças boas; livres para passear no Paraíso da tristeza...”

Dizem que a tristeza e a melancolia é o maior combustível para as grandes histórias, as grandes poesias, as grandes obras de arte, enfim, as grandes obras criadas pelos maiores artistas da humanidade. O que os psicanalistas chamam de sublimação. Mas e quando se está alegre demais, podemos sublimar? Transformar a alegria em mais alegria? Não sei. Com a palavra os especialistas.

Não sei porquê escrevo isso neste momento. Hoje é meu aniversário. 43 anos. São 43 outonos, que em alguns momentos foram bem vividos, de muita alegria e cheios de vida; mas também de muitos momentos da mais pura tristeza e melancolia. Já me disseram que sou melancólico. Lembro dos meus anos adolescentes em que eu realmente era melancólico e que escrevia canções para espantar aquele sentimento que tanto me incomodava. Principalmente quando estava sozinho, entre quatro paredes, no escuro do meu quarto. E, apesar de que éramos seis em casa, me sentia tão solitário quanto se morasse em uma montanha isolado do mundo. E me trancava no meu silêncio, no escuro da minha alma, sonhando com o dia em que tudo mudaria e que minha vida seria finalmente feliz.

Sempre lembro que esse meu humor que me levou a fazer psicologia.

Por que as coisas têm que ter um sentido? Por que as palavras devem seguir sequências, uma lógica, surgindo frases e parágrafos que fazem algum sentido? Arte não deveria ser apenas a essência, a alma do artista? Não deveria ser o âmago e que cada um descobrisse o seu ao ver, ler, sentir, ouvir?

É engraçado que depois de quase 30 anos ter vivido toda essa explosão de sentimentos dúbios, de tristeza e alegria, de euforia e melancolia, de sentimentos que não se complementam, mas são contraditórios e que não só rivalizam, como se conflitam, isso venha à tona nesse dia. No dia 29 de março de 2015. Muito tempo realmente se passou daqueles loucos anos ’80 do século passado. Mas o sentimento permaneceu. Os cabelos já com fios brancos, o rosto com as marcas do tempo, implacável me dizendo que não sou mais aquele guri dos anos ’80 e que preciso olhar para a frente e pensar no que fazer dessa vida que insiste em pulsar dentro de mim. Mas a minha alma, esta meus caros, minha alma permanece igual à daquele guri incerto, com suas dúvidas e paixões inquietantes e melancólicas.

E a barba, com diversos fios brancos, que nasceu nesses 43 anos completos, de dias atrás que não a faço e que cresce de forma desordenada e incomoda, não só a mim, mas principalmente às pessoas que se relacionam comigo, dando palpites em vão, para o gosto da minha teimosia. Como é difícil querer ser diferente do que se é. As pessoas traçam explicações e principalmente críticas. E como gostam de palpitar e de dar conselhos.

Mas o que vejo além dessas paredes brancas e sem vida? O silencio e a solidão que sempre me incomodaram tanto e que me fizeram tomar atitudes muitas vezes impulsivas para fugir daquilo que mais me deu medo nesta vida. Sim, talvez este o motivo de todos os meus atos que me trouxeram aqui hoje e que o destino, com sua mão invisível, com um falso ar de imprevisibilidade, me trouxe, me carregou no colo e me entregou a esse 29 de março de 2015.

... diga o que disserem, o mal do século é a solidão!” Diria que o mal dos séculos, da vida.

Em pé: Beto e Rogério.
Sentados: Fábio, Renato e Márcio
Os sentimentos mais antigos da vida? Talvez seja essa melancolia que se apodera de mim e que é fruto de uma incerteza do futuro e do que está me aguardando ali na frente, quando virar a esquina. Coisas boas, nem tão boas, ruins, muito ruins? E o que fazer quando o sentimento é tão forte que dilacera a alma? E o que fazer quando o sentimento é tão forte que edifica a alma?

O destino sempre me fascinou. Como pode ser tão inconsequente e imprevisível e ao mesmo tempo se mostrar tão regular em seus passos? Tão sistemático e disciplinado, brincando com nossas vidas a ponto de nos mostrar suas garras e ser frio e calculista, sem se importar com o que vamos fazer ou como vamos reagir a cada novidade que ele nos trás?

Sempre escrevi assim, dessa maneira, do inconsciente. As palavras vêm à mente, sem nem ao menos saber sobre o que estou escrevendo. Do fundo da alma. E sempre foi assim. Pegava o papel, a caneta e as palavras fluíam. Quando terminava, tentava entender o que estava escrito. Muitas vezes era incompreensível e então eu simplesmente rasgava e jogava o papel fora. Mas hoje me arrependo dessa atitude impensada e impulsiva. Talvez aquilo fosse incompreensível para aquele momento, mas para hoje poderia explicar muita coisa. E sempre, quase sempre, tinha dificuldade até para colocar nome nas canções que eu fazia, pois as letras falavam sobre nada e ao mesmo tempo sobre tudo. Sobretudo quem eu era naquele momento ou mesmo quem eu sou na minha essência.

Vago, solto, nu
A brisa me traz teu perfume
Caminho, descalço, sobre o asfalto quente...

Um sábado, no final dos anos ’80, recém chegado da praia, com aquele misto de tristeza e vazio que era característico daquela época da vida, após jogar bola com meus amigos, me tranquei no quarto, sem acender a luz e rabisquei alguns versos dos quais só lembro os que escrevi acima. E no final, por estar em um quarto escuro, esse foi o nome da canção que em seguida musiquei no violão.

Se o sentimento mais tenro da lembrança é esse vazio e melancolia, qual a lembrança mais antiga? Lembro de uma noite, ainda em Porto Alegre, eu com 4, 5 anos, no quarto, que ficava o lado da sala daquele casarão da Clemente Pinto 1073, quando a vó ainda era viva, escutava na sala os sons que vinham da televisão, com imagens em preto e branco, enquanto os “adultos” assistiam ao filme O Fantasma da Ópera. E nós, os pequenos, não tínhamos permissão para assistir a esse filme. Como os tempos mudaram...

Lembro em 1977 quando o Grêmio de Telê Santana quebrou o tabu e finalmente voltou a vencer um Gauchão. A festa que todos fizeram na cidade era enorme. Minha vizinha, dona Osmira, Gremista daquelas fanáticas, queimou um cobertor vermelho, na euforia louca de uma vitória com um gol seguido de um mortal na comemoração de André, o Catimba, autor do gol que deu o título ao Grêmio e finalizou o tabu de 8 anos sem ganhar o título regional.

Lembro da Lili e da Marisa, vizinhas com a nossa idade; lembro de brincar naquele quintal enorme de nave espacial; lembro de jogar bola e ser goleiro, entre as duas árvores do quintal; lembro do Drácula e da Draculina sua namorada, que no desvario daqueles anos da ditadura e de muito (falso) pudor, que
As gurias devem ser a Lili e a Marisa. Não acredito que essa
foto seja de '75. Sendo assim, teria 3 anos e pareço ter mais aí.
 provavelmente eram jovens adultos hippies, e que eram discriminados por serem diferentes e que levavam a fama de serem pessoas más.

E lembro da Vó. Quando quebrou a perna em 1976 ao descer uma escada. Foi o começo de sua morte. Não sei se quebrou a perna em ’76, mas lembro que foi esse ano que ela morreu. Lembro de tê-la visto descer as escadas em uma roupa branca e esvoaçante, depois que tinha morrido. Delírio ou não, essa é uma lembrança que tenho.

Lembro de churrasquear e de tomar mate. Com açúcar, porque éramos muito criança. Lembro de jogar botão em casa, em Porto Alegre. Lembro de jogar bola na rua. Lembro de que tudo era tão grande naquela época! Mas quando voltei à rua Clemente Pinto anos mais tarde, muitos anos mais tarde, vi que as coisas não eram tão grandes assim. O casarão do 1073 e o quintal enorme eram na verdade bem menores do que eu tinha em mente.

Lembro do Grupo Escolar Ceará e do Douglas, um guri encapetado que eu tinha medo. Lembro da professora Darci Veríssimo e de quando ela tirou licença quando o Érico, um parente seu, havia morrido. Érico Veríssimo, um dos maiores escritores do Brasil e do mundo. Lembro de anos mais tarde, em Santos, ler suas obras completas, uma que a dona Sirlei tinha, autografada pelo famoso escritor. Coleção esta que a Sirloka doou a um sebo quando mudou, sem saber o tesouro emocional que nos fez perder.

Lembro de alguns aniversários. Poucos, mas marcantes. Presentes sempre foram poucos, mas sempre gostei de fazer aniversários. Só tinha medo de envelhecer. E sempre pensei que morreria aos 45, sem estar muito velho. E faltam apenas 2 anos. Será que está mesmo na hora?
E lembro de escutar música. Horas e mais horas a fio. E ter esse mesmo sentimento de vazio, de que o dia não terminará nunca e que nunca essa angústia passará.

Quando quero lembrar de alguma coisa da vida, lembro de qual canção estava curtindo na época. E quando escuto alguma canção, logo me remete a algum momento da vida.

São lembranças que me ocorrem neste momento. Como quando nos filmes alguém morrerá e vê a vida passando pela frente em alguns minutos. E a música continua tocando, insistentemente, horas a fio. Até os olhos se fecharem e um novo dia começar. E então não será mais 29 de março de 2015. E não será mais meu aniversário; e não terei mais 43 anos exatos, completados às 15 horas desse domingo.

E tudo será diferente!

“...E agora o Pinhal
Não tem mais a gente lá
Eu volto pra lembrar
Que a gente cresceu
Na beira do mar

... Quando tenho tempo
Dou uma passada lá pra ver como estão
Se estou na zona norte
Pego a estrada do forte pro meu irmão.”

“Oh, dar-me-ás a vida de aventuras que existe nos livros infantis a fim de me recompensar do quanto tenho sofrido?”

PS.: escrevi esse post em 29 de março de 2015, postado uma semana a posteriori.

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