Na época do Mayday, em que
buscávamos o estrelato, consumíamos tudo que caía em nossas mãos (e também o
que íamos atrás) sobre rock. As revistas especializadas, as entrevistas das
bandas que gostávamos, assistíamos a programas que apresentavam as bandas novas
e as que estavam na mídia e principalmente no underground.
Nos encontrávamos semanalmente na
Caneleira, aos pés do morro do Jabaquara, em Santos, para trocarmos as
informações, ouvirmos fitas exclusivas e saber das novidades que estavam
rolando nos undergrounds. Depois, altas horas, saíamos por aí, parando em
botecos de periferia para beber e matar a fome com algum daqueles salgados
conhecidos como “Jesus me chama”. Às vezes comprávamos pão e mortadela, goró e
guaraná e matávamos a fome sentados em alguma sarjeta. Depois andávamos horas
no meio da madrugada para voltarmos para casa.
Lembro de uma vez passar na TV
Gazeta, então com slogam de “TV Desindexada” um especial do De Falla. E
justamente nesse sábado que iria passar acabei indo para Sampa encontrar minha
namorada à época. Pedi para alguém gravar o especial em VHS, mas poucos tinham
acesso a essa tecnologia e acabei perdendo o especial. E assim que as
informações eram divulgadas. Em tempos pré internet, saber das novidades era difícil,
tinha que suar. Nessa época que estou citando, talvez 1988, 1989, minha banda
predileta era o De Falla. Nunca assisti a esse especial da banda.
A TV Gazeta e a TV Cultura eram
fontes de informação importantes, tendo programas que alimentavam nossa fome de
novidades.
Como iniciei contando, era a época
do Mayday e nós achávamos (acreditávamos) que seríamos pop stars, que teríamos
uma banda de sucesso. E se tivéssemos insistido, acredito que teríamos
conseguido o que almejávamos. Até uma dupla de compositores no melhor estilo
Lennon/ McCartney, Jagger/ Richard, Morrissey/ Marr, o Mayday tinha: Johnny/
Márcio. O Johnny, no caso, era o Zé Renato, que usava o codinome Johnny
Alienado. Eu era o Márcio Mayday, numa clara alusão aos Ramones, que utilizavam
o nome da banda como sobrenome. Tinha ainda o Robson, que usava a alcunha Rato
Branco e o Ronaldo, que utilizava Anarquista como seu sobrenome. Mas esses
dois, o primeiro no baixo e o segundo na bateria, não compunham, o pouco que o
Branco escrevia não dava para levar a sério e o Ronaldo nem se atrevia.
Sobre o Branco, tenho até uma
passagem para ilustrar o que disse no parágrafo anterior. Certa vez ele veio
com uma frase de efeito e no meio de alguma conversa nossa, disse: “milagres só
acontecem após a Revolução”; isso deu um click no Zé Renato, um insight. Pediu
para o Branco repetir; ficou empolgado e com essa frase na cabeça. “Gênio”
disse para o Branco, que ficou lisonjeado com o elogio. Foi para casa e dias
depois chegou com a letra que seria sua obra prima. A canção chamava-se “Milagres
só acontecem após a Revolução” e tinha como co-autor Rato Branco. Precisava
musicar, o que seria feito no momento oportuno.
Nesse mesmo período o Zé Renato
fazia um fanzine (para quem não sabe, um informativo sobre qualquer coisa) que
ele escrevia à máquina, numa Lettera 22 que havia comprado depois de assistir
ao clipe de Angra dos Reis da Legião Urbana, como expressar nossa revolta e
nossas contribuições para mudar o mundo, colando figuras recortadas de revistas,
desenhando e depois tirando cópias e distribuindo entre nós. Então, aproveitando
a inspiração gerada pela frase genial do Branco, mandou ver em um texto com o
mesmo nome.
Dias depois, escutando um som na
casa do Branco, que tinha o melhor aparelho de todos nós, um 3 em 1 da
Gradiente, com duplo deck, ultra moderno, estava rolando um disco da banda
Detrito Federal, de Brasília, claro. Com o encarte em mãos Zé Renato tem a
decepção ao ver a letra de Vítimas do Milagre, que tem a seguinte estrofe:
“Não adianta sonhar com a salvação
Milagre só acontece depois da
revolução.”
A decepção foi grande, para não
contar a revolta e a raiva do Zé Renato. Claro que isso virou motivo de chacota
e bullyng por muito tempo. Resultado: edição do fanzine cancelada e letra da
obra prima devidamente rasgada e jogada no lixo. Lá se foi a obra prima do Zé
Renato.
Eu tinha um caderno onde escrevia
as minhas canções. Era um caderno espiral, pequeno, de 100 páginas, customizado
na capa com diversas fotos de bandas, capas de discos e outras coisas da
cultura pop que encapavam o caderno com papel contact, recortadas de revistas.
Antes de começar a escrever minhas novas letras, o Zé Renato fez uma foto
memorável da banda (na verdade um desenho) em que aparecia eu tocando guitarra
e cantando, com um balão que representava o meu pensamento e nele tinha um
símbolo de cifrão, demonstrando qual era meu objetivo principal: grana. Embaixo
desse desenho, aparecia o próprio Zé Renato, tocando guitarra e com balão semelhante,
simbolizando o seu pensamento e aparecia uma buceta, em uma época que nossos
hormônios estavam em polvorosa e que só pensávamos em trepar; ainda virgens, em
um momento que a Aids fazia os puritanos terem orgasmos múltiplos, assustando com
discursos repressores e controlando a busca pelo prazer, Zé Renato já andava
pela General Câmara, pagando por momentos de prazer com as “garotas de vida
fácil”. Finalmente o Ronaldo, tocando bateria e com um pensamento que
simbolizava um sanduíche, porque ele era meio Chaves e só pensava em comer, no
caso comida. Acho que era larica mesmo.
A rua General Câmara, em Santos é
a rua onde tem as boates de prostituição, perto do porto, estrategicamente para
oferecer serviço aos marinheiros do mundo inteiro que vêm dos navios aportados
por aquelas plagas.
O Branco tinha sido expulso da
banda por suas mancadas, dentre as quais a citada acima.
Após esse desenho da Mayday e de
seus integrantes, talvez a única imagem existente da banda, uma ilustração, uma
charge, vinha uma entrevista que demos para a revista Bizz. Claro que era uma
invenção que fiz, onde contávamos sobre nossas influências, sobre a Kaos, um
dos primeiros nomes da Mayday, que mudou de nome por causa de uma banda já
existente com o mesmo nome e tantas outras coisas, como a história da Mayday. A
‘reportagem’ apresentava a Mayday como a banda revelação daquele ano.
Só para fins de esclarecimento,
quem deu nome à banda foi o Zé Renato, depois que o nome que escolhi, Kaos, foi
descartado pelo problema citado. Ele escolheu o nome depois de assistir a um
desenho em que alguém pedia socorro gritando mayday. Submeteu à galera e foi
escolhido o nome.
Lembrando disso, escrevi um bate
bola sobre eu, como se entrevistado fosse. Talvez falte alguma informação que
em outro momento será acrescentado, mas como deve ser sucinto e direto,
transcrevo abaixo, demonstrando quem sou na essência. Décadas após ter escrito
a entrevista da banda, escrevo agora esse bate bola, dentro das comemorações do
meu quarentenário.
Signo: Áries
Nacionalidade: Riograndense.
Naturalidade: Porto Alegre (o
Guaíba possui o pôr do sol mais lindo do mundo).
Uma cor: azul
Um prato: arroz, feijão, bife a
cavalo, batata frita e salada de tomate. Mas qualquer receita com batata é perfeito.
Bebida: suco de laranja batido no
liquidificador. Sem gelo, a laranja deve estar gelada.
Um time: Grêmio, claro!
Esporte: Futebol, claro!
Uma banda: The Smiths. Mas não
podemos esquecer da influência e importância dos Beatles e do Joy Division. E
tantas outras bandas que fizeram e fazem minha trilha sonora a cada dia.
Um filme: Peg Sue – seu passado a
espera. Sou fissurado em filmes que voltam para o passado.
Um livro: Olhai os lírios do
campo.
Um escritor: Érico Veríssimo.
Mania: morder os beiços
inferiores e dobrar a orelha, que deve estar gelada. Quando esquenta fica
chato.
Márcio
por Márcio: Gremista, gaúcho, psicólogo e roqueiro, sem ordem de prioridades,
este sou eu. Um cara que errou, erra e errará pra caralho e que em alguns
momentos fez a coisa certa.
aliás, preciso pegar com o Dentinho esse caderno para postar essa entrevista aqui no blog, é hilária. Imagina um guri de 14 anos criando uma entrevista inexistente com a Bizz?
ResponderExcluirÓtimas lembranças. Eu tenho um desenho nosso e algumas coisas em um caderno perdido na casa da minha mãe. Quando for a Santos vou escanear e te mandar, bicho. Lembra uma vez que tomamos uma geral próximo à rua São Paulo? Eu vestia um coturno da PM que o Fernando achou no lixo e estávamos -- para variar -- sem documentos. O Branco trazia um documento de inscrição no vestibular. Eu estava com a tal letra no bolso de trás da calça e o PM ficou lendo. Você tava nessa?
ResponderExcluirBjs, ZR
porra, manda essas relíquias aí. Acho que nessa 'barca' furada eu não tava, kkkk. Mas lembro desse coturno. Lembro de uma geral (acho que foi a primeira de tantas) em que nós voltávamos do show do Guanabatz, no Caiçara e o Branco (quando não era ele a dar essas mancadas, era o Ronaldo) deu uma voadora no orelhão, que pegou de leve, bem na hora em que passava um camburão. Fomos todos para o paredão branco (que não existe mais) que cercava a estação de trem ali na Ana Costa, onde hoje é o Extra. E tem aquele lance do morro Jabaquara, naquela pedreira. Mas essa fica para um post, porque é boa demais. Valeu mano!
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