quinta-feira, 30 de maio de 2013

FAROESTE CABOCLO - O FILME


"... sentindo o sangue na garganta...
e se lembrou de quando era criança e de tudo que vivera até ali...."

Assim começa o filme Faroeste Caboclo. E transcorre o filme em flashback, ora de momentos da infância de João e que explicava algumas atitudes atuais, ora de momentos próximos ao presente da trama, também com a intenção de explicar detalhadamente algo que a letra da canção deixa na imaginação de cada um.

Lembro do meu irmão Renato questionando, quando escutávamos a canção e refletíamos sobre a letra, ainda crianças, sobre o fato de que todos ao chegarem ao leito de morte, passava pela cabeça um filme da vida da pessoa. 

Assim como a canção, o filme é uma catarse. Todos esperando o drama acontecer, todos sabendo o passo a passo da história, mas em um silêncio agoniado, trazendo à tona os diversos sentimentos que a canção suscita.

Tecnicamente o filme tem alto nível. Fotografia e diálogos bem estruturados, interpretação magnífica de bons atores, destaque para o trio de protagonistas, Fabrício Boliveira (que convence demais como João de Santo Cristo), Ísis Valverde (a Maria Lúcia rica, solitária e em crise existencial) e Felipe Abib (o violento traficante Jeremias), e também as boas interpretações de Antônio Calloni e o uruguaio César Troncoso. 

Dirão os incautos, que parece estar assistindo à Globo no cinema. Li algumas críticas a respeito. Realmente todos são profissionais do 'cast' da emissora citada, mas isso não diminui o talento deles, não é demérito. Pelo contrário, o talento de cada um deles faz com que estejam participando das novelas da Globo, gostemos ou não.

E, ao contrário do que li antes de assistir ao filme, João de Santo Cristo não é retratado como um bandido, não é um filme violento e nem tão pouco há cenas de sexo e do uso de drogas. É um filme tão bonito e sensível quanto a canção que o inspirou. Tampouco é um filme de amor; é sim um filme sobre a árdua luta pela vida, das agruras e angústias que nossa existência nos faz sofrer; dos momentos de intensa felicidade e de profunda tristeza; dos sentimentos, amor, ódio, injustiça e tantos outros que formam esse turbilhão que somos.

O filme não trata diretamente nenhuma questão social ou política da capital em plena ditadura militar do final dos 70 e início dos anos 80. Na verdade apenas retrata jovens que no meio do tédio e do concreto procuram uma fuga para o marasmo e a falta do quê fazer, no caso, o que fica mais evidente são as drogas e o rock. O tédio tem com pano de fundo a canção da "Legião Tédio com Um T (Bem Grande Prá Você)" que toca em uma festa; de crítica social mais contundente somente a canção da Plebe Rude "Até Quando Esperar", que tem uma letra perfeita, um verdadeiro hino.  

O legal do filme é assistir às cenas que sempre imaginamos e só concretizamos em nossos pensamentos e quisemos assistir quando escutamos a música. Nesse quesito, esperava um pouco mais do filme, na verdade que fosse uma cópia da música, o que não é.  

Involuntário e até mesmo natural, é ficar procurando os versos da canção em cada cena que passa na telona. Quase que mecânico.

Prova de que as histórias de Renato Russo são sucesso e que são mais do que nunca atuais, foi a peça publicitária de uma operadora de celular que era um clipe de Eduardo e Mônica, que bombou na internet ano passado ou retrasado, para o dia dos namorados, assistido por milhões em poucos dias.

Faroeste Caboclo o filme deixa aquela mesma sensação de injustiça que a música deixa, e que irrita ao ver João sempre se fudendo e Jeremias se dando bem. Mas a forma como ele trata a traição da Maria Lúcia foi surpreendente, ao menos para eu, que nunca pensei da forma que o diretor René Sampaio. Isso redime um pouco esse ar de injustiça. Sempre pensei que o lance da traição tivesse rolado por uma aproximação natural entre Jeremias e Maria Lúcia, com a ausência do João, mais por pilantragem da guria.

Lembrei de dois amigos meus de infância/ adolescência, hoje pais de família, como eu, fãs incondicionais da Legião, que devem ter ido à pré estréia ansiosos para serem os primeiros a assistirem ao filme: Zé Renato e Ronaldo. E senti como se eles estivessem comigo, mesmo que cada um em uma cidade (o primeiro mora em Santos; o outro mora em São Paulo) e distantes por algumas centenas de quilômetros. Era como se estivéssemos juntos e voltássemos vinte e tantos anos, numa tarde de sábado, em Santos, quando nos reunimos na casa do Zé Renato, que havia comprado o disco naquela semana, para escutarmos pela primeira vez (e nos emocionarmos em silêncio, cada um com seus sonhos e sentimentos) a história de João de Santo Cristo.

No final os letreiros sobem com os primeiros acordes da canção que inspirou o filme. E dezenas de pessoas ficam em seus lugares, até o final dos 9 minutos que a canção tem. Nada mais normal que, depois do filme, todos fiquem sedentos de escutar a canção quilométrica. E pela primeira vez eu vi o público lendo os créditos de um filme.

Um comentário:

  1. Meu caro Márcio. Acabo de ver o filme. Quantas coisas para se discutir! Ótimas atuações mesmo! Bom roteiro, sendo méritos inquestionáveis o fato de fugirem da armadilha de fazerem um mero trailer da canção e abordarem temas atuais, como violência e corrupção policial e racismo. Além disso, fico pensando o que se passa em um cara classe média reacionário que vai ver o filme. Tem que ver um herói negro, pobre e analfabeto contra um mauricinho filhinho de papai. Dá para discutir muita coisa a partir do filme!!!

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