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Fachada HED - Hospital Ernesto Dornelles onde nasci |
29 de março de 1972. Quarta feira
de uma semana santa. Sexta feira, dia 31 feriado. Domingo 02 de abril, domingo
de páscoa. Outono em Porto Alegre. Porto Alegre, Hospital Ernesto Dornelles.
“Nem tudo está perdido
nem sinal de pedra no peito
o horóscopo do jornal arriscou "um belo dia"
liguei o rádio na hora certa
era a canção que eu queria”
(Todo mundo sabe que não se deve
começar um parágrafo com número, mas esse post não dava para começar diferente,
escrever por extenso vinte e nove não teria o mesmo efeito. Também não é legal
começar um parágrafo com parênteses, mas cometo essa heresia assim mesmo).
Até hoje não sei qual era a
temperatura e como estava o clima daquele dia, meio de semana santa, outono em
Porto Alegre
“Nem tudo está perdido
tudo em paz no reino da química
ninguém me telefonou enquanto eu dormia
sonhei com meu pai e ele sorria
chimarrão pra acordar era só o que eu queria”
tudo em paz no reino da química
ninguém me telefonou enquanto eu dormia
sonhei com meu pai e ele sorria
chimarrão pra acordar era só o que eu queria”
frio, calor, ensolarado, chuvoso?
Já pensei em procurar nos jornais da época para saber as notícias do dia, em
Porto Alegre, no Rio Grande, no Brasil e no mundo. Na internet, infelizmente,
anos atrás não tive êxito. Talvez se passasse na Zero Hora ou na biblioteca
pública de minha cidade natal poderia saber o que acontecia no mundo, naquele
começo de década.
15 horas em ponto (de novo
começando com números um parágrafo)! Esse horário fatídico. Provavelmente em
casa o cardápio era peixe. Minha (bis) avó católica fervorosa com certeza
levava essa tradição católica a sério. Na verdade naqueles (não tão) longínquos
anos de 1970 as tradições eram mais respeitadas do que são hoje. Eram outros
tempos, outro mundo, outros valores, outras crenças. Eram outras pessoas.
Éramos outras pessoas.
Imagino que era um dia ensolarado,
nem quente nem frio (fresco não!), enfim um dia agradável para se nascer. O chão forrado de folhas. O dia
ideal para eu nascer. Três dias antes a cidade fizera aniversário. 200 anos.
Pena não ser três dias depois e coincidir com a minha data, como ocorre com
Curitiba e Salvador. Mas muito próximos, sempre achei isso motivo de orgulho (a
gente tem orgulho de cada bobeira. E se pensarmos de forma racional tudo parecerá
totalmente idiota. Ainda bem que a razão é deixada de lado muitas vezes. Seria
um saco ser totalmente racional. É tão bom ser idiota por algumas vezes...).
Foi num domingo o aniversário da cidade e Deus reservou para mim a quarta
feira. Carros nas ruas, movimento grande de transeuntes no centro (rua da praia
no ritmo de um dia de semana, com as pessoas indo e vindo, na correria do dia a
dia, mas que em nada se compare com essa loucura dos dias de hoje) no meio da
semana, talvez já na contagem regressiva para o final de semana e talvez
começando a programar o final de semana.
Não lembro o último aniversário
que passei com minha mãe. Com meu pai, que está com meu tio churrasqueando no
céu então, muito menos. Provavelmente na primeira infância. Com tantos filhos,
ele não teria tanto tempo para passar o aniversário com todos. Mas com a mãe,
deve ter sido em 1991, meu primeiro ano de faculdade. A partir daí segui o
ritmo da vida, o rumo da vida
“Eu vou no ritmo da vida
vou no ritmo que a vida me levar”
vou no ritmo que a vida me levar”
os caminhos tortuosos (ou não)
que o destino me reservou.
Estou completando 42 anos neste
sábado. O sétimo filho do meu pai. Se tivesse sete filhos, o sétimo teria poderes
de cura, como diz uma lenda Irlandesa, que virou tema de disco do Iron Mayden.
Virou filme. No Reino Unido acredita-se que o sétimo filho do sétimo filho tem
poderes mágicos e na Argentina, que vira lobisomem. Não terei sete filhos,
parei no segundo,o Gui. Não teremos um curandeiro ou alguém com poderes e até
mesmo um lobisomem no mundo. Não vindo dessa árvore genealógica.
Quis o destino que minha mãe
estivesse por aqui no meu aniversário de 42 anos. Legal receber os parabéns da
mãe ao vivo, não por telefone ou por um frio cartão de papel. Há mais de 20
anos não sei o que é isso. Um sentimento difícil de explicar. Parece pouco para
quem tem a mãe perto e que tem a possibilidade de passar a data em família. E
que por ser rotina não valoriza isso. Mas não para eu, para meus irmãos, para
minha família, que tem um irmão em cada canto do país. Reunir os cinco filhos
da dona Sirlei é uma lenda. Quase impossível. Principalmente para descendentes
de uma tribo nômade do Oriente Médio, como meu tio Luiz me informou antes de
morrer. E os Silveiras carregam esse estigma nômade no sangue. E os de cinco
gerações para cá (José Higyno, Laudelino, Flamarion, Márcio, Victor e Gui) têm
forte essa marca da família. Tanto que o Victor já pensa em estudar fora,
embora esteja cursando Física na Uel. E o Gui já manifestou anos atrás o desejo de fazer
curso superior nos EUA.
“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz.
Veja você, quem diria, que ironia,
sem você eu sou feliz!
Descobri que sou feliz.
Veja você, quem diria, que ironia,
sem você eu sou feliz!
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Outono em Porto Alegre |
Nem tudo está perdido
outono em Porto Alegre
sou o dono dos meus passos sobre folhas mortas
o mundo fica pra outro dia
outono em Porto Alegre
sou o dono dos meus passos sobre folhas mortas
o mundo fica pra outro dia
andar por aí era tudo que eu queria”
Por muitas vezes conversei com o
Zé Renato (às vezes ao vivo, muitas em troca de cartas e algumas tantas por
e-mail) sobre estarmos envelhecendo. Quando fizemos trinta nos achávamos jovens
apesar da idade. Agora o que acrescentaríamos nesse bate papos? Sinto como há
20, 25 anos; sinto como quando fiz 15 anos e queria colocar na vitrola às 15
horas a canção XV Anos do Ira!, não por causa de numerologia, mas porque nasci
às 15 horas, naquele outono de Porto Alegre, naquela quarta feira (semana santa),
no Hospital Ernesto Dorneles. Também já quis ir ao hospital pesquisar algumas
informações importantes daquele dia 29 de março de 1972. Mas não tive tempo...
ainda... não tive tempo...
Como dizia, sinto minha cabeça
como de quando tinha 15 anos. Não mudei muito nessas décadas que se passaram. A
cabeça não muda, apesar das experiências e da maturidade que o peso nas costas
trás. Continuo com a mesma voracidade de viver, de conhecer, de explorar que eu
tinha nos áureos tempos da adolescência, da Mayday, daquelas tardes cinzentas
sentado no muro da rua São Paulo, esperando o tempo passar entediado.
O que mudou? Tudo! O mundo mudou,
meu corpo mudou, minha vida mudou. Graças a Deus, ninguém agüentaria quatro
décadas todas iguais às outras. Tédio com um T bem grande... mas a mente,
apesar das mudanças, continua a mesma. Os mesmos sonhos. Às vezes me pego
sonhando acordado com uma banda, tocando bateria com a mesma galera, umas
covers do Joy Division, do Smiths... o mesmo sonho adolescente... a cabeça
continua a mesma (difícil reunir esses malas, Ronaldo em Sampa, Zé Renato em
Vitória, eu em Londrina, Branco em Santos). O corpo muda. Para pior. Envelhece,
apodrece. Mas a cabeça é a mesma, a mente é a mesma. Por isso costumo dizer que
faço 42 anos, com corpinho de 25 (porque tenho o mesmo peso de quando tinha 25
anos) e cabeça de 12. Não é por ser retardado, como as pessoas imaginam e
criticam de uma forma humorada; mas é porque a mente não muda consideravelmente
como o corpo nos anos que se passam.
“Veja você, que surpresa, que coisa incrível!
Descobri que sou feliz!
Veja você, quem diria, que ironia
sem você eu sou feliz!”
Descobri que sou feliz!
Veja você, quem diria, que ironia
sem você eu sou feliz!”
Quando morava em Santos, tínhamos
um amigo bem mais velho. O solitário “Santista”. Nunca soube o nome dele. Nunca
saberei. Torcedor fanático do time da cidade, vivia contando histórias do
passado. Uma enciclopédia em vida. Trabalhava nas Docas, morava perto da rua São Paulo, num porãozinho,
como muitas pessoas moravam na década de 1980 em Santos, aqueles casarões antigos,
cheios de cômodos e que viravam diversas residências para pessoas (bem) pouco
abastadas. Não chegava a ser cortiço, mas era um lugar onde várias pessoas (não
famílias em geral) alugavam um local para descansar seus esqueletos após um
cansativo dia de labuta. Solitário, mas humorado, sempre nos parava na rua para
bater um papo, para amenizar a solidão. E lembro quando fez “51 primaveras”.
Era um dia especial para ele. Primaveras. Como achava estranho contar a idade
pelas primaveras vividas. Nunca contei assim. Nasci no outono. Conto outonos.
42 outonos. Outono em Porto Alegre.
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