sábado, 14 de junho de 2014

QUARENTENÁRIO – ALQUIMIA


Quando a Mayday terminou? Quando fui embora estudar na Universidade? Quando nos alistamos no exército ou nas forças armadas? Não, porque ninguém de nós serviu às forças armadas. Vivíamos um período de crise econômica profunda e as forças armadas estavam sem grana para manter um enorme contingente apenas para satisfazer seu desejo sádico de massacrar e humilhar. Não tinha o porquê de manter aqueles que não desejavam ser esculhambados, apenas os masoquistas que queriam passar por essa experiência ‘única’ é que foram ‘escolhidos’ para servir à Pátria.

Para falar a verdade eu não sei quando a Mayday acabou. Acabou sem começar. O sonho acabou. Não tivemos uma Yoko, não teve briga, não deixamos de ser amigos, grandes amigos. Apenas nos afastamos naturalmente. A vida nos separou, nossas escolhas individuais nos separaram. E cada um foi seguir o seu rumo. Fui para a Universidade, o Zé Renato se aprofundou nas suas idéias revolucionárias e virou o maior punk de todos nós, montando uma banda punk que chegou a se apresentar na concha acústica do canal 3, o Branco foi sei lá o que fazer, fazer das suas. E o Ronaldo entrou numas de drogas, afogar as angústias e frustrações, se enrolou em um romance moderno para aqueles loucos dias de final dos anos 1980, curto e sofrido, como todas as paixões avassaladoras. Até que encontrou a (sua) salvação no Hare Krishna. Mas o lance com o Hare Krishna demorou mais uns anos para rolar. Antes disso montamos uma banda.

Também não sei porque a banda acabou. Não me recordo exatamente o momento e o motivo. Não sei se isso foi definido ou simplesmente deixamos o sonho de lado. Vou perguntar para o Zé Renato ou para o Ronaldo, que o Renato, meu irmão ficou de me passar o contato. Quem sabe eles lembram.

Passado algum tempo do final da Mayday, já nos anos 1990, eu, Ronaldo, Nair e um guri da rua São Paulo, montamos uma banda e começamos a ensaiar em um estúdio. Já tinha trancado a Psico em Assis e estava em mais uma fase em Santos. Aquela cidade parecia me puxar como um imã e me prender em suas ‘fronteira’ com a serra do mar e com o Oceano Atlântico.

Com essa formação, a banda iniciou os ensaios e pouco tempo depois o Ronaldo queria se apresentar em um festival que teria em Humaitá, um bairro novo bem longe, muito longe do que se conhecia à época como a cidade de Santos. Era o que começamos a chamar de periferia de Santos. Humaitá era para onde Santos empurrava a população mais carente, a população mais pobre. Era em Humaitá que o Ronaldo morava. Na realidade, se apresentar em Humaitá para o Ronaldo seria a glória; uma forma de mostrar que ele não era só um neguinho maconheiro que andava sem rumo, mas um futuro astro de rock.

“Tudo isso aconteceu há mais de 20 anos e vieram hippies e tanques...”

Isso ocorreu na minha fase mais star, tanto que os caras me chamavam de Márcio Star, porque eu estava chato pra caralho, pedante, nojento, me achando o cara mais fudido de todos, um pop star de porra nenhuma. Então não aceitava nada que não tivesse sido criado por mim. Por isso que a banda não deu certo. Vários ensaios e não tínhamos nome. O Ronaldo querendo nos inscrever no festival e nós sem nome. Como eu estava nojento e irredutível, os caras começaram a não submeter as idéias à minha aprovação, porque eu não aceitava nada que não fosse criado por mim.

O Ronaldo era o batera, o Nair ficou com o baixo, eu com a guitarra e o violão e o carinha da rua São Paulo era o vocal, se arriscando no violão também. Eu fazia as letras e as músicas, claro; e aceitava pouca interferência dos outros, que dirá trazerem uma letra ou uma música. Porém, a principal canção foi feita no ensaio mesmo, uma linha de baixo aqui, um riff de guitarra e canta qualquer porra aí. Assim surgiu nosso principal hit, que era tão bom que eu não lembro da letra e nem da música.

O Nair, apelido do André, era um punk que andava com o China (também André, que havia estudado com meu irmão Fábio no Dino), também punk. Aliás, os caras que andavam com eles, Branquinho e outros, eram os punks que nos antecederam em Santos. Como em São Paulo, haviam tribos diferentes de punks. Nós andávamos com a periferia, os caras de Cubatão, enquanto o China e o Nair com os punks ‘ricos’.

A diferença de idade também contava, porque eles eram 3, 4 anos mais velhos que nós. Mais tarde, quando montamos a banda, essa diferença já não pesava mais.

Os caras estavam numas de ler Paulo Coelho, fãs de Raulzito; eu detestava Paulo Coelho, escutava pouco Raul Seixas, preferia o rock inglês. Daí os caras jogaram na roda o nome da banda: Alquimia. Eu não aceitava esse nome, claro, na minha teimosia, mas também não tinha nada melhor para sugerir. Aquilo me soava meio pagode, nunca gostei desse nome e até hoje não daria o nome para a banda. Mas foi ficando, mesmo contra a minha vontade, um semi deus prepotente e idiota.

Depois de vários ensaios, eles se encontravam, andavam juntos o tempo todo e eu ficava na minha, seguia minha vida normal sem a banda. A Juliana estava grávida do Victor, eu tinha um outro ritmo de vida, bem diferente deles, que estava mais para drogas e rock and roll. E eu constituindo família. Eu não fazia parte da banda, era apenas o guitarrista e compositor da banda, nada mais... não era um deles. Não tinha unidade, não tinha banda. Não para mim, no meu isolamento de estrela.

Depois de vários ensaios, certa feita cheguei no estúdio que alugávamos para ensaiar, sozinho e eles já estavam lá, chegavam juntos e iríamos começar a tocar a música que fizemos, mas daí os caras tinham mudado tudo e eu chiei pra caramba. Onde já se viu fazerem isso sem me consultar. Depois de nenhuma discussão, mas de imposição minha e muita paciência da galera, começamos o ensaio. Os caras preferiam não contrariar.

Então, contra minha vontade e sem eu saber os caras nos inscreveram para esse tal festival. Com o nome de Alquimia. Quando vi o cartaz do show, fiquei muito, mas muito fudido. Aquela minha vaidade idiota falando mais alto, me tornei um ignorante-arrogante, na minha teimosia cega.

Mas nesse aspecto eu tinha argumento. E não era apenas minha teimosia que queria falar mais alto. Não estávamos preparados para nos apresentar, tínhamos ensaiado apenas duas ou três canções. Mas não estávamos em sintonia, nem dentro e muito menos fora de ‘campo’. Lembrei o Ronaldo, o único que me escutava, que aceitava a minha teimosia com uma paciência de Jó, das apresentações das bandas no extinto programa Som Pop da TV Cultura, nos anos 1980, cada uma pior que a outra; disse para ele que se nos apresentássemos naquele momento, esse seria o nosso destino. E vaias, muitas vaias.

Meu poder de argumentação foi o suficiente para o Ronaldo e os demais desistirem da empreitada. Eles meio que queriam tocar na marra, mesmo sem estarmos preparados. Perceberam, a tempo, que seria impulsividade.

Não lembro quem montou a banda. Não lembro como a banda terminou. Mas sei que não tinha mesmo como dar certo. Meu ego inflado não deixaria nada que eu não comandasse dar certo. Por isso, depois de algum tempo, diversos ensaios e nenhuma apresentação, a banda terminou. Também éramos escassos de talento.

Olhando para trás, acho que nem eu me agüentaria. Não sei como os caras me agüentaram. Nunca mais encontrei o Nair; o vocalista, com pouco talento para cantar, mas com presença de palco e estilo, cujo nome nem tive a condição de guardar e que era mais novo que nós, acho que nem 18 tinha na época, só tive contato nessa época, depois nunca mais o vi. Deve ter guardado uma péssima imagem minha; só restou minha amizade com o Ronaldo, que volta e meia aparece depois de sumir por anos a fio.

Em 1994 saí de Santos de uma vez por todas. Fevereiro de 1994. Nunca mais voltei a morar lá. Voltar para lá, só de férias. Segui minha vida, o rumo que Deus guardou para mim e fui terminar a Psicologia que havia trancado para ter meu primeiro filho, assumir uma responsabilidade enorme de ser pai de família aos 21 anos, achando que sabia tudo da vida. Abortei a idéia de ter uma banda, aposentei o violão, a guitarra e guardei o sonho para uma próxima encarnação. Parei de escrever canções, ainda arrisquei alguns versos por alguns anos, mas sem o ímpeto e a prolixidade de outrora.

Amadureci com a dureza da vida. Aquele sonho juvenil e adolescente de ter uma banda para impressionar as menininhas já não cabia na minha vida. A partir dali, na minha vida, me pareceu que “...eu não precisava provar nada pra ninguém”. 

4 comentários:

  1. Com certeza vc não se lembra de mim, sou irmão do china que vc mencionou, estava pesquisando umas materias da legião e descobri seu blog sem querer, lembro que meu primeiro violao comprei de vc, na época andava muito com o ronaldo. Tenho contato ate hj com o nair, ronaldo, me adc ai Eduardo Yip no face.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    2. não tenho face, só twitter e blog. Mantemos contato por esses meios.

      Excluir
  2. bah, lembro de ti sim. Que legal cara, lembro desse meu violão, foi meu primeiro também, comprei nas casas bahia, com meu primeiro salário aos 14 anos, rsrs. Grande abraço. Como tu estás? e teu irmão? Grandes lembranças...

    ResponderExcluir

Opine, comente, reclame, grite! Aqui: