Pátio da EESG Prof. Primo Ferreira |
Estudei o ensino médio
no Primo Ferreira, uma escola estadual das mais conceituadas em Santos na
década de 80. Quando terminei o ensino fundamental em 1986, a época chamado
ginásio, ainda no primeiro grau, não sabia onde estudar. Como me dava bem em
matemática e em todas as disciplinas de exatas, queria fazer um curso de
eletroeletrônica no Senai, ou um colegial técnico no Escolástica Rosa, na ponta
da praia. Também queria fazer Medicina, desde pequeno tinha esse desejo.
Sempre tive essa mania
de querer fazer várias coisas. Mesmo que elas fossem antíteses. As contradições
da minha vida!
O curso no Senai era
integral, então não poderia estudar lá. Precisava trabalhar e estudar a noite.
A idéia de estudar no Primo foi amadurecendo. Certa vez, conversando com o
saudoso Quinho, que estudava no Primo já a alguns anos e não conseguia sair do
primeiro ano, me orientou a não estudar lá, pois era muito difícil e eu me daria
mal, dando exemplos como os dele, do João Maria (irmão dele), do Amaral e de
mais alguns que jogavam bola conosco, todos amigos dos meus irmãos mais velhos.
Resolvi estudar lá como um desafio e mostrar para eles que eu era “o cara” em
se tratando de estudo.
Como ainda tinha o
desejo de fazer Medicina, resolvi estudar no Primo também porque na época era
dividido entre Biológicas, Humanas e Exatas. Escolheria Biológicas, para me
aprofundar nessa área. Entretanto, desisti da área biológica e da medicina
quando descobri que odiava biologia. E novamente não sabia o que fazer depois
de terminar o segundo grau.
Claro que passei todos
os anos com notas excelentes e deixei todos que tinham me orientado a não
estudar no Primo para trás. Mas a dúvida permaneceu durante todo o segundo
grau: o que estudar, qual faculdade cursar? Medicina já tinha desistido;
Engenharia não era o que eu queria estudar, por causa das aulas de desenho
geométrico do professor Wandevaldo, um carrasco.
Corredores da EESG Prof Primo Ferreira |
A sala de aula dele
ficava trancada; ele tinha o mapa de todas as turmas, sempre tínhamos que
sentar no mesmo lugar; se aparecesse algum material quebrado ou estragado, uma
prancheta riscada, ele sabia quem era e o responsável estava simplesmente
fudido. O controle dele era total. E as aulas, claro, como não poderiam deixar
de ser, eram terríveis, ele era exigente, amedrontador... era na disciplina
dele que o pessoal se ferrava e reprovava por anos. Os caras mais bagunceiros
da sala, os descolados, nas aulas do Wandevaldo ficavam intimidados, agindo
como cordeirinhos. Por todo esse clima de terror, decidi que não queria fazer
Engenharia, mesmo tendo me dado bem nas aulas do Wandevaldo. Como não queria
ser professor de matemática, mais uma carreira tinha sido descartada, ou
melhor, mais uma área havia sido descartada, a área de exatas. Sobrou humanas.
Nunca me dei bem em
Geografia, História, Filosofia, até mesmo Português. Embora tivesse notas boas,
eram mais por decorar as coisas (tinha uma memória de dar inveja) e menos por
entender a matéria. Mas era o que restava, na minha limitada cabeça, estudar um
curso na área de humanas. Aí veio o insight, o estalo.
Em uma daquelas
madrugadas em claro, sempre meio depressivo, típico da adolescência, estava
lendo o dicionário. Isso porque não tinha nenhum livro, gibi, revista Placar,
ou qualquer outra coisa para ler. Abri o Aurélio e comecei a ler o significado
das palavras, quando deparei com uma que me chamou a atenção: esquizofrenia.
Claro que não lembro a definição tão limitada quando a minha cabeça, da
palavra, mas me identifiquei e comecei e me preocupar, acreditando que eu fosse
esquizofrênico.
Aliado a esse
pensamento, conheci uma das melhores professoras que tive: infelizmente não me
recordo o nome, talvez Josiane... o fato é que ela era Psicóloga e dava aula de
Filosofia. Ela era simpática, alegre, jovial e muito bonita. Me aproximei dela
e, claro, me apaixonei. Um amor platônico, diga-se de passagem, uma adolescente
de 16 anos, magrelo e feio, jamais teria chance com ela, até porque era noiva e
nos anos 80 do século que se passou, essas coisas eram realmente sérias.
Através de nossas conversas é que decidi que queria fazer Psicologia. Lembro
até hoje o dia em que ela chegou eufórica, dizendo que tinha montado sua
clínica. Estava no segundo ano do segundo grau.
Era a segunda vez em
que me apaixonava por uma professora. A primeira havia sido a professora
Ângela, de matemática, do Dino Bueno. Na verdade também tive uma paixão
platônica pela professora de Desenho do Dino Bueno, mas essa era alvo da paixão
de todos os alunos, uma vez que era uma loira muito bonita. Infelizmente minha
memória não é mais como outrora e não lembro o seu nome. Talvez o Quinda
consiga me lembrar isso ou mesmo meu irmão Renato. Eles são bons nisso.
O ano passou, eu passei
direto para o terceiro ano e não mudei de idéia. E o terceiro ano passou como
um tufão... e eu não desisti da idéia de fazer Psicologia. Mas antes disso,
ainda fiz vestibular para o curso de Economia na Universidade Católica de
Santos, Unisantos.
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Fachada da Unisantos nos anos 1970/ 1980 |
E o destino sempre
colocando as mangas de fora, o fez dessa vez. O ano era de 1990. Fiz a
inscrição no vestibular e estava crente de que as provas seriam domingo e
segunda. O Branco também havia se inscrito, não me lembro em qual curso. Mas
não me avisou que as provas seriam sábado e domingo, o mais óbvio, ao invés de
domingo e segunda. No sábado à noite, quando fui ver onde eu faria as provas e
tudo mais, fiquei sabendo que o primeiro dia de provas havia acontecido naquela
manhã.
Quando no domingo cedo
fui fazer a prova, o fiscal me olhou assustado, não entendendo porque um cara
falta em um dia e vai em outro, se já estava desclassificado. Eu fui, mesmo sabendo
disso, porque queria ter uma ‘experiência’ de vestibular.
Atribuo ao destino mais
esse lapso na memória. Se tivesse feito o vestibular certamente teria passado e
hoje não estaria aqui escrevendo nesse blog que leva o nome de um texto de
Freud, o pai da Psicanálise.
Aquele ano de 1990 foi
uma no que fiquei sem estudar, o primeiro na minha vida, uma vez que decidi que
não faria cursinho pré-vestibular; queria me dar uma licença sabática, mesmo
sem entender o que era isso naquela época.
No final de 1990 decidi
que faria vestibular na Unesp, o Vunesp. Durante muito tempo, depois de ter
passado no vestibular, acreditei que estudaria na Vunesp. Me inscrevi no
vestibular e como poderia escolher 3 opções, a primeira foi Psicologia, a
segunda Jornalismo e a terceira Publicidade. Em uma delas eu passaria, pensei.
Eram 3 áreas que me chamavam a atenção. Se tivesse feito uma orientação
vocacional, certamente daria uma dessas 3 áreas, porque sempre quis trabalhar
com a minha imaginação e com a minha criatividade, pontos que sempre achei que
eram os mais fortes em mim. Embora fosse craque em matemática.
A prova seria no final
de dezembro daquele ano. Eu não estudei nada, não abri sequer um livro para me
preparar para o vestibular. O local de prova seria uma escola na avenida
Paulista, em São Paulo, próximo ao Shopping Paulista (que curiosamente não fica
na avenida Paulista). Outro fator que estava por me fazer desistir de subir a
serra para fazer o vestibular, que era em 3 dias (quinta, sexta e sábado) é que
minha namorada, que morava em São Paulo, passava as férias na casa da avó, em
Santos. Esses 3 fatores foram determinantes para me desanimar e quase desistir
de fazer o vestibular daquele ano: não estar preparado, viajar para São Paulo e
minha namorada, que eu só tinha para aproveitar durante as férias e justamente
nesse período eu faria o contrário dela, subir a serra enquanto ela descia.
Foi quando o Wagner, companheiro
dos tempos de Dino Bueno e de tardes chuvosas e cinzentas de férias de julho jogando
xadrez, botão e escutando Legião Urbana, me impediu, quando comentei com ele
que não iria porque estava despreparado e que só perderia tempo e dinheiro, dizendo
que eu tinha que ir porque já estava inscrito e que nada poderia fazer eu
desistir e que eu era inteligente e que certamente eu passaria, mesmo sem ter
estudado. Vi que ele tinha razão e segui seus sábios conselhos e na quarta
feira fui para São Bernardo, onde meu irmão Beto morava, estudante de
Engenharia na FEI, numa república.
Colégio Rodrigues Alves - provável local onde fiz vestibular em SP |
Logo cedo, na quinta
feira, ele foi trabalhar e me levou até à charmosa avenida Paulista. Lembro de
ter tomado o desjejum em uma loja do Bobs: X Salada (o nome que eles davam a
esse lanche eu não sei), batata frita, refrigerante e milk-shake. Terminei de
comer, me despedi do Beto e fui para o meu destino.
Primeiro dia: prova de
conhecimentos gerais; de 80 questões, apenas 22 acertos; não comecei bem. Meu
maior motivo para não ir fazer o vestibular era a perda de tempo, uma vez que
não estava preparado. As questões eram fechadas, de múltipla escolha. Nunca me
dei bem nesse tipo de prova. Gostava de escrever, de colocar minha criatividade
e imaginação em prática.
Certa vez, na segunda
série do primário, em uma prova de História a pergunta era sobre quem havia
rezado a primeira missa no Brasil. Bah, eu não sabia a resposta adequada. Mas
só podia ter sido um português, pois eles descobriram o Brasil (só para
entenderem meu raciocínio). E português, qual melhor nome do que Manuel e
Joaquim? Como havia estudado, poucos eram os ‘Manuéis’ e muitos os ‘Joaquins’
que fizeram a nossa história. Não titubeei e tasquei a resposta:
A pergunta da prova:
quem rezou a primeira missa no Brasil? Minha resposta, simples e direta, mas
com convicção e lógica: foi Joaquim. Meu irmão Fábio lembra disso com muita
zombaria. Eu caio na risada todas as vezes que lembro. Pena não ter essa prova
guardada para a posteridade. É um clássico!
No segundo dia de prova
as questões eram dissertativas e de conhecimentos específicos: História,
Geografia, Língua Portuguesa. Respondi a todas as questões. Não ser fazer
vários rabiscos e deixar minha prova toda suja. Segundo o Branco, tinha me
ferrado por rasurar a prova demais. Mas tinha ido bem. Essas rasuras, pelas
informações ‘balizadas’ do Branco, tinham feito eu perder pontuação.
Terceiro e último dia
de prova: Redação e Língua Estrangeira. No meu caso, havia escolhido Inglês. A
redação era a música do Titãs Comida.
Naquele final de
penúltima década do século XX a administração de Santos era a cargo da Prefeita
Telma de Souza. Uma mulher que mudou a história de Santos, tendo feito um
trabalho excelente, desde a despoluição das praias a diversos projetos
desenvolvidos no campo social. Três problemas dificultaram sua vida política
após (na minha concepção): ter elegido seu sucessor um prefeito fraco, ser do
PT e ser mulher.
Seu sucessor, David
Capistrano, não conseguiu imprimir o mesmo ritmo de Telma e fez uma
administração difícil; ser do PT até hoje gera sentimentos de terror aos
ignorantes, à classe dominante e aos formadores de opinião, à mídia em geral; e
ser mulher, apesar de São Paulo ter elegido na mesma época como prefeita uma
nordestina, era um tabu uma mulher no poder.
Um dos programas
sociais de Telma foi utilizado por mim na redação. O tema não poderia ser
melhor para quem tinha um irmão comunista e um avô que participou da coluna
Prestes, que havia votado para presidente no primeiro turno em Brizola e no
segundo em Lula. Nunca fui comunista ou socialista, mas sempre me considerei de
esquerda e contra o capitalismo, tendo noção de que esse regime é totalmente
injusto.
Ao voltar para Santos,
a mãe da minha namorada perguntou como eu tinha ido. Respondi da mesmo forma
que o fiz para todos que me perguntaram: “foi fácil demais. Ano que vem, quando
eu estudar, fazer cursinho e tal, eu passo!” E assim segui meus dias, paciente
e sem muitas expectativas.
No dia que saiu o
resultado, estava trabalhando de manhã, como qualquer outro dia. Minha chefe,
dona Elza Gonçalves de Oliveira, como era rotina, pediu para eu comprar o
jornal O Estado de São Paulo, uma média (como chamam o pão francês em Santos) e
um tablete de polenguinho. Era uma terça feira daquele ano de 1991. Acho que
era o mês de fevereiro. Quando abri o jornal e procurei a lista dos aprovados e
vi meu nome, a alegria era tamanha que não consegui segurar a euforia. Até
então a maior emoção da minha vida. Na hora do almoço, ao chegar em casa para
contar a notícia, subi tão rápido que a xereta da dona Florinda (sim, eu tinha
uma vizinha chamada dona Florinda e eu não era o Chaves e nem o seu Madruga)
achou que eu estava cagando nas calças.
Ali, naquela terça
feira de fevereiro de 1991 que tudo começou a mudar. O que contei até aqui foi
para ambientar o que vem pela frente. Uma vida de sexo, drogas e rock and roll.
Com uma pitada de psicologia no caminho e somente com drogas lícitas, como
coca-cola, hamburger e outras coisas desse gênero.
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