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Márcio, Beto, Renato, Rogério e Fábio em meados dos anos 1970 |
Dizem que a tristeza e a
melancolia é o maior combustível para as grandes histórias, as grandes poesias,
as grandes obras de arte, enfim, as grandes obras criadas pelos maiores
artistas da humanidade. O que os psicanalistas chamam de sublimação. Mas e
quando se está alegre demais, podemos sublimar? Transformar a alegria em mais
alegria? Não sei. Com a palavra os especialistas.
Não sei porquê escrevo isso neste
momento. Hoje é meu aniversário. 43 anos. São 43 outonos, que em alguns momentos
foram bem vividos, de muita alegria e cheios de vida; mas também de muitos
momentos da mais pura tristeza e melancolia. Já me disseram que sou
melancólico. Lembro dos meus anos adolescentes em que eu realmente era
melancólico e que escrevia canções para espantar aquele sentimento que tanto me
incomodava. Principalmente quando estava sozinho, entre quatro paredes, no
escuro do meu quarto. E, apesar de que éramos seis em casa, me sentia tão
solitário quanto se morasse em uma montanha isolado do mundo. E me trancava no
meu silêncio, no escuro da minha alma, sonhando com o dia em que tudo mudaria e
que minha vida seria finalmente feliz.
Sempre lembro que esse meu humor
que me levou a fazer psicologia.
Por que as coisas têm que ter um
sentido? Por que as palavras devem seguir sequências, uma lógica, surgindo
frases e parágrafos que fazem algum sentido? Arte não deveria ser apenas a
essência, a alma do artista? Não deveria ser o âmago e que cada um descobrisse
o seu ao ver, ler, sentir, ouvir?
É engraçado que depois de quase
30 anos ter vivido toda essa explosão de sentimentos dúbios, de tristeza e
alegria, de euforia e melancolia, de sentimentos que não se complementam, mas
são contraditórios e que não só rivalizam, como se conflitam, isso venha à tona
nesse dia. No dia 29 de março de 2015. Muito tempo realmente se passou daqueles
loucos anos ’80 do século passado. Mas o sentimento permaneceu. Os cabelos já
com fios brancos, o rosto com as marcas do tempo, implacável me dizendo que não
sou mais aquele guri dos anos ’80 e que preciso olhar para a frente e pensar no
que fazer dessa vida que insiste em pulsar dentro de mim. Mas a minha alma,
esta meus caros, minha alma permanece igual à daquele guri incerto, com suas
dúvidas e paixões inquietantes e melancólicas.
E a barba, com diversos fios
brancos, que nasceu nesses 43 anos completos, de dias atrás que não a faço e
que cresce de forma desordenada e incomoda, não só a mim, mas principalmente às
pessoas que se relacionam comigo, dando palpites em vão, para o gosto da minha
teimosia. Como é difícil querer ser diferente do que se é. As pessoas traçam
explicações e principalmente críticas. E como gostam de palpitar e de dar
conselhos.
Mas o que vejo além dessas
paredes brancas e sem vida? O silencio e a solidão que sempre me incomodaram
tanto e que me fizeram tomar atitudes muitas vezes impulsivas para fugir
daquilo que mais me deu medo nesta vida. Sim, talvez este o motivo de todos os
meus atos que me trouxeram aqui hoje e que o destino, com sua mão invisível,
com um falso ar de imprevisibilidade, me trouxe, me carregou no colo e me
entregou a esse 29 de março de 2015.
“... diga o que disserem, o mal do século é a solidão!” Diria que o
mal dos séculos, da vida.
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Em pé: Beto e Rogério. Sentados: Fábio, Renato e Márcio |
Os sentimentos mais antigos da
vida? Talvez seja essa melancolia que se apodera de mim e que é fruto de uma
incerteza do futuro e do que está me aguardando ali na frente, quando virar a
esquina. Coisas boas, nem tão boas, ruins, muito ruins? E o que fazer quando o
sentimento é tão forte que dilacera a alma? E o que fazer quando o sentimento é
tão forte que edifica a alma?
O destino sempre me fascinou.
Como pode ser tão inconsequente e imprevisível e ao mesmo tempo se mostrar tão
regular em seus passos? Tão sistemático e disciplinado, brincando com nossas
vidas a ponto de nos mostrar suas garras e ser frio e calculista, sem se
importar com o que vamos fazer ou como vamos reagir a cada novidade que ele nos
trás?
Sempre escrevi assim, dessa
maneira, do inconsciente. As palavras vêm à mente, sem nem ao menos saber sobre
o que estou escrevendo. Do fundo da alma. E sempre foi assim. Pegava o papel, a
caneta e as palavras fluíam. Quando terminava, tentava entender o que estava
escrito. Muitas vezes era incompreensível e então eu simplesmente rasgava e
jogava o papel fora. Mas hoje me arrependo dessa atitude impensada e impulsiva.
Talvez aquilo fosse incompreensível para aquele momento, mas para hoje poderia
explicar muita coisa. E sempre, quase sempre, tinha dificuldade até para
colocar nome nas canções que eu fazia, pois as letras falavam sobre nada e ao
mesmo tempo sobre tudo. Sobretudo quem eu era naquele momento ou mesmo quem eu
sou na minha essência.
“Vago, solto, nu
A brisa me traz teu perfume
Caminho, descalço, sobre o asfalto quente...”
Um sábado, no final dos anos ’80,
recém chegado da praia, com aquele misto de tristeza e vazio que era característico
daquela época da vida, após jogar bola com meus amigos, me tranquei no quarto,
sem acender a luz e rabisquei alguns versos dos quais só lembro os que escrevi
acima. E no final, por estar em um quarto escuro, esse foi o nome da canção que
em seguida musiquei no violão.
Se o sentimento mais tenro da
lembrança é esse vazio e melancolia, qual a lembrança mais antiga? Lembro de
uma noite, ainda em Porto Alegre, eu com 4, 5 anos, no quarto, que ficava o
lado da sala daquele casarão da Clemente Pinto 1073, quando a vó ainda era
viva, escutava na sala os sons que vinham da televisão, com imagens em preto e
branco, enquanto os “adultos” assistiam ao filme O Fantasma da Ópera. E nós, os
pequenos, não tínhamos permissão para assistir a esse filme. Como os tempos
mudaram...
Lembro em 1977 quando o Grêmio de
Telê Santana quebrou o tabu e finalmente voltou a vencer um Gauchão. A festa
que todos fizeram na cidade era enorme. Minha vizinha, dona Osmira, Gremista
daquelas fanáticas, queimou um cobertor vermelho, na euforia louca de uma
vitória com um gol seguido de um mortal na comemoração de André, o Catimba,
autor do gol que deu o título ao Grêmio e finalizou o tabu de 8 anos sem ganhar
o título regional.
Lembro da Lili e da Marisa,
vizinhas com a nossa idade; lembro de brincar naquele quintal enorme de nave
espacial; lembro de jogar bola e ser goleiro, entre as duas árvores do quintal;
lembro do Drácula e da Draculina sua namorada, que no desvario daqueles anos da
ditadura e de muito (falso) pudor, que
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As gurias devem ser a Lili e a Marisa. Não acredito que essa foto seja de '75. Sendo assim, teria 3 anos e pareço ter mais aí. |
provavelmente eram jovens adultos
hippies, e que eram discriminados por serem diferentes e que levavam a fama de
serem pessoas más.
E lembro da Vó. Quando quebrou a
perna em 1976 ao descer uma escada. Foi o começo de sua morte. Não sei se
quebrou a perna em ’76, mas lembro que foi esse ano que ela morreu. Lembro de
tê-la visto descer as escadas em uma roupa branca e esvoaçante, depois que
tinha morrido. Delírio ou não, essa é uma lembrança que tenho.
Lembro de churrasquear e de tomar
mate. Com açúcar, porque éramos muito criança. Lembro de jogar botão em casa,
em Porto Alegre. Lembro de jogar bola na rua. Lembro de que tudo era tão grande
naquela época! Mas quando voltei à rua Clemente Pinto anos mais tarde, muitos
anos mais tarde, vi que as coisas não eram tão grandes assim. O casarão do 1073
e o quintal enorme eram na verdade bem menores do que eu tinha em mente.
Lembro do Grupo Escolar Ceará e
do Douglas, um guri encapetado que eu tinha medo. Lembro da professora Darci
Veríssimo e de quando ela tirou licença quando o Érico, um parente seu, havia
morrido. Érico Veríssimo, um dos maiores escritores do Brasil e do mundo.
Lembro de anos mais tarde, em Santos, ler suas obras completas, uma que a dona
Sirlei tinha, autografada pelo famoso escritor. Coleção esta que a Sirloka doou
a um sebo quando mudou, sem saber o tesouro emocional que nos fez perder.
Lembro de alguns aniversários.
Poucos, mas marcantes. Presentes sempre foram poucos, mas sempre gostei de
fazer aniversários. Só tinha medo de envelhecer. E sempre pensei que morreria
aos 45, sem estar muito velho. E faltam apenas 2 anos. Será que está mesmo na
hora?
E lembro de escutar música. Horas
e mais horas a fio. E ter esse mesmo sentimento de vazio, de que o dia não
terminará nunca e que nunca essa angústia passará.
Quando quero lembrar de alguma
coisa da vida, lembro de qual canção estava curtindo na época. E quando escuto
alguma canção, logo me remete a algum momento da vida.
São lembranças que me ocorrem
neste momento. Como quando nos filmes alguém morrerá e vê a vida passando pela
frente em alguns minutos. E a música continua tocando, insistentemente, horas a
fio. Até os olhos se fecharem e um novo dia começar. E então não será mais 29
de março de 2015. E não será mais meu aniversário; e não terei mais 43 anos
exatos, completados às 15 horas desse domingo.
E tudo será diferente!
“...E agora o Pinhal
Não tem mais a
gente lá
Eu volto pra lembrar
Que a gente cresceu
Na beira do mar
... Quando tenho
tempo
Dou uma passada lá pra ver como estão
Se estou na zona norte
Pego a estrada do forte pro meu irmão.”
Dou uma passada lá pra ver como estão
Se estou na zona norte
Pego a estrada do forte pro meu irmão.”
“Oh, dar-me-ás a vida de aventuras que existe nos livros infantis a fim
de me recompensar do quanto tenho sofrido?”
PS.: escrevi esse post em 29 de março de 2015, postado uma semana a posteriori.
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