sábado, 9 de novembro de 2013

SONINHO


Não acompanhei meus sobrinhos de perto. Tenho 3: Renatinho com 15 anos, João Vitor de 13, filhos do Beto e Victor Gabriel, filho do Rogério, que deve estar com seus 8, 9 anos, não tenho a mínima ideia. Não sei a data de aniversário de nenhum deles. Mal falo com eles. Os filhos do Beto faz muito tempo que não os vejo, acho que a última vez foi no casamento do Renato, há quase uma década. Eram pequenos. O Victor Gabriel vi ano passado. Pouco fala, não consegui um vínculo de tio, do jeito que eu gostaria de ter.

Renatinho e João Victor moram em Diadema, grande São Paulo, talvez uns 500 km a leste de Londrina; Victor Gabriel mora a uns outros 500 km, também a leste de Londrina, mas indo para o sul. 500 km a sudeste e a nordeste me separam desses sobrinhos.

Dona Sirlei teve 5 filhos, todos homens e contando com meus 2 filhos (os primeiros netos) ela tem 5 netos todos homens. Ô família difícil de sair mulher. Tentou por 5 vezes ter uma filha e acabou desistindo. Os filhos tentaram dar uma neta e nada. Até 3 meses atrás.

No dia 12 de julho (mesmo signo do Gui, que nasceu no dia 3), às 8hs04min, na Casa de Saúde de Santos, nasceu a Luiza Caetano Silveira. O mesmo sobrenome dos meus filhos, porque a Luciana é Caetano dos Santos. Como meu irmão jamais colocaria Santos no nome de um filho, escolheram o Caetano e foi batizada com os mesmos sobrenomes dos primos. No futuro serão confundidos como irmãos.

Enquanto estou escrevendo esse post me surgiu uma dúvida: será Luiza ou Luíza (como um acento pode fazer tanta diferença?).


Para quem já tem filhos, ter sobrinhos não chega a ser uma novidade daquelas. Claro que seria legal ter uma convivência mais próxima dos meus sobrinhos, ver crescê-los, ensinar algumas traquinagens que já ensinei para os meus filhos, dar risadas, influenciar no gosto musical, torcer (e sofrer) para o IMORTAL TRICOLOR junto, não ter a obrigação de ficar reprimindo as bagunças deles, como os pais têm que fazer, seria afudê.

Com a Luiza é diferente. Ela é a única guria da família até aqui. Para ter outra, acredito que só com as bisnetas da D. Sirlei. Se vierem gurias. O Rogério tem um filho, não acredito que terá outro; o Beto, com 2, também dificilmente contribuirá para a superpopulação do mundo; o Fábio já disse que não terá herdeiros; eu tenho meus dois que já me dão uma caralhada de trabalho; o Renato, pai fresco, não pensa nisso nesse momento. Sendo assim, Luluzinha do tio, tu és a princesinha da família e será adulada por todos. 

Conheci a Luluzinha (ou Beca, como o pai a chama) essa semana. Estive em Santos depois de 4 anos, especialmente para conhecê-la, pegar no colo, levar para passear, nanar no colo do tio preferido dela, brincar, fazê-la sorrir e dar gargalhadas, enfim, curtir a princesinha da família. Foi uma sensação incrível. Ela cativa qualquer um. Infelizmente não pude dar umas voltas pela praia porque choveu o tempo todo, mas consegui fazê-la dormir diversas vezes no meu colo. E que guria dorminhoca. Um sossego, só mama e dorme, quase não dá trabalho. E fica observando o mundo à sua volta, tentando conhecê-lo pela boca. 

Agora pretendo utilizar muito a ponte aérea Londrina-São Paulo, com parada em Santos, via busão, para visitar com frequência a guria da família; vê-la crescer, dar os primeiros passos, as primeiras palavras, acompanhar e conviver com a minha sobrinha predileta. Espero ser um tio legal para ela, não um que fique levando presentes dos mais caros, mas um que consiga passar as coisas mais importantes da vida, aquelas que o dinheiro não compra. Mostrar para ela como é afudê escutar os grandes clássicos do rock, se emocionar com um belo filme alternativo, dar risadas na frente da tv com qualquer bobagem, sofrer com o Grêmio a cada jogo...

Em uma semana perdi meu pai; na outra conheci a Luiza. E a vida vai seguindo, por caminhos tortuosos, por vezes por retas e tantas outras vezes com suas diversas barreiras, que nos fazem levantar e seguir adiante. Seja bem vinda Luluzinha, a esse mundo, a essa vida, a essas loucuras. E que Deus te abençoe nessa longa caminhada que está por vir. 

Saudades, do teu tio predileto. 

Renato e Luciana, cuidem bem desse tesouro que Deus reservou para vocês.  

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

ROTINA

Acorda cedo para ir trabalhar,
o relógio de ponto a lhe observar; 
no lar esposa e filhos a lhe esperar, 
sua cabeça dói, um dia vai estourar, com essa rotina!

Tudo nessa vida é um ritual. O dia a dia, por mais que seja rotineiro, não deixa de ser um ritual. Hoje, quando estava me vestindo para voltar ao trabalho após o almoço, esses pensamentos se misturavam a outros na velocidade que a mente processa as coisas: tudo ao mesmo tempo. Um pequeno inseto é capaz de gerar zilhões de pensamentos, desencadeando um tsuname de idéias, um turbilhão de sinapses. Tudo ao mesmo tempo! E sem ligação qualquer entre os devaneios. E em micro segundos, coisa que talvez nem seja possível de medir, ou de ver a "olho nu", sem qualquer aparelho de medição mais exato, passou pela minha cabeça alguns rituais meus do dia a dia. 

Acordo cedo, às cinco horas e quarenta e cinco da manhã o relógio já está despertando; taí o primeiro ritual do dia, o de levantar; é sempre uma pequena luta da cama aconchegante e macia, tendo o corpo quente da Juliana ao lado, sua respiração tranquila de um sono profundo, contra a necessidade de levantar, a obrigação e responsabilidade de começar mais um dia. Em minutos levanto, não mais do que cinco. E lá vou eu, cambaleante, sonolento, olhos semiabertos... direto ao banheiro e o segundo ritual, que é escovar os dentes, enquanto estou mijando, andando pela casa para ver se está tudo em ordem. Olho o quarto do Gui, sempre com a luz acesa. Desligo, fecho as janelas (esse é ritual dele dormir, toda uma preparação, abrir as janelas, acender a luz e deitar, sabe-se lá pensando noquê), o cubro com o cobertor jogado no chão e o lençol enrolado nas pernas; ele dá uma olhada e vira para continuar dormindo; essa olhada denota que não acordou, apenas um reflexo do barulho da porta abrindo e da luz se apagando. Então, apronto minhas roupas (ainda escovando os dentes) e vou tomar banho.

É sempre a mesma coisa: espero a água esquentar um pouco, sentindo a temperatura com os pés, até que sinto a temperatura melhor e entro embaixo, sentindo a água me relaxar, dou uma espreguiçada forte e sinto arder o olho semi fechado pelo sono e por ter recém acordado. Me seco ainda no box e me dirijo à cozinha separar meu café da manhã, que levo para o hospital: iogurte, uma banana, pão integral e mais duas frutas picadas, que a Juliana cortou no dia seguinte e acondicionou em uma dessas vasilhas pequenas de plástico. 

Faço tudo isso enquanto meu corpo vai se secando por completo para começar a me vestir; antes passo no quarto do Victor:

- Acorda filho, levanta para se vestir.

Ele mais sonolento que eu, levanta e veste a calça e uma camisa qualquer que encontra no guarda roupa, apaga a luz e volta a dormir. É cedo, já estou vestido, uma roupa confortável para caminhar os trinta minutos que me separam do trabalho. Mais um ritual desse comecinho do dia: abro a janela da sala e dou uma respirada forte para sentir o ar fresco em meus pulmões. Aproveito para ver como está a temperatura do final de madrugada. Com o horário de verão, ainda está escuro, no horizonte, ao leste, uma pequena claridade amarelada indica que logo o sol estará nascendo para mais um dia. 

Confiro minha mochila com minha armadura para o trabalho, minha roupa de super herói, para defender a minha família dos males que a pós modernidade nos causa e para enfrentar os vilões do meu trabalho (a sobrecarga de trabalho, a insensatez de uma rotina estafante...); confiro se meu crachá está na mochila, caneta, chave do RH. Tudo ok, a coloco nas costas, volto ao quarto do Victor Hugo.

- 'Tô indo filho, não vai perder a hora, daqui a pouco levanta. Tchau.

Pego o livro que estou lendo e sigo meu caminho. E começo a ler ainda na escadaria. Desço a rua até o lago e, livro em punho, olhos cá e lá, noto o movimento, lua ainda no céu, pessoas correndo, caminhando em grupo, conversando alto; ao menos eu acho, porque é como eu escuto as vozes, ao fundo, pois estou com o fone de ouvido escutando alguma coisa legal para me alegrar o dia. 

O percurso tem subidas e descidas nas ruas da planície de Londrina. E o meu caminho é arborizado, com uma natureza exuberante entornada pelo concreto da cidade. Ando na velocidade em que leio. Por vezes percebo a natureza, uma árvore que insiste em viver no meio de todo o asfalto, o lago que fica parado esperando que o vento crie algum caminho a seguir. Alguns cumprimentos de bom dia, geralmente aos idosos, que são mais amistosos e simpáticos; outras vezes tiro os olhos do livro para atravessar uma rua. Poucos são os carros a essa altura da manhã, menos do que pessoas, por incrível que pareça. Em tantos momentos me perco em pensamentos e tenho que retomar o parágrafo que acabei de terminar de ler e não entendi nada.

Chego no RH, me troco e vou ao hospital (o RH fica fora do hospital) para registrar o ponto (rotina, rotina). Depois de abrir quase uma dezena de portas, de salas e entre-salas, ligo o computador, leio as notícias rapidamente (se o Grêmio ganhou na noite passada me prendo mais às notícias esportivas - uol, clicrbs, msn, globo esporte); vejo o que tem na minha caixa de mensagem, planejo e preparo o meu dia de trabalho (grande porcentagem não será seguido) e desço para tomar café, às sete horas e trinta minutos. 

Quando subo, a rotina some. Cada dia é diferente no trabalho e os imprevistos são a rotina. Como disse, grande parte da porcentagem do programado não será realizado. 

Depois de quatro horas de trabalho, o ritual de trocar de roupa, arrumar a mochila, pegar o livro da leitura do momento e fazer o inverso, voltar para casa e almoçar. E a rotina de chegar em casa, por vezes encontrar o Victor no caminho e dar uma pausa na leitura, perguntar como está

- e daí, tudo beleza?

Jogar alguma conversa fora, comentar do Grêmio, como foi a aula, tudo certinho? Discutir alguma teoria filosófica ou sociológica (claro que superficialmente) que ele aprendeu no cursinho ou leu e que se encantou, como está em matemática filho? E física? As provas do vestibular são foda, tem que suar um pouco! E essas conversas. 

- Tudo bem Juliana, o Gui foi para a escola? Tudo bem com ele? E tu, tudo certo?

Todos os dias mais ou menos a mesma coisa. Voltar para o trabalho, à tarde de carro, pois o sol a pino castiga e não dá para chegar suado. O livro descansando no banco de trás, solitário e esquecido. Um sinal que demore mais e leio um parágrafo e de sinaleira em sinaleira, de parágrafo em parágrafo, chego ao trabalho. 

Dezoito horas! O sinal mental toca e lá vou eu, me trocar, para treinar. Dez quilômetros ás segundas, quartas e sextas e cinco às terças e quintas com o grupo de corrida do Sesc do Aeroporto. Depois academia com a Juliana. E depois casa. Ler um pouco, fuçar no twitter, ler algumas notícias, olhar a novela com a Juliana. E dormir. Dormir para descansar um pouco. 

Feche seus olhos para dormir
de um dia tão trabalhoso
amanhã você vai trabalhar, de novo.

Feche seus olhos para dormir
de um dia tão cansativo
amanhã você trabalhar, de novo.

E no despertar do relógio, começar tudo de novo e repetir tudo de novo...

Green light, seven, eleven you stop in  
For a pack of cigarettes 
You don't smoke Don't even want to 
Hey! Now check you change 
Dressed up like a car.

Cinco horas e quarenta e cinco minutos. Hora de levantar. E começar tudo de novo!

Amanhã é sábado. Quebrar a rotina para aguentá-la e recomeçar na segunda feira.    

terça-feira, 29 de outubro de 2013

LUCTUS


Meu pai morreu a noite passada. Descansou. Nos últimos anos sofreu um pouco, com diversas doenças que a velhice lhe resguardou, por uma vida não muito regrada, depois de 6 casamentos e 10 filhos com 3 mulheres desses casamentos. Depois de muitos anos sem contato, alguma mágoa da minha parte pelo sumiço e pela escolha na vida que fez, entrou em contato comigo e passamos a conversar frequentemente. Foi uma experiência legal, mesmo que não nutrisse o sentimento que um filho devesse ter por um pai, era legal ouvir suas histórias e um pouco da minha própria, dos meus primórdios.

Tinha o desejo de que eu fosse visitá-lo na casa dele, em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, na fronteira extrema do país, 1283 km de Londrina, pelo menor trajeto. Não deu tempo. 

Laudelino Flamarion Silveira nasceu em 1942, na cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, capital do Rio Grande. Filho de Laudelino Ávila Silveira um comunista que conviveu com Luis Carlos Prestes e Dona Julieta Cardoso. 

Era um gaúcho ranheta, daqueles machistas e mulherengos, que em muitos momentos da vida andou pilchado e no final da resolveu se recolher para a pequena Livramento, com a última mulher da vida, dona Ilda, que cuidou dele nesses últimos anos de vida sofrida.

Meu gremismo vem dele. Minha mãe é colorada, filha de um ex-jogador do Inter, talvez da década de 1940. Portanto, toda a família da mãe é colorada, inclusive minha avó, que fez do Rogério, meu irmão mais velho por parte de mãe e pai, em sua infância, um coloradinho. Como fomos criados pela mãe, deveríamos ter sido colorados. Mas meu pai, com quem pouco convivi na minha vida, que aparecia de vez em quando lá em casa, na Clemente Pinto, no bairro de Teresópolis, onde nasci, era gremista e nos deixou essa herança, que hoje tem no Victor Hugo, no Gui, no Renatinho, no João Victor e na pequena Luiza a sua continuidade no amor ao Grêmio e às suas três cores imortais. Isso foi o de mais valioso que o Flamarion nos deixou e com orgulho estamos dando continuidade, não só no seu nome, que ele tanto prezava e que carregamos, mas também no orgulho de ser gremista.  

Outra herança sentimental que ele deixa aos 10 filhos, dos quais poucos ele criou, além do gremismo que seguimos (inclusive a Fernanda, única filha), foi o gauchismo. Esse sentimento de amor ao Rio Grande, que no meu caso, mesmo distante tantos anos, sem conviver com a cultura diretamente, apenas por livros, música e leituras diversas, depois com o advento das tecnologias e da internet e das poucas visitas em algumas férias, se manteve. O amor ao tradicionalismo, mesmo sem ter convivido (nem com o pai, nem com o gauchismo) vem dele, vem dos nossos ancestrais. E não tem explicação tamanho orgulho, apenas existe e é incompreensível para quem não tem esse sentimento. Parece soberba, mas não é. Para quem não sente, não tem como entender. 

Tive a sorte de churrasquear com ele em 2012, quando o encontrei depois de quase 30 anos, já debilitado pelos problemas da velhice (embora pudesse ter saúde melhor, não fossem os excessos e a vida que escolheu), mas ainda consciente e bem humorado, apesar de ser um cara conhecido pelo seu péssimo humor e ranzinzice. Foram dois dias agradáveis, que serviram para eu (re)conhecê-lo e que rendeu a foto que ilustra esse post. E foi muito bom para eu me sentir em paz e poder elaborar esse luto.

Flamarion se foi. Nos deixou. Reclamava dos problemas de saúde, da quantidade de remédios que tinha que tomar, da visão já turva e de não ter mais com quem conversar, uma vez que seu irmão, com quem falava diariamente, jogando conversa fora, provavelmente tomando chimarrão, um em cada lado do telefone (meu tio morava em Porto Belo, no litoral da bela Santa Catarina), morreu ano passado, meses antes de eu visitá-lo nas férias. A solidão e a dependência para tudo o deixavam extremamente triste. Agora devem estar batendo aquele papo que não puderam ter nos últimos meses, voltando aos seus corpos saudáveis da juventude e que arrasavam com as gurias de Porto Alegre.

Peço a Deus que guarde um pedacinho do céu para ele. Se não foi dos melhores pais (longe disso) pagou em vida os seus pecados; se teve seus pecados e suas falhas, foi antes de tudo um ser humano, com seus defeitos e suas qualidades. Ninguém pode julgá-lo, apenas Deus misericordioso. E que pode perdoá-lo.

Espero que na próxima vida tenhamos uma convivência mais estreita. E quando eu for dessa vida, tomara encontrá-lo no céu e jogar bola com ele (ele não pode ver pessoalmente minhas habilidades futebolísticas), coisa que ele fez muito na sua juventude, assim como eu, com o manto tricolor, calção e meião do imortal, totalmente uniformizado de Grêmio, como infelizmente eu não tive o prazer de vê-lo pelos gramados das peladas do Rio Grande, mas que vi em fotos. 

Flamarion se foi. Um dia depois do Lou Reed, contemporâneos, quase com a mesma idade. Levará um pouco das canções nativistas para o imortal Lou Reed. E me deixa duplamente enlutado e triste. Lou Reed é a trilha sonora desse post. Boa música, excelentes lembranças. No final é tudo o que fica, as boas lembranças da efervescente e efêmera vida.

Descanse em paz, Flamarion! Que Deus o tenha! E a mulherada no céu que se cuide.   

domingo, 25 de agosto de 2013

FIRST OF THE GANG TO DIE

Depois de uma semana inteira de overdose de Morrissey (e não acabou, pois ainda estou assistindo ao DVD Who Put The M In Manchester, de 2005), finalmente estou de volta ao meu cantinho virtual. Depois de um longo e tenebroso inverno da pequena londres, literalmente falando, porque tivemos um inverno forte esse ano, finalmente, essa vida no trópico de Capricórnio e ao sul da linha do Equador, quente á beça (como diz uma voz no início da canção que dá nome a esse post - Los Angeles, você é quente demais - bem poderia ser Londrina, você é quente demais) cansa demais.

Quando passávamos noites de sábado entediantes no muro da rua São Paulo, esquina com Joaquim Lacerda ou as tardes de domingo zanzando pelas ruas do Gonzaga, em Santos, sempre discutíamos ou jogávamos conversa fora, para amenizar a inquietação dos nossos corações, nos longínquos anos 80. Mas também passávamos noites e madrugadas de sábado para domingo trocando idéias ou fitas cassete gravadas em algum show totalmente underground, lá na Caneleira; a volta sempre era uma viagem, depois de passar em algum boteco para beber um goró e aquecer nossas almas, antes das famigeradas manhãs de domingo

"Nas manhãs de domingo
Parece que todos olham pra você
Atravessando as tuas, sem olhar os faróis
Nas manhãs de domingo, parece que a noite
Valeu à pena..."

Na verdade quase nunca valia à pena. Em se tratando daquele bando formado pelos punks de final de década dos anos 80, da baixada santista, o lado mais podre dos punks, pois tinham os que andavam com as gurias, que tinham carro e que eram mais velhos que nós, os pirralhos menores de idade. Éramos a escória dos punks, os punks da periferia, como cantava o odiado Gilberto Gil. Havia sim uma segregação entre os punks, os mais velhos e com mais 'moral' e os excluídos. Mas de alguma forma, como eram mais velhos, já estavam entrando no sistema e desistindo da luta. Faziam parte dessa galera mais velha o China, o Branquinho, Nair (esse nos entendia, até foi a um show do Cólera conosco em Sampa) dentre outros. Nosso grupo era formado por eu, Zé Renato, Branco, Ronaldo, Fábio HC, Paul Cook, Fernando, Pipa, Barrigiuinha... tinha duas doidas que vez por outra andavam conosco, que não me recordo os nomes. Mas uma era louca pelo Smiths, como eu. 

Talvez o que mais incomodava os caras era que a era deles estava terminando e que nós seríamos os seus sucessores. 

E nessa época, nossa maior nóia era arrumar uma namorada. Quem seria o primeira da gangue a arrumar uma namorada? Quem seria o primeiro da gangue a morrer? Morrer, no sentido figurado, claro. A morte era entrar para o sistema, andar de roupa social, gravata, casar, ter filhos, enfim ter uma vida comum.

"Somos escravos do sistema, 
obedecemos as leis da vida
Nascer, crescer e se fuder, 
somos escravos do sistema"

escrevi em um rompante daqueles dias, para o Mayday.

Pois bem, éramos contra as instituições, família, igreja, casamento, isso tudo. Portanto, casar era o que menos queríamos. Embora eu sempre tenha gostado de criança, sabia que teria um filho logo, mas não pensava que casaria tão cedo. Apesar de andarmos rasgados e sujos, pela periferia da cidade, quando mais nos sentíamos carentes e sozinhos, íamos onde a galera se encontrava, no Gonzaga, área mais In de Santos. E lá as coisas rolavam, A timidez era deixada de lado e lá íamos nós, de fora em fora. E nosso lema era: depois da meia noite, o que viesse era lucro. Em noites ruins, nossas caças davam resultados ruins e depois da meia noite ficar sozinho nunca. Mas na temporada sempre dava para tirar o atraso e ser mais exigente, escolher melhor. Ser nativo era um atrativo. Ser roqueiro era outro. Ser punk não ajudava muito, mas o discurso politicamente correto já nos anos 80 impressionava a mulherada. E quando dava certo, com um pouquinho de sorte, era a temporada inteira com uma namorada de verão. Bonita e descolada. Nas férias todos são descolados. Depois as pessoas voltam a ser o que são e a carruagem volta a ser abóbora.

Paul Cook, apelido dado pela semelhança com o baterista do Sex Pistols, foi estudar história na Usp; eu fui para Assis estudar Psicologia e conhecer a Juliana e ter os meus dois filhos (justamente aquela vida que sempre quis fugir), Zé Renato bateu cabeça, mas foi estudar jornalismo, fazer, mestrado, doutorado. Fernando, que vivia apanhando quando encontrávamos uns caras que achavam que ele era o chefe da gangue, não sei o que virou. Fábio HC tive algumas notícias, que se perderam no tempo. O Branco casou, teve 3 filhos (por enquanto) e continua fanático pelo Santos. O Ronaldo virou Hare Krishna, tem outro nome, casou com uma militar - logo ele, que vivia apanhando da polícia quando tomávamos geral; o barriguinha não sei dele, assim como do Pipa, que bebia e desmaiava na calçada no final da noite, depois de vomitar muito. O que será que pensava quando acordava de dia e se via sozinho? Mas sempre voltava no sábado posterior. Teve um cara que se matou, enforcado, foi encontrado no quarto, em casa, mas não lembro quem foi. Provavelmente depois de ouvir muito Joy Division. Foi o primeiro da gangue a morrer. Mas no sentido figurativo, eu fui o primeiro da gangue a morrer. Casei aos 21 anos e logo tive o primeiro filho. E depois de 20 anos, nossas vidas continuam separadas pelo tempo e destino, que, implacáveis, nos separaram para sempre. 

"Você nunca esteve apaixonado
Até que tenha visto a luz do sol
Refletida nos ossos humanos esmagados"

A morbidez romântica do Morrissey. À morbidez romântica do Morrissey, às saudades daqueles tempos malucos.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

365 - CANÇÃO PARA MARCHAR

Todas essas manifestações me fizeram lembrar dessa canção do 365. Como todas essas canções dessa banda, tem punch, guitarras pesadas, letras fortes e um som incrivelmente melódico. Com vocês, 365. A letra tem tudo a ver com que aconteceu hoje no final do dia em Brasil todo.


Canção Para Marchar

Olhares distantes, cabeça a pensar.
Luzes no céu não pode alcançar.
Jovens nas ruas começam a marchar.
Tiros no escuro há algo no ar.

Há uma nova canção, que está no ar.

A luz que desceu cegou seu olhar.
Agora seu rumo não é fácil de achar.
Saiu de casa quer solução
Seguem os tiros da revolução

Se arrependeu em marchar

CNH E AS MANIFESTAÇÕES PELO BRASIL


Lembro como se hoje fosse do dia que conheci a Juliana. Na verdade o dia em que conversei pela primeira vez com ela. Foi em uma noite de terça feira de abril de 1991, noite de protestos contra o Collor e a corrupção instaurada no seu governo, naquele recomeço de um Brasil recém saído da ditadura. Naquela mesma noite, após trocarmos diversos beijos, fui para São Paulo, em uma passeata que faríamos na capital do estado, para forçar o impeachment do "caçador de marajás", elle próprio um deles. 

Em São Paulo (a Juliana não foi, era uma bonequinha que não se misturava com aquela galera revoltada e nem combinava muito... e também os pais dela jamais deixariam que ela acompanhasse qualquer passeata), para onde eu tinha ido, para variar, com pouco dinheiro, pouco lembro; mas lembro que fomos almoçar no famoso Largo São Francisco, na faculdade de Direito da USP, onde a burguesia estudava. Com tantos manifestantes, de todo o estado, o RU se tornou pequeno e então pegávamos o bandejão e nos acomodávamos nas escadas, no chão, nos cantos. Os olhares de reprovação e superioridade daqueles idiotas filhinhos de papai era revoltante, mas não estávamos ali para isso; nossos objetivos eram maiores. Éramos os famosos "caras pintadas".

Feita tal introdução, o Victor tirou sua CNH por esses dias. Isso também me trouxe lembranças de quando tirei a minha. E, estranho, tudo evoluiu, o mundo mudou tanto nessas décadas, mas em Londrina continuam fazendo as provas naquele buraco da Vila Portuguesa. Sempre me perguntei: quem, em sua sanidade, voltou a dirigir naquele buraco depois dos testes do Detran? Eu mesmo, nunca voltei. O Victor, depois da sua reprova (como eu, não passou na primeira) acredito que também nunca mais voltará. E me questiono: por que não fazer a prova nas ruas da cidade, no meio do trânsito, para ensinar realmente as pessoas a dirigirem e não ensinar alguns truques que jamais serão utilizados novamente? É como nos cursinhos, que ao invés de ensinar conteúdo, se preocupam mais nos macetes para passar no vestibular.

A lisura do processo do Detran parece não existir. Não quero ser polêmico e nem ser injusto, mas o sentimento que tenho é de que as coisas são assim para dificultar e reprovar; poderiam mudar o lugar do teste. É como maquiar o processo de ensinar a dirigir.

Voltando às manifestações e chegando aos dias atuais, estava correndo no Igapó agora à pouco, quando me deparei com os jovens manifestantes em passeata. E o Victor no meio deles. Tive que desviar, pois eram milhares (10 mil pelo Jornal de Londrina); e em segundos passaram todos esses pensamentos que escrevi acima. O Gui também queria ir, mas como tinha aula nesse horário, desistiu da empreitada. Depois passamos de carro pelo grupo enorme de pessoas e gritamos, para tirar onda.

E buscando na internet, li na Zero Hora de Porto Alegre, os manifestantes cantaram não o hino brasileiro e sim o hino riograndense. Em Porto Alegre, ou melhor, no Rio Grande do Sul, as coisas são um pouco diferentes do que no resto do país.  

Participei de muitas manifestações na adolescência, quando era punk. Íamos para São Paulo e participávamos das passeatas. A que mais me marcou, já devo ter contado aqui, foi quando ao nos perdermos do pessoal da BS (baixada santista) na dispersão da passeata no Vale do Anhangabaú, voltamos para a Praça da Bandeira (onde iniciou a passeata) e os carecas nos encontraram e o Ronaldo levou um chute na boca. Era um feriado de 7 de setembro, talvez de 87, 88. 

Bem, tomara que essas manifestações façam o Brasil acordar e o povo passe a cobrar mais dos políticos, que fazem o que querem com nosso dinheiro. Espero que eles comecem a ficar com medo do povo. Vamos ver o que a mídia vai falar e o quanto vai criticar dos manifestantes. 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

FAROESTE CABOCLO - O FILME


"... sentindo o sangue na garganta...
e se lembrou de quando era criança e de tudo que vivera até ali...."

Assim começa o filme Faroeste Caboclo. E transcorre o filme em flashback, ora de momentos da infância de João e que explicava algumas atitudes atuais, ora de momentos próximos ao presente da trama, também com a intenção de explicar detalhadamente algo que a letra da canção deixa na imaginação de cada um.

Lembro do meu irmão Renato questionando, quando escutávamos a canção e refletíamos sobre a letra, ainda crianças, sobre o fato de que todos ao chegarem ao leito de morte, passava pela cabeça um filme da vida da pessoa. 

Assim como a canção, o filme é uma catarse. Todos esperando o drama acontecer, todos sabendo o passo a passo da história, mas em um silêncio agoniado, trazendo à tona os diversos sentimentos que a canção suscita.

Tecnicamente o filme tem alto nível. Fotografia e diálogos bem estruturados, interpretação magnífica de bons atores, destaque para o trio de protagonistas, Fabrício Boliveira (que convence demais como João de Santo Cristo), Ísis Valverde (a Maria Lúcia rica, solitária e em crise existencial) e Felipe Abib (o violento traficante Jeremias), e também as boas interpretações de Antônio Calloni e o uruguaio César Troncoso. 

Dirão os incautos, que parece estar assistindo à Globo no cinema. Li algumas críticas a respeito. Realmente todos são profissionais do 'cast' da emissora citada, mas isso não diminui o talento deles, não é demérito. Pelo contrário, o talento de cada um deles faz com que estejam participando das novelas da Globo, gostemos ou não.

E, ao contrário do que li antes de assistir ao filme, João de Santo Cristo não é retratado como um bandido, não é um filme violento e nem tão pouco há cenas de sexo e do uso de drogas. É um filme tão bonito e sensível quanto a canção que o inspirou. Tampouco é um filme de amor; é sim um filme sobre a árdua luta pela vida, das agruras e angústias que nossa existência nos faz sofrer; dos momentos de intensa felicidade e de profunda tristeza; dos sentimentos, amor, ódio, injustiça e tantos outros que formam esse turbilhão que somos.

O filme não trata diretamente nenhuma questão social ou política da capital em plena ditadura militar do final dos 70 e início dos anos 80. Na verdade apenas retrata jovens que no meio do tédio e do concreto procuram uma fuga para o marasmo e a falta do quê fazer, no caso, o que fica mais evidente são as drogas e o rock. O tédio tem com pano de fundo a canção da "Legião Tédio com Um T (Bem Grande Prá Você)" que toca em uma festa; de crítica social mais contundente somente a canção da Plebe Rude "Até Quando Esperar", que tem uma letra perfeita, um verdadeiro hino.  

O legal do filme é assistir às cenas que sempre imaginamos e só concretizamos em nossos pensamentos e quisemos assistir quando escutamos a música. Nesse quesito, esperava um pouco mais do filme, na verdade que fosse uma cópia da música, o que não é.  

Involuntário e até mesmo natural, é ficar procurando os versos da canção em cada cena que passa na telona. Quase que mecânico.

Prova de que as histórias de Renato Russo são sucesso e que são mais do que nunca atuais, foi a peça publicitária de uma operadora de celular que era um clipe de Eduardo e Mônica, que bombou na internet ano passado ou retrasado, para o dia dos namorados, assistido por milhões em poucos dias.

Faroeste Caboclo o filme deixa aquela mesma sensação de injustiça que a música deixa, e que irrita ao ver João sempre se fudendo e Jeremias se dando bem. Mas a forma como ele trata a traição da Maria Lúcia foi surpreendente, ao menos para eu, que nunca pensei da forma que o diretor René Sampaio. Isso redime um pouco esse ar de injustiça. Sempre pensei que o lance da traição tivesse rolado por uma aproximação natural entre Jeremias e Maria Lúcia, com a ausência do João, mais por pilantragem da guria.

Lembrei de dois amigos meus de infância/ adolescência, hoje pais de família, como eu, fãs incondicionais da Legião, que devem ter ido à pré estréia ansiosos para serem os primeiros a assistirem ao filme: Zé Renato e Ronaldo. E senti como se eles estivessem comigo, mesmo que cada um em uma cidade (o primeiro mora em Santos; o outro mora em São Paulo) e distantes por algumas centenas de quilômetros. Era como se estivéssemos juntos e voltássemos vinte e tantos anos, numa tarde de sábado, em Santos, quando nos reunimos na casa do Zé Renato, que havia comprado o disco naquela semana, para escutarmos pela primeira vez (e nos emocionarmos em silêncio, cada um com seus sonhos e sentimentos) a história de João de Santo Cristo.

No final os letreiros sobem com os primeiros acordes da canção que inspirou o filme. E dezenas de pessoas ficam em seus lugares, até o final dos 9 minutos que a canção tem. Nada mais normal que, depois do filme, todos fiquem sedentos de escutar a canção quilométrica. E pela primeira vez eu vi o público lendo os créditos de um filme.