sexta-feira, 1 de julho de 2011

EN GROS


Na primeira metade dos anos 1980 eu decidi que queria ser um rock star. Comecei a me produzir como um roqueiro, com camisas pretas ou brancas, lisas, ou com camisas de bandas, calça jeans surrada, coturno, jaqueta de couro. Meu interesse pelo mundo da música foi exacerbado e comecei a escutar discos das prateleiras lá de casa, dos meus irmãos. Tive sorte na minha formação musical, porque tinha o Rogério que nasceu em sixty six e era fissurado pelos Beatles, uma vez que nascera cabeludo bem no auge dos fab fours. Engraçado como é essa coisa do destino. (Poucos) Anos mais tarde, ao saber da história do seu nascimento, começou a consumir Beatles com voracidade. Aliás, graças a esse irmão, que é o mais velho, acredito que as canções dos Beatles tenham sido as primeiras que escutei na vida, em uma era que tinha o rádio como o maior comunicador e a televisão transmitia imagens em preto e branco na maioria das casas, ele tinha um gravador e umas fitas cassetes recheadas de canções dos 4 garotos de Liverpool. Os discos do Beto íam de Led Zeppelin à Dio, tinha uns discos do Vulcano, que era uma banda de Heavy Metal de Santos, que a gente curtia pra caramba. O Fábio consumia rock nacional e começou a curtir umas bandas punks, como Cólera, Olho Seco, Ratos de Porão, Lobotomia, Inocentes, Garotos Podres e outras tantas que faziam a cena underground paulista se movimentar; tudo issi ele conheceu através dos amigos punks dele, o China, o Branquinho e outros, que estudavam com ele no Dino Bueno. E essa salada começou a fazer parte da minha formação musical. No começo estranhei aquelas canções gritadas e quase sem melodia, ou melhor, com uma melodia escondida nas distorcidas guitarras e nos berros dos vocalistas.

Então comecei a criar os meus próprios interesses. Desde cedo meu interesse pela cena roqueira de Porto Alegre foi grande e eu consumia o que chegava nas minhas mãos em uma época que era necessário garimpar muito e camelar em dobro para conseguir algo raro e, por incrível que pareça, morando em Santos, Replicantes, Defalla, Engenheiros, TNT, Cascavelletes, Nenhum de Nós, tudo isso chegava ao meu alcance. Pensando e relembrando hoje, nem sei como isso ocorria. Primeiro foram os discos de coletânea, que vinha com diversas bandas e depois, quando saía o disco da banda que curtia, era um dos primeiros a comprar.

Nessa época, perto dos 14 anos, comprei um violão; engraçado como eram as coisas, vendo o Tety e o Gui, que não dão um passo sem a nossa ajuda, tinha que me virar sozinho e o fazia com desenvoltura, então fui atrás de um curso de violão e me matriculei em um curso no complexo onde se encontra a biblioteca municipal, o teatro municipal de Santos, acho que deve ser uma espécie de Casa da Cultura de Santos, onde se aglomeram diversas atividades voltadas à produção de cultura da cidade. Era um curso de violão clássico, tentei arrastar outros amigos que queriam formar a banda comigo, que já relatei em algum lugar nesse blog, que originou no Mayday.

Alguns fatores nos fizeram voltar os olhos para o punk rock nessa época: claro que a rebeldia da juventude era a maior mola propulsora para nosso interesse pela cultura punk; mas tinha o fato de pouco sabermos tocar (o lema Do it yourself caiu como uma luva), a falta de grana para ter instrumentos decentes, em uma época que não se falava de globalização e de inflação maluca (todos os dias as coisas aumentavam de preço) o dólar era um absurdo, não existia essa cultura de ir comprar bugigangas no Paraguai e a China ainda era comunista; o fato de sermos garotos do subúrbio também contribua. Era nosso jeito de chamarmos a atenção das gurias.

Nessa mesma época duas coisas me interessavam muito: ser um rock star ou ser jogador de futebol. Tanto que fiz teste na Portuguesa Santista e joguei lá um ano, mas deixei de lado esse desejo quando a música parecia engrenar na minha vida. Acho que não tinha tanto talento para isso e também meu físico franzino me impediam de seguir com esse sonho. Tínhamos uma banda, fazíamos músicas próprias, nossos instrumentos eram ruins mas éramos realmente talentosos. Acho que faltou um empurrãozinho, talvez da família, mas isso jamais aconteceria, para nossos pais éramos todos uma espécie de escória adolescente. Afinal, quem com essa idade, naquela época, saía saturday night com roupas rasgadas, com umas fitas e discos debaixo dos braços, de coturno, ao invés de ir para o Gonzaga (o bairro onde tudo acontece em Santos) ver as gurias, ía para a Caneleira ficar escutando um som, depois voltava lá daquela lonjura, passava na General Câmara (famosa rua de Santos recheada de boates de streep tease e puteiros) para se deliciar com os olhos e depois passava o domingo enfurnado na casa de alguém para escutar as novidades musicais da época? Se tivessemos algum apoio, possivelmente teríamos ido em frente.

Como estávamos interessados mais no punk, tocar 3, 4 acordes e fazer nossas canções, o interesse em estudar música era mínimo. Ao contrário do Johnny Marr, que em entrevistas dizia que não escutara punk na adolescência porque estava mais interessado e aprender a tocar, no momento em que queria aprender a tocar eu escutava muito punk rock e o pouco que sabia me bastava para isso. Aliás, Johnny Marr (e o Morrissey, claro) sempre foi um ícone. Eu queria me vestir como ele e tinha o mesmo pensamento dele pré Smiths: utilizava vestimentas para que as pessoas me vissem e achassem que eu tinha uma banda de rock. Certa feita, um carinha que conhecemos nem me recordo onde, que era músico, nos informou que deveríamos escutar muito jazz moderno. Demos de ombros, pois achávamos aquilo enfadonho demais. E na verdade nunca escutei jazz na vida.

Os anos se passaram, o Mayday não vingou e quando fui para a faculdade, pensei que montaria uma banda. Porém não encontrei ninguém interessado em tocar com um cara como eu, que pouco sabia além daqueles três acordes e que fazia as próprias canções por não saber tocar nenhuma outra. Tinha o André, que tocava pra caramba, mas sem interesse, tinhas os caras que curtiam MPB, o que não era o meu caso e assim meu sonho de banda foi ficando cada vez mais distante. Além disso, na faculdade os interesses foram mudando e as responsabilidades aumentando. E isso já era o começo dos anos 1990.

A vida me distanciou dos meus amigos da década de 1980. Casei cedo, logo tivemos o Tety e alguns anos mais tarde o Gui. E daí a vida foi seguindo o seu rumo. E assim passaram os anos 1990 e logo a primeira década do novo século. Com o advento da internet consegui o contato com velhos amigos, mas daquela galerinha punk dos tempos de caneleira; o Zé Renato, que anda sumidão, provavelmente na fortaleza das quatro paredes do quarto, recluso nas suas piras e produzindo seus escritos, com aquele desejo maluco de ser João Gilberto e jamais sair de casa para ver a luz do sol. Sei lá, cada maluco com as suas maluquices. Os demais pouco sei, como fazem alguns anos que não vou para Santos, não tenho novidades quanto a eles. Mas, obviamente, seguem suas vidas, o Branco casado e seus três ou quatro filhos, o Ronaldo em Sampa, como chefe de cozinha, casado e sei lá com quantos filhos, o Fernando, o Barriguinha, o Fábio HC, o Pipa, o Zé do Kiss, e tantos outros que agora a memória me trai, estão por aí nesse mundão que Deus permite crescer mais e mais.

E a vida segue! Sempre nos encontramos nos nossos pensamentos e nas nossas lembranças daqueles loucos tempos.

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