Minha inspiração vem do nada. Ou
de tudo. Mas não é uma companheira fiel, que tem hora marcada. Quando ela vem,
se não estou preparado, ela passa e me deixa na mão. E me deixa com ar de que
poderia escrever minha obra prima e deixei passar a oportunidade. Tento estar
sempre preparado, mas nem sempre consigo.
Muitas das minhas grandes idéias
se perderam assim; outras se perderam por não compreender bem a inspiração que
veio. Muitas vezes ela não flui com facilidade, tem que haver investimento de
energia. É uma luta que se trava no meu cérebro. E tento não esquecer, não
perder a emoção do momento; mesmo quando estou despreparado procuro tentar
amenizar e buscar o ambiente para fazer com que se prolongue. Ainda não sou tão
adepto às tecnologias para gravar a idéia e transcrever.
Mas se estou caminhando, no
mercado, ou em algum lugar com acesso a uma caneta e papel, vou logo pedindo
para alguém me socorrer e não perder a idéia. Geralmente, se demoro, não
consigo recriar o ambiente. Aí escrevo e as palavras não têm a mesma beleza de
outrora. A idéia se foi.
Às vezes teimosa, a inspiração
persiste; sem muita intensidade, as letras ficam desconexas e as palavras
parecem não ter a mesma conotação; quando não têm a mesma intensidade, se perdem
no papel. Mas se permanece na cabeça, insiste, persiste, me tira do marasmo, da
mesmice, da rotina. Me dá vida!
Quando era adolescente escrevia
canções para expressar minhas angústias da idade. Tocava violão (mal e
porcamente, como diria a d. Sirlei) e conseguia amenizar meu sofrimento. Queria
ser um rock star. Não virei. Mas em algum lugar esse sonho ficou guardado.
Ouço a voz da d.Sirlei dizendo
que fazíamos algo “mal e porcamente!” reclamando de algo mal feito. Era a forma dela
incentivar-nos a fazer as coisas da melhor forma possível. Se deu certo, não
sei. Sei que eu queria fazer tudo diferente com meus filhos, quando pensava em
tê-los. Quando os tive, todos os ensinamentos da d. Sirlei serviram para criar
meus filhos da melhor forma que pude. Por mais que tenha errado na educação e
criação deles, o aprendizado com a d. Srilei e também do Flamarion (pois com
sua ausência aprendi que tinha que ter responsabilidade e não fazer algumas coisas)
foram de grande valia. Para a vida.
Escuto a voz da d. Sirlei dizendo
que eu ou meus irmãos não sabíamos nem limpar o rabo quando queríamos fazer
algo que ela era contra ou não tínhamos maturidade para fazer. Aquilo era uma
ducha nos planos; estragava qualquer romantismo que pudesse ter naquele sonho.
Era a realidade batendo à porta. É cômico lembrar disso agora. Mas na época era
frustrante... muito frustrante.
Muitas vezes persistia. Insistia.
De algumas coisas desisti. Claro, alguns delírios seriam frustrantes não
alcançar por falta de capacidade.
Quando comecei a aprender a tocar
violão, mais ou menos, aos 13 anos, mais ou menos quando comecei a romancear
meus pensamentos e sentimentos em versos que chamava de canções, fui estudar música
no Teatro Municipal de Santos. Fiz um ano, gostava pra caramba, lia partitura. Eu
fazia com afinco, não queria fazer mal e porcamente. Porém, se o Punk Rock foi
uma das melhores coisas que me apareceu, também me atrapalhou. Queria tocar
aquilo que escutava. E aquilo era tosco, pobre, pesado e cru, com 3 acordes
apenas. Mas apaixonante. No meu imediatismo próprio da adolescência aquilo que
estava estudando e aprendendo não servia para nada. Com alguns acordes e suas
combinações era possível musicar meus versos delirantes. Era mais do que
suficiente. Logo abandonei as aulas e fui trilhar uma carreira não promissora
de rock star. Durou alguns anos esse delírio. Mas boa diversão.
Talvez minha primeira frustração
e o primeiro arrependimento na vida. Não tinha ilusões com o futebol, apesar de
jogar bem. E naquela época, todos queríamos ser jogadores de futebol. Mas eu
preferia impressionar as gurias com uma guitarra na mão e alguns versos de
efeito de uma canção.
Meu primeiro emprego foi na loja
de sapatos do velho seo Jorge, na praça da República, centro de Santos. E com
meu primeiro salário (ele pagava quinzenal) não fui comprar uma bola ou uma
camisa do Grêmio, como o Fábio, mas um violão nas Casas Bahia, que já vinha
namorando a dias. E comprei à vista, coisa que assombrou meu primeiro chefe
turco. E sempre andava com um papelzinho, revistas de cifras musicais e uma
caneta a tiracolo. Queria fazer música e rodar o mundo.
E naquela época estava sempre
preparado para a inspiração. Ela era mais freqüente que hoje. Mente inquieta,
vivia pulsando. E escrevia, escrevia. Depois lia e, critico, jogava no lixo.
Hoje, quando escrevo e não gosto, aperto Control T e Delete. Ou guardo para
melhorar a idéia. Geralmente não volto a ela. Mas quando volto, lapido.
Hoje a tal inspiração bate menos
à porta. Vida atribulada meus caros! Mas ela teima em aparecer. Geralmente
quando estou impossibilitado de passar para o computador ou para o papel. E
mesmo lançando mão de muitos artifícios para criar o mesmo clima, escuto uma
canção apaixonante, me sento a frente do note book, olho paisagens delirantes,
vou cagar e tantas outras coisas que não dão o mesmo resultado e demonstram ser
ações em vão, porque, teimosa, ela insiste em não retornar. Sim, porque ela é
insistente e persistente, tanto para vir quanto para ir. Para o bem e para o
mal. E a idéia se perde. Para sempre.
Fruto de uma manhã de sexta feira
(as sextas feiras são propícias para a inspiração chegar. Mas dias tristes
também), quando fui escovar os dentes e notei algo estranho, escrevi os versos
abaixo. Ela veio. A tal inspiração batendo à porta enquanto escovava os dentes.
E fui correndo abrir o note book, que deixei aberto o dia todo e a madrugada
toda de sábado, para fluir, para não perder a idéia. E deu no que deu.
MINHA ESCOVA DE DENTES DESCARTÁVEL
Hoje o dia amanheceu mais cedo
Me olhei no espelho e tudo
estava estranho
Eu não parecia o mesmo
Apesar daquelas mesmas marcas
no rosto
Denotando o tempo que passou
sem piedade
Foi hoje, ontem, talvez
amanhã?
Não importa, mas as coisas não
encaixam mais como antes.
Escovei os dentes e minha
escova estava estranha
O peso da minha idade?
Ou minha escova ultrapassada?
Não tinha mais o formato dos
meus de dentes
Da minha boca
Ela não parece ser a minha
velha escova de dentes
Minha companheira de todas as
refeições
Minha companheira tão freqüente.
Algo mudou em tudo ao meu
redor
Eu me apaixonei pela garota
mais apaixonante
Mesmo que pareça algo
delirante
Sempre estive apaixonado por
ela
Apenas adormecido pelo tempo e
levado pelo vento pra longe de mim
Sempre estive apaixonado pela
garota mais apaixonante
Em meio a tantos delírios...
delirante
Fui um tolo por não perceber
Apenas mais uma tolice ao não
perceber
Mas minha escova de dentes já
não se adapta à minha boca
Ou sou eu que não me adapto a
ela?
Minha escova de dentes
desajustada
Meus dentes tão sensíveis e
acostumados
A ela. E agora, o que fazer?
Basta trocar
Mas eu vou me acostumar?
É tudo tão estranho esta
manhã, mas enfim, não serei eu o desajustado?
Mudo eu, troco eu?
Ela não é flexível.
Eu sou?
O que essa paixão fez comigo?
Estou desajustado no meio de tudo
Ao mesmo tempo parece que nada
mudou
Eu mudei.
Minha escova de dentes
continua a mesma
Continua?
Se um objeto não se adapta,
jogamos fora e trocamos
Porque são objetos
descartáveis
Mas e as pessoas que não se
adaptam? E as pessoas que se tornam desajustadas
E que não conseguem mais
seguir o convencionado?
São trocadas por outras e mais
outras
Então são descartáveis?
Puro silogismo
Mas é assim que funciona
É assim que funciona?
Tem que funcionar assim?
Somos todos descartáveis e
Quando não servimos mais,
somos trocados
Então somos descartáveis?
Então somos objetos e não
humanos?
Vou jogar minha escova de
dentes fora
E comprar uma nova
Ela é um objeto descartável
Mas se eu acordei diferente é
por que estou apaixonado por você?
E isso me torna mais
importante na tua vida?
O que me torna o cara ideal
para ti?
Estou apaixonado por você
E isso me torna diferente? Me
faz diferente?
Eu posso ser o cara ideal para
ti?
Minha velha escovas de dentes
Vai deixar saudade
Tudo nessa idade se transforma
em luto a elaborar
Toda perda se torna um fardo a
me preocupar
As marcas no rosto denotam a
minha idade avançada
A minha escova antiga,
ultrapassada
Esquecida
No fundo da lata de lixo
Isolada e perdida
Já que suas cerdas desgastadas são sinais de que está ultrapassada
Como as marcas no meu rosto
demonstram minha idade avançada.
Primeiro sobre inspiração, posso dizer que o uso de smartphone me garantiu mais idéias anotadas em bloco de notas...
ResponderExcluirSobre a escova de dentes ultrapassada e no lixo, descartada, acho que Marcio Silceira não rima com idade avançada, mas sim com vitalidade na estrada...
esse lance do bloco de notas é o que sempre salva. Mas um papel amassado no bolso da calça tb vale. A vitalidade nas estradas rurais de Londrina, Paraná e quiçá do Brasil, porque não? Sobre a escova de dentes, é só uma metáfora para a superficialidade e a descartabilidade na modernidade líquida.
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