quinta-feira, 31 de agosto de 2017

MEMÓRIAS DO MARUJO MALUCO: EPISÓDIO: PRENDE O COMANDANTE! SOLTA O COMANDANTE!

Pequeno dicionário da língua marinheira:

- Boy – marujo novo
- Sargenteante – responsável pela escala de serviço
- Estar de pau – estar de serviço
- Estar na onça – estar em apuros, dificuldade, sujeito atrapalhado
- CB-EF - Cabo enfermeiro
- Por ordem – Usado por superior hierárquico para dar ênfase a uma ordem, que tem que ser cumprida sem contestação
- Safo – Esperto, sagaz; que sabe contornar as dificuldades
-Sala de Estado – Recepção de qualquer organização militar; a dos navios fica próxima à prancha
Prancha – Acesso ao navio, espécie de escada
Missão a Garcia – Missão que tem que ser cumprida a qualquer preço; quando o superior hierárquico a passa ao subordinado, já considera cumprida; se tiver que morrer, cumpra a missão e depois morra!
- acochado – apadrinhado, protegido
- cafiado – o mesmo que acochado

- Fazer guerra – provocar, provocação, tirar sarro, fazer gozação

Estava o Marujo Maluco servindo no Com5°DN, na Corveta da mulher da Bahia. O campeonato interno daMarinha de futebol suíço estava em sua fase final e a decisão seria entre a Estação Rádio e o ComGrupSul, o Comando do Grupamento Naval do Sul, que era formado pelo pessoal do Grupamento, a Corveta V-15(Imperial Marinheiro) e a Corveta da mulher da Bahia. Esta última era onde o Marujo Maluco servia, juntamente com o CB-EF Fonti, os dois militares que representavam seu navio na seleção do grupamento. E acreditem, o Marujo Maluco era o artilheiro e grande destaque do torneio. As duas equipes haviam derrotado todos os adversários, inclusive os representantes do Corpo de Fuzileiros Navais, cuja rivalidade pode ser comparada a um Palmeiras x Corínthians, Fla-Flu ou a dupla GRE-NAL, que é considerada a maior rivalidade do mundo! Somente para ilustrar, dizem que no Grêmio não é servido tomate na salada porque é vermelho, vejam só.

Os jogos eram abertos ao público militar e familiares, e as torcidas apaixonadas, formadas também por crianças e adolescentes filhos dos militares. E durante o campeonato o Marujo Maluco havia ganho a simpatia dessas crianças e adolescentes, independente qual fosse a torcida a que pertenciam. Fazer o que, os psicólogos e pedagogos dizem que é bom que as crianças tenham seus ídolos, suas referências... mas logo o Marujo Maluco?

Se tinha uma coisa que ele fazia bem mesmo era jogar esse tal de futebol, que eu particularmente não suporto. E o Marujo Maluco era fora do comum, amado e odiado, pois sua maneira nada correta de comemorar seus gols, correndo em direção a torcida adversária, fazendo mesuras, caretas, falava que logo voltaria porque iria fazer mais, que era fácil demais, era ele que estava ali, etc. ...

A criançada adorava, mas o restante da torcida adversária...

O cara era marrento mesmo, e o pior(ou melhor) era que fazia o que prometia. Tais atitudes em um futuro bem próximo fez render um grande problema no campeonato de futsal da Marinha, mas essa é outra história... e, para dizer a verdade, seu talento no futebol sempre o ajudou ou salvou sua pele. Tanto que, ao concluir seu curso de Aprendiz-Marinheirona Escola de Aprendizes-Marinheiros de Santa & Bela Catarina, em Florianópolis, o Marujo Maluco foi aprovado nas disciplinas de Remo e Instrução à Marinharia sem nunca ter entrado em qualquer embarcação a remo e sem saber utilizar o tradicional apito do marinheiro ou até mesmo aprender o mais simples nó da extensa lista de nós de marinheiro! E quando apresentou-se ao navio Corveta da mulher da Bahia mal sabia pra que lado ficava a proa ou a popa e o que seria um cabo de reboque. Coisas do futebol...

Mas, voltando a grande final do futebol suíço do 5° Distrito Naval, tal evento ocorreria em uma sexta-feira no final da tarde e, claro, gerou grande expectativa o duelo das melhores equipes do Distrito.Na Marinha, quando ocorrem competições, internas ou externas, estas últimas com participação das forças federais e/ou auxiliares, são enviadas mensagens para as organizações militares com listas dos nomes dos “atletas” participantes. Natação e atletismo são os principais, mas o futebol... e na Marinha o futebol é serviço, meus caros.

Mas não para o Tenente Tressok...

Marujo Maluco servia na corveta da mulher da Bahia , como já disse antes, e exercia a função de taifeiro dos oficiais, era responsável pelo bar dos oficiais e também prestando serviço na taifa dos sargentos. Taifeiro é uma espécie de garçom.

E era o taifeiro de serviço naquela sexta-feira...

E o Tenente Tressok era o oficial de serviço naquela sexta-feira...

Tenente Tressok era um sujeito alto, muito magro, e sua tez era muito pálida. Parecia ter saído de uma caricatura no mais recôndito canto da mente de algum humorista. Seu grande sonho era ser comandante da Força de Submarinos. Até que era gente boa, mas quando uma idéia empacava...

O Marujo Maluco estava de serviço, muito tranquilo e ansioso, se é que isso é possível. Sabia que jogaria a grande final, ainda mais quando pela manhã o CB-EF Fonti confirmou a mensagem que convocava os dois para a peleja:

- Isso aí, “seu” cabo! Vamos atropelar a Estação Rádio!

A rendição do serviço de segunda à sexta era feita às 12 horas, e nos finais de semana e feriados, às 8 horas. Ao meio-dia o nosso herói assumiu o serviço na taifa e, daquele jeito, esperava sua liberação.
Duas da tarde e nada. Duas e meia. Três da tarde! E lá foi o Marujo Maluco falar com o Tenente Tressok para pegar a liberação para o jogo, marcado para cinco da tarde.

- Nada disso, Maluco! Você está de serviço! Que futebol o que!

- Tenente, já mandaram a mensagem para a liberação, eu e o cabo Fonti! E o senhor sabe muito bem que na Marinha futebol é serviço!

- Serviço? Futebol é brincadeira, isso sim! Serviço é serviço! Então se estivermos em guerra você vai querer ser liberado para jogar futebol? Ah ah ah! Essa é boa!

- Tenente Tressok, não sei quando será que entraremos em guerra, porque com essas nossas banheiras velhas da nossa esquadra, só se matarmos o inimigo de tanto rir!

- Boy, você é muito folgado! Agora é que não vai jogar mesmo!

- Com licença, Tenente! – batendo continência, o Marujo Maluco deu meia-volta e retirou-se do camarote, furioso.

E foi falar com o Tenente Centurione, que era o seu oficial Encarregado do setor.

Tenente Centurione era o mais novo dos oficiais do navio, tanto na idade quanto no posto. Tinha uns dois metros de altura e um pouco menos disso de medida abdominal. Boa praça, gostava de uma gelada e lembrava muito o Tim Maia, o cantor. Centurione ouviu atentamente a argumentação do Marujo Maluco, e foi falar com o Tenente Tressok. Logo voltou com a resposta:

- Maluco, falei com o Tressok e não teve jeito, ele não vai te liberar.

Maluco agradeceu ao Tenente Centurione e saiu do camarote. Resolveu ligar para o Sargento Piccinini, que era o técnico do time do Grupamento Naval do Sul. Ao terminar a ligação, Piccinini imediatamente pegou o jipe no grupamento e foi para a corveta da mulher da Bahia. Assim que chegou ao navio, lá estava o Marujo Maluco na prancha, aguardando. Os dois foram juntos ao camarote do Tenente Centurione.

- Tenente, o Maluco é o artilheiro, sem ele a gente não ganha.

- Que isso, ele é o Zico então?

- Tenente, para o Grupamento Naval do Sul ele É o nosso Zico!

E o Maluco, desanimado, saiu do camarote sem querer ouvir o resto da conversa. Foi para o seu posto de trabalho.

Após cinco minutos, Sargento Piccinini passou pela taifa:

-Maluco, não tem jeito, eles não vão liberar ninguém, nem você e menos ainda o Fonti, que também está de serviço. Não sei como vamos fazer. Tentei de tudo. Tenho que voltar para o grupamento.

Passaram-se dez minutos e o Tenente Centurione chamou o Maluco em seu camarote:

- Boy, vou te mostrar que sou um cara bacana. O negócio é o seguinte: aqui está o dinheiro para abastecer o bar dos oficiais, esse outro é para comprar 4 maços do cigarro do comandante, que você sabe bem qual é, essa documentação você só entrega no banco, e a correspondência deixe nos correios. Se cumprir a missão eu falo com o Tressok pra te liberar. Só depende de você.

Dez minutos faltando para as quatro horas! Que filho da mãe sacana! Nosso herói teria que ser muito safo para tudo isso. Safo não, milagroso! Ia a pé! O banco era perto, e para abastecer o bar bastava um telefonema. Mas o cigarro do comandante, que nem todos os bares da pequena cidade vendiam, era mentolado e sabe lá mais o que, ficava do lado oposto aos correios! Mas nosso bravo Marujo Maluco não hesitou e partiu para a “Missão a Garcia”.

E o milagre aconteceu. Com “asas” nos pés, Maluco cumpriu todas as incumbências com eficiência e cravou a bordo precisamente cinco horas da tarde. Após subir a prancha, foi falar com seu colega marinheiro Ednaldo para trocar de serviço com ele, que era o único disponível no setor, já que Solifax não iria desperdiçar o final de semana livre porque já estava com a Sbórnia marcada e Vicentini ia a um concerto musical sabe-se lá onde.

Mesmo com o Marujo Maluco oferecendo trocar aquele dia de serviço por dois finais de semana, Ednaldo não aceitou. E o Tenente Centurione sorriu de forma irônica quando soube que o Boy cumpriu a missão. E foi falar com o Tenente Tressok. Rapidamente voltou com a resposta:

- É, Maluco, não tem jeito. Tressok não vai te liberar. Deixa pra lá, você joga no próximo campeonato. Afinal, futebol não é tão importante assim.

Mas acontece, meus caros, que para o Comandante Baumgartem o futebol era serviço sim...

Comandante do Grupamento Naval do Sul, o Capitão de Mar-e-Guerra Baumgartem(apelido entre os marujos), cujos comandantes das corvetas eram subordinados a ele, e sua equipe estava na final do campeonato, era apaixonado por futebol. Para vocês terem uma idéia da personalidade de Baumgartem, uma vez os seus navios estavam atracados em Itajaí-SC e, ao tocar o sinal para a bandeira(sinal tocado cinco minutos antes de ser iniciado o cerimonial à bandeira, realizados todos os dias às oito da manhã e ao pôr do sol) e perceber que o horário não estava de acordo com seu relógio de pulso, mandou que seu oficial ligasse imediatamente para a Capitania dos Portos  para que os relógios fossem acertados de acordo com o seu. E que seus navios fizessem o mesmo. Afinal, ele era o oficial mais antigo da área, porque “isso é Marinha, por ordem!”

E também corria o boato na “rádio marujo” que haveria uma aposta entre os oficiais de alto escalão em que se falava em caixas e mais caixas de cerveja..

E o Marujo Maluco já estava em seu posto de trabalho, conformado com a situação, quando, por volta de cinco e meia da tarde, toca o telefone no camarote do comandante, que ficava em frente à taifa dos oficiais. E, imediatamente, um alarme soou na cabeça do nosso marujo! Sorrateiramente, foi até a porta do camarote, mas ouvia somente as respostas de seu comandante:

- Sim, senhor! Não, senhor! Agora mesmo, senhor!

Nosso herói correu para a taifa e, ao sentar-se, ouviu a campanhia do comandante tocando. Atendeu prontamente ao chamado:

- Pronto, comandante!

- Chame o oficial de serviço, por favor!

- Sim, comandante!

Como que adivinhando do que se tratava, praticamente voou do camarote do comandante ao camarote do Tenente Tressok e passou a mensagem:

- Tenente, o comandante quer falar com o senhor! É urgente!

E voltou para a taifa.

Tenente Tressok entrou no camarote do comandante e em dois minutos saiu mais pálido do que já era, coisa que não parecia ser possível. Estava lívido. Parou em frente a taifa e disse:

- Boy, vai jogar!

Marujo Maluco, que era muito gaiato, fez que não era com ele:

- O que?

- Vai jogar! Vai jogar! – repetiu Tressok

- Mas Tenente, estou de serviço!

- Não está mais! – e Tressok virou-se para Ednaldo, o marinheiro que não quis trocar de serviço com o Maluco:

- Ednaldo, você está de serviço a partir de agora! E você, Boy, vai jogar!

E mais uma vez,o gaiato do Maluco saboreou as palavras:

- Não tem nem uma viatura pra me levar? Vou demorar uns quinze minutos até chegar ao campo!

- Vai jogar, Boy! Some daqui!

E lá foi o Marujo Maluco jogar. Pensou em sacanear o Tenente sacana, mas o futebol era sua paixão. Mesmo assim, ao sair do navio mandaram por ele uma mensagem a ser entregue na Estação Rádio. Mas tudo bem, da janela da Estação Rádio dava pra ver o jogo. Ao chegar, foi logo reconhecido pelo pessoal da Estação, que começou a brincadeira pra cima do Maluco:

- Maluco, daqui  você não sai! Hoje não vai ter presepada nem gol do Malucão! Se não pedir transferência pra cá, não joga!  Pode sentar aí e tomar um cafezinho, tem bolinho e tudo! Em seguida, ao olhar pela janela, assistem juntos ao primeiro gol da Estação Rádio: 1 x 0!

Sabendo que se tratava da mais pura “guerra”,Maluco correu para os vestiários para trocar de uniforme e seguir para o campo. E foi do vestiário que, calçando as chuteiras, ouviu a vibração da torcida. Quando chegou ao gramado o primeiro tempo havia terminado e soube que o gol que ouviu dos vestiários foi marcado pela Estação Rádio: 2 x 0!

Com o jogo em seu intervalo, nosso herói ficou sozinho no meio do campo, fazendo aquecimento. Os outros jogadores foram voltando aos poucos. Quando todos haviam retornado ao campo e estavam posicionados para iniciar o segundo tempo, o temido CMG(Capitão de Mar-e-Guerra)Baumgartem chegou a lateral do gramado, bem ao centro do campo, com seu ajudante de ordens(oficial que exerce função semelhante a um secretário, prestando serviço a um oficial de alta patente), acho que era assim que se dizia, um capitão-tenente.

Nosso temido CMG Baumgartem parecia ter saído daqueles filmes antigos da segunda guerra mundial, em que os norte-americanos vendiam a idéia de que os aliados eram santos e os nazistas eram malvados sem alma. E o Baumgartem estava do lado dos malvados, com seu uniforme impecável onde o jaleco estava coberto por condecorações, e os sapatos brilhavam tanto que dava pra usar como espelho para pentear o cabelo. Logo seu ajudante chamou o técnico do seu time, sargento Piccinini. Tudo ao redor parecia imóvel. Parecia que até as crianças haviam congelado...cinema mudo... e o sargento e técnico logo correu ao meio do campo e disse:

- Maluco, o comandante Baumgartem quer falar com você!

E em ritmo acelerado, foram juntos, o sargento-técnico e o marujo-jogador. Mal prestaram posição de sentido ao CMG Baumgartem, e o Maluco foi logo interpelado. Pareciam aquelas cenas de combate que vemos nos filmes, em que o diálogo é feito aos berros:
- Boy, por que você não veio jogar?

- Estava de serviço, senhor comandante, e não fui liberado para a partida!

A cor de Baumgartem migrava do rosa para o vermelho, as cores alternando-se em seu rosto... virando-se para seu ajudante, bradou:

- Mandaram a mensagem para o navio?

- Sim, senhor! Mandamos a mensagem nove horas da manhã, senhor!

- E por que não te liberaram, boy?

Cada vez que o Baumgarten falava com o Marujo Maluco parecia que o cabelo do Boy pegava vento e balançava.

- O Tenente Tressok, oficial de serviço, não me liberou, senhor comandante! – e a marujada queria saber em que igreja seria a missa de sétimo dia do Tressok...

- O que??? Quem esse Tressok pensa que é? – e a marujada que queria saber em que igreja seria a missa de sétimo dia, pensou melhor e resolveu rezar em casa mesmo, porque o que importava era a intenção...

- Outra coisa: não eram dois os militares convocados para o jogo? Cadê o outro? Perguntou aos atropelos o encolerizado comandante nazista. Ops, o comandante Baumgartem(estou vendo muito filme de guerra).

O sargento Piccinini abriu os braços, mas foi o marujo maluco quem respondeu:

- Somente eu fui liberado pelo Tenente Tressok, senhor comandante! – pronto! A marujada que primeiro queria saber em que igreja seria a missa de sétimo dia do Tressok e depois resolveu rezar de casa porque o que importava era a intenção, decidiu que iria deixar essas coisas para Deus, que sabia o que seria melhor a ser feito em uma situação dessas...

- Mas como??? – seguindo com sons ininteligíveis, quase guturais, Baumgartem finalmente conseguiu se fazer entender:

- Vai jogar, Boy! Vai jogar! – e virando-se para seu ajudante, mais uma vez foi ouvida a trovoada: - Se perdermos este jogo, vão rolar cabeças no navio!

Nem preciso dizer que o árbitro, que não era louco e era militar de carreira, esperou com paciência de monge o desenrolar a beira do gramado. O segundo tempo agora podia ser iniciado. Novamente o árbitro era a autoridade máxima do jogo. E dava pra ouvir os mosquitos chegando, de tão silencioso que estava. O apito soou baixinho, baixinho. Mas, assim que a partida reiniciou, a torcida acordou de seu transe e tudo voltou ao normal. E o Marujo Maluco, que ficou impressionado com a figura do Baumgartem...

Bem, o Marujo Maluco fez uma de suas melhores partidas de sua vida militar. Driblou, chutou bola na trave, no travessão, e, para quem entende de futebol, abriu uma loja de bicicletas em pleno jogo! Só não fez chover. Era mesmo fora-de-série quando o assunto era futebol. Não tinha como negar.  E fez um gol. Um golaço! Recebeu a bola no meio campo de sua defesa e foi driblando os adversários até chegar ao gol. Goleiro também. E se o Tressok e o comandante do navio lá estivessem, também seriam driblados. E podia chamar o Tenente Centurione e o marinheiro Ednaldo lá na taifa que o Maluco driblava para marcar o gol.

Mas foi somente um gol. E para o Comando do Grupamento Naval do Sul o pior aconteceu. E terminou o jogo com a vitória da grande equipe da Estação Rádio por 2 x 1.

E teve gente dizendo que o comandante Baumgartem estava com o rosto escarlate quando foi embora.
E teve gente que disse que as crianças entraram em campo para pedir autógrafo para o marujo maluco. Não para tirar foto, porque naquele tempo não havia esse negócio de selfie. E o Marujo Maluco, que era mesmo maluco, era o ídolo da criançada. Porque fazia o que dava na telha. Ou porque era mais criança que as crianças. Tinha gente que dizia isso...

E retornando aos vestiários já vazios, rindo disso tudo, o Marujo Maluco estava a trocar o uniforme, quando chegou o sargento Piccinini, já de banho tomado e com a farda militar, assustado:

- Boy, você prendeu o oficial de serviço e o comandante do navio! O Baumgartem mandou cadeia pra eles por telefone!

E o Marujo Maluco, que era nosso herói e ao mesmo tempo anti-herói, ou seja, era humano, com qualidades e defeitos como qualquer um, ficou feliz com a má sorte dos oficiais. Mas logo caiu em si e falou para o sargento:

- Sargento, o oficial de serviço e o comandante do navio estão presos porque não cumpriram uma ordem do Baumgartem, mas e quando eu voltar para o navio? Como é que eu vou ficar? Esses caras vão me encher de cadeia se eu olhar para o lado! Não vão largar do meu pé! Vou virar alvo!

E o sargento foi obrigado a concordar com o Maluco:

- É verdade, Boy! Vou lá falar com o homem! Lá foi o sargento Piccinini falar com o homem. Voltou em vinte minutos:

- Boy, o Baumgartem voltou atrás e ligou na minha frente para o navio. Tirou a cadeia, deu uma mijada por telefone no comandante e mandou repassar para o Tressok. A mijada foi tão grande que quando você chegar lá vai encontrar o navio afundado, Boy! Ah! E o homem quer falar contigo!

Brrrrr! Lá foi o Marujo Maluco falar com o homem, o temido Baumgartem. Dessa vez iria entrar na sala do Hitler. Ops, na sala do Baumgartem, Baumgartem. Olha aí os filmes da segunda guerra novamente!

Sargento Piccinini entrou na sala do homem primeiro, e o Maluco ficou esperando na ante-sala. Logo em seguida retornou e ambos entraram na sala principal do Grupamento. Nosso herói cumpriu o protocolo militar: posição de sentido, batendo firme o pé direito no chão e batendo continência. Bamgartem limpava uma pistola que não falava português, totalmente desmontada em sua enorme mesa. Estava sorrindo. Mas, quando se dirigiu ao Marujo Maluco, estava sério, com aspecto sombrio:

- Boy, qual é o seu nome?

- Meu nome é Maluco, senhor comandante! Opa, é _______, senhor comandante!

Ignorando o  deslize do Marujo atrapalhado e o sargento quase entrando em colapso ao fundo, Baumgartem continuou, desta vez em tom baixo, dentro do que poderia ser considerado baixo para aquele homem:

- Bem, _______, o negócio é o seguinte: Você vai retornar ao navio na segunda-feira e ninguém vai mexer com você. Vai servir normalmente e ninguém vai fazer nada contra você. Caso sentir-se prejudicado ou perseguido, ligue direto para mim! Entendeu?

- Sim, senhor comandante! – respondeu o Maluco, que mal respirava.

- Piccinini, mantenha-me informado!

- Sim, senhor comandante! – respondeu ao fundo o sargento.

- Dispensado!

- Sim, senhor comandante! – protocolo militar, posição de sentido, pé direito firme no chão, continência, blá, blá, blá...

E nosso herói, que também é anti-herói, cínico, fez questão de passar pelo navio antes de ir para casa.

E parecia que o Tenente Tressok conhecia muito bem o Marujo Maluco, pois estava na prancha quando este chegou a bordo. Quando o Maluco colocou o pé na prancha para subir a bordo, Tressok gritou:

- O que você quer a bordo, Boy? Não está de serviço!

- Vou pegar minha bolsa, Tenente!  - respondeu o Boy, cinicamente.

- Jogou? Jogou?

- Joguei. Perdemos de 2 x 1!

- Eu sei! Mas você jogou?

- Joguei. Perdemos de 2 x 1!

- Já falei que já sei! Mas você jogou, não jogou?

- Joguei. Perdemos de 2 x 1!

Desceu para o alojamento, pegou sua bolsa que não precisava, subiu para a Sala de Estado para cruzar a prancha e ir para casa e, ao avistar o Tenente Tressok, que se afastava, gritou:

- Tenente!

Tressok virou-se rapidamente e teve que engolir essa:

- Joguei sim. Perdemos de 2 x 1! E o submarino afundou! – referindo-se ao sonho do Tenente Tressok, que era comandar a força de submarinos da Marinha.

Tressok virou-se e entrou na coberta para onde se dirigia, sem responder.

E o sargento que estava de serviço na Sala de Estado ficou sem entender o que se passava. E o comandante do navio já havia saído quando o Marujo Maluco chegou. E o Tenente Centurione, que assistia a tudo impassível, achando graça de tudo, gritou para o Marujo Maluco, que já ganhava o cais em direção aos portões de saída do porto:

- Tchau, Boy cafiado!

E o boy cafiado, o Marujo Maluco, foi embora, rindo disso tudo, sem enxergar as pessoas que passavam por ele e pensavam: esse cara deve ser maluco, rindo sozinho pelo caminho e vez ou outra falando algo assim como:

- Perdemos de 2 x 1!

E já vão trinta anos que essa aventura do Marujo Maluco aconteceu. E a mulher do Marujo Maluco, que não é mais marujo mas continua maluco, acorda no meio da noite e encontra seu marido rindo sozinho, escrevendo em seu caderno o que ele diz serem suas memórias, e volta a dormir, pensando: Esse meu marido só pode ser maluco! E, antes de voltar a dormir, ainda ouve o marido maluco rindo sozinho e falando:

- Perdemos de 2 x 1!

Rogério Silveira

O RETORNO

Dois anos se passaram... muita coisa mudou. Amadureci em alguns sentidos e em outros continuo a ser o mesmo membro d'Os Três Patetas, com meus irmãos Renato e Rogério, o mais novo e o mais velho da trupe da dona Sirlei. Pensei que não voltaria a escrever aqui, ou melhor, sabia que em algum dia eu voltaria a escrever aqui. O dia que me sentisse à vontade para escrever algumas palavras e que me fizessem bem não só escrevê-las como lê-las. E esse dia chegou! Poderiam ser mais alguns dias, meses, anos, mas quis o destino que fosse perto de fechar o ciclo completo de 2 anos, afinal de contas, o último post é datado de 30 de setembro de 2015. E de lá para cá, muita coisa mudou. Até por um golpe parlamentar o país passou... e o pior, tem gente querendo de volta a ditadura militar. Acreditam? Acreditem! E hoje, as pessoas não têm mais vergonha de dizer que são de direita, mesmo que sejam das classes mais baixas. Acham bonito votar em candidatos que querem vender os parcos bens que sobram ao Brasil. Bem, mas isso é papo para outra hora, talvez outro espaço, embora aqui eu tenha a liberdade criativa para escrever sobre o que bem entender, seja sobre a arte de cagar e fazer selfie ou alguma assunto mais metafórico que este.


O que me trouxe de volta ao blog, além da vontade de escrever novamente, o que me restringiu apenas a compor algumas canções para a nossa velha e querida Mayday e só, foi o fato de um d'Os Três Patetas ter escrito mais um capítulo da sua saga nos tempos de militar da Marinha do Brasil. E tem contos muito interessantes e divertidos. E a maneira dele escrever é muito, muito divertida! Vale a pena a leitura dessas lembranças de 20 e poucos anos atrás. E a partir de hoje, pretendo voltar com alguma frequência, seja para publicar e registrar essas histórias, seja para contar algo sobre qualquer coisa que estiver afim de escrever, seja para dar um alô ou mesmo para desabafar um sentimento oriundo da audição de uma bela canção, neste fim de inverno, começo de primavera abaixo da linha do Equador.

Por enquanto é isso. Estou de volta! 

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

QUARENTENÁRIO - AS CANÇÕES DA MINHA VIDA - LOS HERMANOS - DE ONDE VEM A CALMA

Los Hermanos é aquela banda que surgiu no final dos '90, cantando Anna Júlia, aquela canção que até o ex-Beatle George gravou antes de subir para o novo plano. Por mais que a crítica torça o rabo para essa canção, o fato de um ex-Beatle ter gravado, é um fato que reverencia a qualquer um. Aliás, não é qualquer um que pode se gabar de que um Beatle gravou uma canção sua.

Pois bem, a brincadeira surgiu a partir de um cara chamado Jim Capaldi, que é casado com uma brasileira e que consta ter uma apê no Brasil. E esse cara não só fez a versão em inglês de Anna Júlia, como também chamou uma constelação para gravar a canção: além do ex-Beatle citado, nada mais nada menos do que gente do calibre do baterista Ian Paice (Deep Purple) e Paul Weller (The Jam). Isso tudo em 2001, pouco tempo depois da canção ser gravada no primeiro disco da Los Hermanos e estourar no Brasil inteiro e como sempre, virar febre abaixo da linha do equador.

Interessante fazer um parênteses aqui. Bons (excelentes) tempos em que canções inteligentes de bandas com algo a ser dito, por mais infame que seja o refrão e cole no cérebro, estouravam a ponto de fazer tanto sucesso no Brasil. Porque hoje, meus caros, só rola lixo e merda. Como se nossos ouvidos fosse uma privada e um monte de gente os utilizasse, porque o que faz sucesso estrondoso no país hoje, são coisas que não dá para ser chamado de música. Infelizmente o brasileiro emburreceu de vez. E, talvez não por coincidência, temos que ouvir uma oposição política corrupta ao extremo, posar de bons moços... mas isso, bem, isso é um outro assunto que não vale a pena gastar saliva e nem pena aqui.

O importante é que a banda mais inteligente surgida no final do século passado no Brasil rodou esse país com suas canções até cansar e pendurar as chuteiras, mesmo que seja momentaneamente. De tempos em tempos se reúnem para matar a saudade dos milhares de fãs órfãos da boa música. E esse ano estão de volta para uma turnê pelo país. Parece que as coisas têm salvação. Sempre há uma pontinha de esperança.

Mas o que importa é a canção. Dizem que quem canta, os males espanta. Velho dito popular! Mas confesso que a música é o segredo da minha felicidade. Respiro música e nos piores momentos as canções me animam. E a canção que ilustro minha alegria dessa manhã chuvosa de quarta feira na pequena londres, nossa querida Londrina, é a abaixo.

Curtam e se não conhecem Los Hermanos, é um bom começo. Pesquise e tenho certeza que não se arrependerão.

Um pós-script: uma banda que conta com Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante estará sempre fadada ao sucesso.



DE ONDE VEM A CALMA

De onde vem a calma daquele cara?
Ele não sabe ser melhor, viu?
Como não entende de ser valente?
Ele não sabe ser mais viril
Ele não sabe não, viu?
Às vezes dá como um frio
É o mundo que anda hostil
O mundo todo é hostil

De onde vem o jeito tão sem defeito?
Que esse rapaz consegue fingir
Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão

Eu não vou mudar, não
Eu vou ficar são
Mesmo se for só
Não vou ceder
Deus vai dar aval sim
O mal vai ter fim
E no final, assim, calado
Eu sei que vou ser coroado
Rei de mim

domingo, 16 de agosto de 2015

QUARENTENÁRIO: AS CANÇÕES DA MINHA VIDA - MORRISSEY - FIRST OF THE GANG TO DIE


Quebrar meu período sabático no blog não foi fácil. Muitas coisas passam pela minha cabeça e queria voltar com novidades sobre a Mayday, que pipocam pelo whatsapp, depois que o Zé Renato demonstrou o desejo de voltarmos a tocar e compormos juntos. Com as facilidades de hoje, é certo que a distância de Santos (por vezes Vitória, onde faz Pós Doc) e Londrina, não será impedimento. Ainda mais com as promoções de vôo, tudo se torna como ir à esquina. Estamos amealhando meu irmão Fábio para a bateria e cogitando meus filhos Gui e Victor para compor a banda. E um CD não é um sonho distante. Estamos escrevendo canções e tentando ser mais maduros do que na adolescência. Embora que maturidade não é nosso forte.

Mas o que me fez tirar dessa letargia de meses sem escrever no blog foi o grande e maravilhoso Moz e suas canções definitivas. Desta feita, a canção escolhida é First Of The Gang To Die. Todas as canções de Moz parecem ser definitivas, pela qualidade de seus versos e da sua criatividade, mesmo não compondo mais com seu parceiro de Smiths, Johnny Marr.

Outro motivo de voltar a escrever no blog foi o pedido de um guri, que estuda com o Gui, o Caio. Então, Caio, esse é para ti, especialmente.

Morrissey gravou essa canção no disco You Are The Querry, de 2004. Mas ainda nos anos 80 do século passado eu já pensava em qual de nós seria o primeiro a ‘morrer’. E na verdade o morrer seria figurativo; seria na verdade o primeiro a casar. E jamais poderia pensar que eu seria o cara: First Of The Gang To Die. Fui eu, que saí do convívio dos meus amigos de maneira abrupta com o sonho de liberdade, sem o controle do pais, fora do ninho, de casa e buscar algo diferente na vida, ao invés de continuar vivendo na praiana Santos City dos anos 90, aquela vidinha cômoda mas sem muita emoção, como se desenhava a vida naquele início de década. Mas qual seria a minha grande surpresa, que ao ficar longe de tudo e de todos, da minha namoradinha de adolescência, da minha família e de meus amigos de infância/ adolescência, apresentaria um vazio tão grande traduzido na melancolia da carência oriunda na ausência e distância das pessoas próximas e queridas.

Sempre achei que era imune a essa baboseira. Ledo engano, claro! Queria correr o mundo. E aquele era o primeiro passo. E quando aportei em Assis para estudar, não sabia que sentiria tanta falta dessas pessoas. E foi o que ocorreu. Embora acolhido pela galera que lá encontrei, todos na mesma situação que eu, me apaixonei por uma certa guria e acabei me casando poucos anos depois, antes mesmo de concluir o curso de Psicologia na Unesp. E em seguida veio o Victor ao mundo, meu primeiro filho.

E lá estava eu, sem a liberdade a qual fui ao encontro quando saí de Santos naquele distante fevereiro de 1991. Dei início a minha peregrinação no mundo, quando segui meus instintos nômades, escrito em meu DNA por meus ancestrais que viveram séculos passados, antes de chegarem ao Rio Grande, no Oriente Médio, em tribos nômades.

Esse instinto fez meu pai e meu tio correrem o mundo, para enfim deixarem esse plano perto de onde nasceram (não tão perto assim: meu tio em Porto Belo, no lindo litoral catarinense e meu pai em Livramento, na divisa com o Uruguai e perto de onde o pai deles e o avô tinham terras chamadas Rincão dos Silveiras; o primeiro nasceu em Canoas, região da Grande Porto Alegre; o segundo nasceu em Bagé, se não me engano. Ou seja, cada um nasceu em uma cidade, provando que o sangue dos ancestrais das tribos nômades do Oriente Médio gritava em suas veias.

O sangue desbravador desses ancestrais corre nas veias desses Silveiras. Basta saber que dos 10 filhos do Laudelino filho (meu avô chamava Laudelino também), meu pai, raros são os que moram na mesma cidade. Eu e o Fábio estamos em Londrina e a Fernanda e o César (o primogênito do Laudelino filho) moram na mesma São José, região metropolitana da belíssima Ilha de Florianópolis. O restante, todos espalhados pelo sul e pelo estado de São Paulo. Milhares de quilômetros separando os irmãos de três mães diferentes.

Essa característica dos filhos do Laudelino filho, assim como dele mesmo, filho do velho Laudelino, por conseguinte meu avô, de morarem longe uns dos outros, dificultou fazer o que o Orkut e as redes sociais permitiram: reunir todos os filhos, aproximar toda a galera,  netos e esposas do Laudelino filho, ao menos as três que tiveram filhos dele, porque ao todo foram seis em vida. A idéia era fazer essa reunião antes que o pai fosse embora dessa para melhor. Mas não deu tempo. E ficou somente no desejo de alguns filhos. Isso porque tem dois no estado de São Paulo, um em Santos e outro em Diadema, dois no Rio Grande do Sul (o mais novo em uma cidade perto de Livramento, o único dos dez filhos do Laudelino filho que pôde velá-lo e enterrá-lo e outro que mora na serra, em Bento Gonçalves) os dois que moram no Paraná, os dois de São José em SC e mais um que mora em Navegantes e outro em uma cidadezinha próxima a Criciúma, a qual não me recordo o nome nesse momento.

Como pode ser constatado, Laudelino filho espalhou filhos pelo mundo. E todos com o mesmo sangue nômade. Minha família demonstra essa aparente falta de raiz que temos: nasci em Porto Alegre, Victor em Santos e o Gui em Londrina. Somos cada um de um canto dessa pequena porção de Brasil que é o sul e suldeste. Fora a Juli, que se tornou uma Silveira e que nasceu em Assis. Sendo assim, nenhum de nós somos da mesma cidade, nem mesmo do mesmo estado.

Sobre a canção, First of the Gang To Die, que faz parte do disco lançado em 2014, depois de 7 anos sem gravar, faz parte de um movimento que toma conta de mim, que é de voltar a escutar Morrissey depois de alguns meses. Todos os anos tenho uma fase Smiths ou Morrissey. A fase de escutar este foi exacerbada pelo fato d’eu estar me esbaldando na encomenda da Siciliano que fiz recentemente após procurar uma biografia do nosso herói Moz e não ter encontrado em português (o que os editores estão esperando?); mas encontrei esses três livros que citam Moz: Quem Vai Ficar Com Morrissey?, que conta o romance (final de um) cuja personagem Fernando é fissurado nas canções de Moz e recheia as páginas e seus pensamentos com frases e canções da banda que lançou Morrissey ao mundo (ou seria o contrário?); Mozipedia é uma espécie de biografia escrita em forma de dicionário. Sensacional! E finalmente Caro Morrissey, o qual ainda não tive contato com suas páginas, mas que pelo que li na sinopse antes de adquiri-lo, fala sobre um guri que em crise existencial, escreve cartas sempre começando com “caro Morrissey”. Cartas, diário, algo assim, pelo que lembro.

Por fim, saboreemos essa excelente canção pop de Morrissey, que continua compondo e gravando, fazendo shows pelo mundo, com a mesma acidez e critica dos tempos de Smiths. Boa audição, muchachos!


E agora estou definitivamente de volta ao blog. Em breve algumas surpresas da Mayday. Para ti, Caio. Valeu!



O Primeiro da Gangue a Morrer

(Los Angeles, você é quente demais)

Você nunca esteve apaixonado
Até que tenha visto as estrelas
Refletidas nos reservatórios

E você nunca esteve apaixonado
Até que tenha visto o amanhecer
Por trás do asilo de cegos

Nós somos os belos ladrõezinhos baratos
E você está nas nossas ruas
Onde Hector foi
o primeiro da gangue a ter uma arma na mão
E o primeiro a cumprir pena
E o primeiro da gangue a morrer
Oh, Deus
Hector foi o primeiro da gangue
A ter uma arma na mão
E o primeiro a cumprir pena
E o primeiro da gangue a morrer
Oh Deus

Você nunca esteve apaixonado
Até que tenha visto a luz do sol
Refletida nos ossos humanos esmagados

Nós somos os belos ladrõezinhos baratos
E você está nas nossas ruas
Onde Hector foi o
primeiro da gangue a ter uma arma na mão
E o primeiro a cumprir pena
E o primeiro da gangue a morrer
Que garoto bobo
Hector foi o primeiro da gangue
A ter uma arma na mão
E uma bala na garganta
E o primeiro rapaz perdido a ir
Para baixo da terra

E ele roubava dos ricos e dos pobres
E dos não muito ricos e dos muito pobres
E ele roubou nossos corações
Ele roubou nossos corações
Ele roubou nossos corações
Ele roubou nossos corações...

segunda-feira, 20 de abril de 2015

EPOPÉIA DO PEDAL

Esse ano a galera do futebol resolveu inovar com uma idéia genial: criaram um grupo do pedal. Não é exatamente toda a galera do futebol, mas uma pequena parte. A mesma galera do Quinteto do Penta, que foi para Maringá ano passado na final do Paranaense e que festejou o tetra do Tubarão nas terras da cidade canção, na famosa invasão alvi-celeste daquele domingo ensolarado e alegre.

Quinteto do Penta e a invasão azul a Maringá:
Jé, Thaigo, Eu, Ju e Xandy
A idéia da bike foi sensacional. Eu já estava a utilizando para ir ao trabalho, como uma forma de me exercitar nos dias que não ia correr. Começou assim minha historia de biker. Há anos quero comprar uma bike, mas sempre ia adiando e andando com a que esta em casa há tempos e que por muito tempo ficou parada. Pois bem, comprei finalmente. Não ‘aquela bike’, mas uma simplesinha, com minha mania de economia. Aproveitei e comprei capacete e luvas, o que não pode faltar para um autêntico biker. A diferença entre um andador de bicicleta e um biker: o capacete.

Minha mania de economia é confundida com pão-durismo. Intriga da oposição; exagero dos meus detratores. Primeiro que para ser pão duro o caboclo tem que ter grana, o que definitivamente não é meu caso. Segundo porque... sei lá, só tem primeiro mesmo. O fato é que me contenho com arroubos de gastar e também com supérfluos, impulsionados pelo capitalismo e pela mania do consumismo. Compro aquilo que realmente vou utilizar, somente o que me é util. Por muito tempo não tive um celular e por tantos outros anos não tinha esses mais modernos, os tais smartphones. Tudo porque não achava útil. Por causa disso sou extremamente criticado, um pouco pela minha língua afiada. Por achar supérfluo sempre sou mal compreendido.

O fato é que não compro coisas porque os outros falam ou porque os outros têm. Só aquilo que julgo necessário para minha vida atribulada, confusa e enrolada. Seja moda, tendência ou a porra que for, isso não me seduz. Marqueteiros se fodem comigo. Sou punk prá caralho!

Desde que começamos a andar de bike, o grupo ainda não conseguimos reunir o quinteto do penta, que ficou para o ano que vem (o penta do Tubarão), com a derrota ontem na capital. Mas logo teremos esse prazer, com, quem sabe, o reforço do Mathias que entrou para o grupo, por enquanto só do whatsaap. O prazer de reunir todos e de ser penta estadual.


Dentre os percursos que fizemos destaco a recente ida até o pedágio mais caro do mundo, que fica na cidade de Jataizinho, que ida e volta da minha casa deu 64 km. Foram quase 5 horas de pedalada constante, entre subidas, descidas, muitos acidentes geográficos. Não foi exatamente uma trilha rural, mas foi bem divertido, principalmente por testarmos nossos limites.

Nossos encontros têm ocorrido sempre aos sábados, ora de manhã, ora na parte da tarde. E, neste sábado, com desfalques do Ju , do Thiago e do Xandy, combinei com o Jé de darmos um role. Ficou combinado de nos encontrarmos na rotatória da Rio Branco com a Leste/ Oeste, região central de Londrina, uns 6 km de casa e uns 4 km da casa do Jé. Nosso destino? A vizinha cidade de Cambé, a Oeste de Londrina.

Já fizemos trilhas pelo sul e pelo Leste da cidade. Faltava irmos em direção ao Oeste. Uma incursão pelo velho Oeste? Sim, só que ao invés dos cavalos, as bikes e ao invés do cantil de água, uma parada no supermercado mais próximo para nos abastecermos do isotônico mais famoso do mercado.

Chamei o Gui para ir comigo. Ele, para minha surpresa, topou. Isso significava duas coisas: nossa velocidade média cairia consideravelmente; nas subidas mais acentuadas ouviria um tanto assim de reclamação. Mas é muito gostoso dar umas voltas com o Gui, mesmo ele sendo de poucas palavras e resmungão. E toda vez olho para trás e vejo ele vindo, na maior tranqüilidade. Andar com o Gui tem mais: não suar. Andar naquele ritmo tranqüilo, parecendo que temos todo o tempo do mundo. E não temos?

Tracei o melhor caminho na cabeça para chegarmos ao local combinado com o Jé, sem pegarmos muitas subidas. E lá fomos nós. Não sem antes nosso herói de plantão, Gui, fazer das suas e se recusar a ir de capacete. Aquele pequeno stress, que se não tiver, não é o Gui.

E lá fomos nós. Antes uma pequena explicação: Londrina é uma cidade nova, de 80 anos e cujo maior problema (ou um dos maiores) é a mobilidade urbana. E parece que nossos engenheiros de trânsito fizeram o curso por correspondência, porque só fazem merda. Cito dois exemplos ridículos de cagada: a tal “ciclovia” em volta ao lago Igapó e o aterro. Primeiro que a pista de bicicleta não pode ser chamada de ciclovia. Uma via deve levar de um lugar para o outro e a pista citada, apenas contorna o lago. Isso fudeu todo o transito da região. Se antes tínhamos duas ruas com pistas de ida e volta, agora só temos uma opção de saída. Os congestionamentos são constantes nos horários de rush; outro exemplo da idiotice desses “profissionais” é a saída o Catuaí, pela Madre Leônia. Simplesmente eles fecharam todos os retornos para quem vai para o Leste e tudo desemboca na rotatória da Airton Senna com a Madre. E o resultado? Mais congestionamentos.


Em suma, não temos ciclovias. Uma promessa de campanha do atual prefeito, que para variar, não cumpriu e nem se ouve qualquer menção sobre o fato, o que nos leva a crer que era só mais uma promessa de campanha, como de tantos políticos profissionais (no sentido pejorativo) que ouvimos Brasil afora.

Pelo fato de não termos ciclovias, temos que nos arriscar e dividir o espaço com os carros e os motoristas estressados e mal educados. E quem está de bike, ao menos eu faço muito isso, sempre entra na contramão para facilitar.

Pois aqui está a primeira lição da epopéia do pedal: ao andar na contramão, o cuidado deve ser quadriplicado. Evite entrar na contramão... e, melhor, nunca entre na contramão.

Estávamos subindo uma rua que não sei o nome, mas que sairia no final da Pio XII, uma quadra para baixo da avenida JK, quando na virada, eu fechado, para evitar os carros que desciam, vem um senhor educado (sarcasmo) e faz uma curva fechadíssima, jogando seu carro para cima de mim; tive tempo de desviar, evitando o pior, mas não o suficiente para evitar de bater meu guidão no retrovisor do carro. E foi só. Eu, nervoso, questionei o cara, pois deveria ter mais cuidado, já que estou de bike e poderia ter me machucado. Pois o raivoso gritava que eu estava na contramão, que eu era um babaca, que eu havia quebrado o retrovisor dele. E eu dizia que ele quase tinha me matado. Um baita stress. O Gui, na sua calma característica (d’onde esses guris tiram tanta calma nessas horas? Ou será que eu é quem sou estourado demais?) disse para eu sair fora, o que fiz, sábias palavras do Gui. Esses imbecis se enervam e se estão armados, saem atirando e depois pagam uma fiança e se safam de tudo. Essas leis brasileiras...

O susto foi grande e de traumatizar. Porque além de cuidar de mim, tinha o Gui. Entre mortos e ferido, seguimos nosso rumo. Encontramos o Jé adiante e fomos traçando o percurso conversando, sem rumo, mas com destino: Cambé. Melhor assim. E, para fugir do trânsito, fomos por dentro, ao invés de pegar a Tiradentes, que vira BR 369. E podamos por um trecho que não conhecíamos. Pegamos Estrada de chão, linha do trem, cruzamos terras nunca d’antes cruzadas.

E finalmente saímos em algum lugar conhecido. Conhecido? Mais ou menos conhecido: a PR 445, sentido Warta. Lugar que só passei de carro quando ia para Assis SP. E seguimos até a entrada da cidade de Cambé. Finalmente chegamos até um trecho que permitia a entrada no conhecido Jardim Ana Rosa. E então, depois de tantos lugares desconhecidos (e o Ana Rosa só é conhecido de nome) fizemos nossa parada para abastecer de isotônico. Nossos camelos (bikes) puderam ter um descanso. Nossa tração animal também, as pernas.

Parada no golfinho, foto da ‘esquerda gatorade’. E seguir adiante. Qual o enlouquecido cavaleiro andante Dom Quixote, a procura de sua Ducinéia de Toboso, fomos em direção ao centro da cidade, já noite adentro, para iniciarmos nosso retorno. Como era uma subida tremenda, nosso herói Gui desceu da bike e foi empurrando. Eu, como bom pai, esperei o guri subir ladeira acima, andando devagarzinho ao seu lado, até alcançarmos o Jé, que estava em um trecho mais plano.

Esquerda Gatorade: Gui, eu e Jé
Diferente do (anti) herói de Cervantes, mesmo tendo passado pelo Moinhos Dona Benta, não entramos em luta corporal contra o moinho, achando se tratar de dragões. E nem encontramos donzelas em perigo para defendermos sua honra.  

Eis que ocorre o que pode ser previsto, mas que é imprevisto e que jamais tinha ocorrido em nossos roles de bike: furou o pneu dianteiro da bike do Jé. E eu, que estava com a bike com os pneus totalmente carecas, me safei dessa. Tínhamos rodado, segundo o Jé, 15 km, ou seja, metade do percurso.

Segunda lição da epopéia do pedal: andar sempre com uma camâra de ar avulsa, a estepe. E com uma bomba para encher até o próximo posto.

No meio do caminho, alguns borracheiros me fez lembrar como é fácil encontrar esse profissional em Cambé, e que em Londrina não é tão comum. Mas, para nosso azar, todos fechados. Até que chegamos num, que tinha casa nos fundos. Resolvi tentar a sorte. Bati palmas, um cachorro estressado nos atendeu e seu dono, da porta. Deu para ver que era deficiente físico e gritou perguntando o que queríamos, visivelmente assustado e desconfiado. Ao pedir ajuda, ele titubeou, resmungou algumas coisas, até vociferar um “sem chances” desanimador para nós.

Demos meia volta e continuamos nossa epopéia, Jé empurrando a bike até o posto mais próximo, talvez 1 km à frente. E ao chegarmos ao posto do Super Muffato de Cambé, que por capricho do destino, não tinha calibrador. Mais 1 km do Jé empurrando a bike até chegarmos ao próximo posto e torcendo para que fosse possível encher o pneu e rodar ate minha casa, 15 km a frente.

Para calibrar colocamos no modo vazio e quase estourou a câmara de ar. Outras tentativas e ajuda do frentista e lá fomos nós. Como conheço o trecho de volta, expliquei para o Jé o próximo posto para o caso de esvaziar o pneu. E foi o que aconteceu, a cada trecho o pneu esvaziava.

No meio de tanto azar, a sorte foi que a PR 445 sentido Cambé - Londrina é recheada de postos; paramos em todos. Quando chegamos em frente à Uel vimos, de longe, uma cena inusitada: um cara correndo como louco e outro subindo em uma moto. O cara correndo em ritmo alucinado. Como dali 100 metros encontrei uma carteira jogada no chão, entendi o ocorrido minutos antes: mais um assalto para as estatísticas. Provavelmente sob a mira de uma arma o motoqueiro entregou seu veículo e saiu em disparada. Só não entendi qual artifício o assaltante utilizou para fazer o motoqueiro parar.


Então chegamos em casa, guardei a bike do Jé para arrumar na segunda e o levei de carro em casa. E isso já passavam das 20 horas. E ainda tinha combinado de ir ao cinema assistir com o Gui ao filme Um Corpo que Cai, na programação dos clássicos. Mas isso, meus caros, fica para outra historia.