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Muro pichado ao lado do Sesc Cacupé, em Cacupé - Floripa |
“Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz”
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz”
Quando Crhistophe Dejours,
médico e psicanalista francês, se deparou no início de seus estudos que
culminaram na teoria da Psicopatologia do Trabalho, com trabalhadores sãos e
normais, se assustou, pois tudo o que havia visto na teoria e pela forma como
as fábricas e empresas se organizavam, deveria encontrar trabalhadores a beira
da insanidade. Para ele, essa surpresa foi instigante e o fez buscar entender o
que ocorria que as pessoas não enlouqueciam diante de uma organização do
trabalho dúbia, com discursos que se chocavam, de liberdade e criatividade e ao
mesmo tempo controlando os trabalhadores, mesmo que de forma sutil. Como todos
sabemos, esse discurso da autonomia não deixa de ser (com o perdão da expressão
chula) uma balela.
As relações de trabalho
evoluíram muito ao longo das últimas décadas. Com o advento e o desenvolvimento
da tecnologia, as empresas passaram a produzir com a mesma qualidade e com a
mesma velocidade; claro que o knowhow sempre contou e continua interferindo na
qualidade, mas as empresas passaram a ter o mesmo nível de produção; inovação,
a palavra de ordem; diferencial; essa característica das empresas do final do
século passado fez o foco de voltar com todas as atenções para a gestão de
pessoas, que passou a ser um diferencial. Afinal, quem é que faz a produção? As
máquinas são operadas por quem?
A organização do trabalho
engessada, controladora, não era mais viável. As empresas modernas, de olho em
maior produtividade e lucro, perceberam que o conhecimento que o trabalhador
tinha sobre a produção (o saber operário) deveria ser absorvido; maior
liberdade e conseqüentemente possibilidade de desenvolver a criatividade era
mais do que importante para que as empresas conseguissem se manter no mercado,
cada vez mais competitivo. E assim surgiu o discurso da Era do Conhecimento,
estar em constante aprendizagem. Os certificados de qualidade também
influenciaram nessa corrida pela busca do conhecimento.
Mas ainda assim o controle
sobre o trabalho através do horário, dos registros de ponto, da cobrança de
metas, ainda se fazia necessário. E a forma como as empresas desenvolveram esse
controle foi mais perverso ao trabalhador: os controles psicológicos com
discursos e a apreensão da subjetividade. O feitiço das organizações, a empresa
como uma família, a ilusão de liberdade e criatividade, estratégia para
controlar psicologicamente o trabalhador. O indivíduo preso na armadilha
estratégica. Só gostaria que me mostrassem qual família que na crise manda
embora seus membros. Se bem que com a doença social em que nossa sociedade está
inserida, pai mata filho e filho mata pai. Mas isso apenas no auge da
enfermidade psíquica. Em situações normais, a família se une para superar as
dificuldades, ao contrário das empresas, que não se furtam de cortar pessoas
para sobreviver.
Diante disso é que Dejours
acreditava que a loucura seria o mais normal de encontrar dentro das empresas
em que foi estudar as relações trabalhistas. Investigando mais afundo, percebeu
que os trabalhadores não adoeciam pelo motivo simples de que lançavam mão de
mecanismos de defesa os quais nomeou de Estratégias Defensivas. Essas
estratégias defensivas é que possibilitavam que o trabalhador mantivesse o
equilíbrio psíquico. Embora evitem o adoecimento por completo, as estratégias
defensivas não evitavam o sofrimento psíquico.
Dejours e outros autores
descreveram como as principais estratégias defensivas que os trabalhadores
apresentavam eram a negação, o conformismo, o individualismo, a agressividade e
a passividade, dentre tantas outras formas para os trabalhadores evitarem o
sofrimento. Através de tais estratégias o indivíduo busca modificar e
transformar a realidade que o faz sofrer, minimizando a percepção dessa
realidade. Diferentemente dos mecanismos de defesa descritos pela teoria
freudiana e pela Psicanálise, que geralmente são individuais, as estratégias
defensivas para minimizar o sofrimento nas organizações são geralmente
coletivas.
Se as empresas são fonte de
adoecimento, o que dirá de nossa sociedade? Nossa organização social, que
apresentam valores totalmente díspares em relação ao indivíduo e suas relações
sociais, em que o discurso é um, mas o que se faz é completamente diferente, de
um cinismo constrangedor, uma sociedade que os valores se inverteram e as
pessoas não têm vergonha de dizer que o que importa são as conquistas
materiais, uma sociedade propícia para a loucura psíquica.
O normal é a loucura, não a
normalidade. Não seria por isso que as pessoas buscam a fuga (uma estratégia
defensiva apresentada por Dejours dentro das organizações) da dura e triste
realidade através do uso de drogas, através do conformismo, da passividade, da
agressividade, principalmente?
Esse é um tema profundo demais
para algumas linhas; é necessário maior aprofundamento teórico para não ficar
na superficialidade dos achismos e na periferia do conhecimento desenvolvido
pelas ciências humanas.
O que se espera é o
adoecimento dos membros de uma sociedade pautada em valores materiais, como a
nossa. Porém, antes de tudo, desaprendemos a lidar com algumas das nossas
emoções que nos tornam humanos na essência; a tristeza, a angústia e
principalmente a frustração. E o que nos fez nos afastar do nosso lado humano?
O consumismo. Sim, o consumismo e a descartabilidade que veio em seu bojo.
Só é possível comprar algo
quando outro algo não presta, não tem mais serventia. E a primeira forma que a
sociedade ultracapitalista que vivemos hoje criou foi o conceito de
descartabilidade.
Em seguida (em conjunto com a
descartabilidade) a idéia de superficialidade, disseminada sutilmente e que se
instalou em diversas instâncias, inclusive (e principalmente) nos
relacionamentos. Não se apegar às coisas é uma forma de conseguir descartá-las
com maior facilidade, sem maior envolvimento emocional.
Depois veio a necessidade de
se ter aquilo que não se precisa, o que está em voga atualmente e que tão bem
caiu com o desenvolvimento do marketing. O que não é o marketing senão
desenvolver nas pessoas o desejo de ter aquilo que não quer ter? Exemplos,
temos de monte. E se tu não entras nessa onda, és um retrógrado, não gostas do
avanço da tecnologia, é contra o progresso. Quem pensa como eu, que demorou
anos para ter um celular, que até hoje tem um celular que faz ligação, toca um
mp3 e no máximo tira umas ‘fotinhas’ aqui e ali, que não tem o tal do android,
sabe que isso basta, não é necessário mais nada, entende bem do que estou
falando.
A superficialidade da pós
modernidade torna tudo mais fácil para ser descartado, desde aquele computador
que te serve perfeitamente, mas pelo avanço tecnológico está obsoleto, até uma
pessoa cujo relacionamento é abalado por um pequeno conflito e parece não
servir mais e então é pé na bunda, sem chances de elaborar aquele conflito
momentâneo. É mais fácil partir para outro do que investir no antigo. Mas o que
se esquece é que isso é a vida, um emaranhado de conflitos para serem
elaborados; e por mais que busque outros relacionamentos todos chegarão na fase
do conflito, num círculo vicioso. Até que a falta de paciência de entender o
outro é vencida pela impaciência de ter que iniciar novos relacionamentos do
zero, de tempos em tempos.
A descartabilidade trás outro
problema, desta feita para o meio ambiente: como acondicionar tamanho lixo
produzido? Antigamente tudo era para a vida toda, o emprego, a casa, o carro, a
esposa, a família. Hoje é “que seja eterno enquanto dure”, “... o prá sempre,
sempre acaba".
Seguindo a lógica dejouriana,
todos deveríamos estar ensandecidos, rasgando notas de cem por aí. Mas acontece
exatamente o contrário, alguns enlouquecem e ultrapassam a tênue linha que
separa a sanidade da loucura por completo. Como nas empresas, as pessoas
conseguem amenizar o sofrimento e manter o equilíbrio psíquico. É claro que
utilizamos dos mecanismos de defesa que Freud tão bem descreveu no início do
século passado, quando se tornou o pai da Psicanálise. Os mecanismos de defesa
descritos por Freud servem para amenizar o sofrimento, manter-nos dentro da
normalidade aparente. Cito os mais conhecidos e fáceis de entender: sublimação,
negação, projeção, introjeção, formação reativa.
Percebe-se que atualmente
estamos cada vez mais próximo ao limítrofe entre a loucura e a lucidez. Por
isso vemos as maiores barbáries na televisão e nas ruas. Muitas vezes nem nos
damos conta de quão horripilante são essas situações. É a banalização. É algo
tão quotidiano que já não nos surpreendemos tanto com a barbárie. A banalização
da barbárie.
Viver no meio da barbárie sem
se revoltar é característica de uma sociedade doente. Afinal, quem são os loucos?
Os loucos somos nós, normais! Qualquer outro enlouqueceria em se deparar com a
nossa realidade.
Não há estrutura psíquica que aguente meu caro, não há!
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